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Víveres levados aos prisioneiros na véspera de Pentecostes

Víveres levados aos prisioneiros na véspera de Pentecostes [acima]; Guarda de Honra do Imperador; Traje dos arqueiros [abaixo], por Jean Baptiste Debret,
Víveres levados aos prisioneiros na véspera de Pentecostes [acima]; Guarda de Honra do Imperador; Traje dos arqueiros [abaixo], por Jean Baptiste Debret, via NYPL

Se a legislação portuguesa, em vigor no Brasil, dispensa o governo da alimentação dos presos, bárbaro sistema que obriga o indigente privado de parentes ou amigos a recorrer à caridade dos transeuntes para sua subsistência, sua sorte deplorável é entretanto suavizada pela filantropia da irmandade da Santa Casa da Misericórdia, que fornece diariamente dois enormes caldeirões de sopa feita com cabeças de bois reservadas especialmente para esse fim, e mais um suplemento de farinha de mandioca. Essa providência caridosa recebe diariamente seu tributo de louvores ao encontrarem os distribuidores a fila de prisioneiros acorrentados carregando os gêneros alimentícios sob a escolta da guarda da polícia.

Esse exemplo de assistência fraternal é também seguido, embora somente uma vez por ano, na véspera de Pentecostes, pela irmandade do Santíssimo Sacramento. Seu volumoso presente, que enche os bordos de dois carros de bois, compõe-se de carne fresca, toicinho, carne seca, feijões pretos, laranjas e farinha de mandioca. Mas o valor dessa oferta levada à cadeia pela manhã na véspera da festa do Espírito Santo, é logo reembolsado graças aos inúmeros presentes de toda espécie de comestíveis que, na mesma noite, são entregues em todas as sedes do Santíssimo Sacramento espalhadas pela cidade. Essas oferendas são postas solenemente em leilão, na noite da festa, em benefício da irmandade a qual aufere disso seus únicos recursos.

O desenho representa a entrada da cadeia, na Rua da Prainha. Já um dos carros atinge seu destino; vem ornado de ramos de mangueira tal qual o segundo que segue. A vanguarda do cortejo já se encontra também parada à porta. O pequeno destacamento de cavalaria estaciona à esquerda, enquanto à direita a banda dos negros toca contradanças para comemorar a chegada do cortejo. As duas bandeiras que precediam o primeiro carro aguardam igualmente o momento oportuno para reunir-se aos que acompanham o segundo carro e terminam assim o cerimonial da marcha. Um dos chefes da expedição toma em seguida o recibo do carcereiro e o cortejo se dispersa. Os irmãos pedintes em plena atividade ao longo do caminho dão a beijar aos passantes um pequeno relicário do Espírito Santo e recebem as esmolas dos devotos. O preso de plantão, a fim de implorar a caridade dos transeuntes, beija gratuitamente a pequena imagem (255) enquanto as negras do primeiro plano se apressam em trazer seu óbolo com humildade, embora tendo em vista o mesmo intuito.

O lugar da cena é reproduzido do natural. A ala situada no outro lado do edifício e da qual se percebe uma parte acima da extremidade da fachada mais afastada, é a prisão das mulheres (256).

No Rio de Janeiro o lugar de carcereiro é bastante lucrativo e por isso mesmo muito procurado e somente concedido por proteção especial do ministro intendente da polícia. Um protegido deste, o antigo diretor do Teatro Real (José Fernandes de Almeida), indivíduo muito ativo, já chegara a construir grande parte dos pesados muros de uma nova prisão na cidade nova, perto do novo caminho de São Cristóvão, na certeza de obter, como recompensa, o lugar de carcereiro. Mas sua morte impediu o acabamento da empresa que ficou abandonada, pelo menos até a minha partida.

Notas

  1. Uma corrente comprida permite ao preso chegar até a sarjeta da rua da cadeia para implorar a esmola dor passantes; um banquinho de madeira colocado junto à parede serve para que descanse durante suas horas de plantão. (N. do A.).
  2. Falarei também do oratório colocado num dos pátios da cadeia e no qual, assistidos por um confessor, os condenados à pena capital passam os três dias de retiro que lhes são concedidos antes da execução.
    A primeira cadeia do Rio de Janeiro achava-se situada no fim da rua que beira o lado esquerdo do palácio. Ela foi substituída, no governo do último vice-rei, pela que se vê aqui. Nessa ocasião aproveitou-se primeiramente uma parte do andar térreo abobadado do antigo estabelecimento, instalando-se o correio e colocando-se os arquivos no andar superior: quando da fundação do império puseram à disposição do arquiteto Manuel da Costa toda a parte superior desse mesmo edifício para a instalação da Assembleia. A entrada principal dá para uma rua que beira o Palácio e outra entrada particular, do outro lado, dá para uma praça também do lado do Palácio. Resta apenas hoje, perpetuando a recordação da antiga cadeia, uma rua estreita e longa em frente da entrada do Correio e que vai terminar no chafariz da Carioca, conservando o nome de Rua da Cadeia. (N. do A.)

Fonte

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