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Monumento e cortejo fúnebre da Imperatriz Leopoldina no Rio de Janeiro

Monumento e cortejo fúnebre da Imperatriz Leopoldina no Rio de Janeiro, por Jean Baptiste Debret,
Monumento e cortejo fúnebre da Imperatriz Leopoldina no Rio de Janeiro, por Jean Baptiste Debret, via NYPL

Demos na nota da prancha 13 o resumo sucinto da vida da primeira Imperatriz do Brasil, Leopoldina José Carolina Luísa, arquiduquesa, da Áustria, desde a sua chegada ao Rio de Janeiro; terminamos aqui com a cerimônia funerária realizada por ocasião do seu falecimento ocorrido a 11 de dezembro de 1826, às 10 horas e um quarto da manhã, no Palácio Imperial de São Cristóvão (Quinta da Boa Vista), a três quartos de légua do Rio de Janeiro. Vejamos agora alguns detalhes tão exatos quão desconhecidos.

Há alguns dias já, santas relíquias, carregadas processionalmente e dispostas na Capela Imperial durante as orações das quarenta horas, reuniam todos os cidadãos admiradores das virtudes da princesa, para a invocação da proteção do Todo Poderoso contra as horríveis angústias de uma inflamação provocada pelo tifo e em virtude da qual sucumbiu. Com efeito, as salvas funerárias das artilharias das fortalezas anunciaram, cedo demais, essa funesta notícia que impressionou dolorosamente toda a população do Rio de Janeiro.

Morta a Imperatriz e assinada a certidão de óbito pelos médicos e cirurgiões de serviço, presididos pelo primeiro Ministro do Império (ministro do interior), fizeram os cirurgiões uma pequena incisão no abdome a fim de introduzir no corpo algumas substâncias corrosivas e aromáticas comprimindo tudo por meio de uma costura (operação cirúrgica textualmente indicada na lei portuguesa que proíbe, por decência, sejam os cadáveres de mulheres embalsamados).

Durante a noite do primeiro para o segundo dia, ficou o corpo mergulhado num banho de espírito de vinho e de cal a fim de provocar o endurecimento das carnes, sendo na manhã seguinte revestido com o grande uniforme imperial e exposto num leito de gala, ricamente decorado, a fim de receber a última homenagem dos fidalgos de seu serviço particular que, com efeito, vieram todos beijar-lhe a mão direita disposta de modo a facilitar o cerimonial do beija-mão……………

Logo depois colocaram o corpo assim vestido e perfumado dentro de um caixão de chumbo cuja tampa foi soldada na presença do camareiro-mor e do primeiro ministro. Esse primeiro ataúde fechado dentro de um segundo de madeira, muito simples, foi em seguida exposto numa câmara ardente para receber, de acordo com os usos, as honras funerárias de toda a Corte e do povo que para aí se dirigiu em massa apesar da distância que separa São Cristóvão da Capital.

Foi somente no dia do cortejo que se encerrou o segundo caixão num terceiro também de madeira, mas fechado à chave e coberto de veludo preto ricamente agaloado de ouro. É neste ataúde que a Imperatriz repousa, ainda hoje, no coro claustral do Convento da Ajuda, no mesmo lugar em que fora anteriormente depositado, em 1816, o corpo de D. Maria I, Rainha de Portugal e mãe de D. João VI.

O Cortejo

O cortejo funerário, saindo de São Cristóvão a 14 de dezembro às oito horas da noite, chegou na cidade, à porta principal do convento da Ajuda, às dez horas e meia, terminando a cerimônia somente às duas horas da madrugada.

Organização do Cortejo

Antigo Convento da Ajuda na Cinelândia
Antigo Convento da Ajuda na Cinelândia

Um forte destacamento de cavalaria abria a marcha; vinham em seguida doze cavalos de mão, das estrebarias do Imperador, acompanhados pelo picador-mor; seguiam-se logo depois a cavalo e de uniforme funerário o senado da Câmara, os camareiros, os bedéis, os maceiros, os reposteiros e os guarda-roupas, o camareiro-mor e os conselheiros de Estado. Depois dessas autoridades civis via-se, também a cavalo, o clero da Capela Imperial, constituído pelos sacristões, chantres, cônegos e monsenhores, todos segurando enormes círios, cujas extremidades inferiores se apoiavam nos estribos.

O cerimonial religioso que determinava cantasse o clero as preces durante o trajeto assinava também um lacaio para segurar as rédeas do cavalo de cada eclesiástico e, por deferência, dois lacaios para os monsenhores.

Após essa cavalgada, vinham as carruagens. Em primeiro lugar o carro funerário puxado por oito bestas cobertas de veludo preto e sem penachos; é difícil, porém, ter-se uma ideia da massa informe (invenção portuguesa) apresentada pelo conjunto desse carro funerário. A carruagem era também guarnecida por uma imensa peça de magnífico veludo preto ornada com uma longa franja de ouro fino, encimada por um largo galão do mesmo metal, tudo cobrindo inteiramente o jogo do carro, as rodas e a boleia. Sentado sobre a imensa tapeçaria, que em parte cedia ao peso de seu corpo, via-se o cocheiro com a grande libré imperial: casaca verde de galões de ouro tendo do lado direito uma dragona franjada de prata, e na cinta a espada de punho de prata; usava chapéu de três bicos com galões de prata, meias brancas de seda e sapatos com fivelas de ouro. Duas filas cerradas de lacaios a pé, todos carregando enormes círios, cercavam o coche funerário atrás do qual uma segunda carruagem, do mesmo modo recoberta e não menos ricamente ornamentada, representava o carro da Imperatriz. Era também puxada por oito bestas, cercada de lacaios carregando círios e escoltada por um destacamento de guardas de honra. Uma terceira carruagem da Corte, mas somente de painéis estofados, era ocupada por três eclesiásticos, o mais eminente dos quais segurava uma enorme coroa dourada sobre uma almofada enquanto seus acólitos, sentados, nos lugares da frente, carregavam o fogo sagrado e a cruz. Finalmente uma quarta carruagem em que se achavam o camareiro-mor e o reposteiro de serviço, era escoltada por destacamentos de cavalaria, artilharia montada e caçadores a pé com suas bandas, formando a retaguarda.

Cerimônia dentro da Igreja do Convento

A igreja fora internamente ornamentada com magníficas tapeçarias. Uma orquestra imponente se erguia junto ao muro lateral da direita. Na nave, quatro pedestais de altura e riqueza progressivamente maiores, mas a igual distância um do outro, ocupavam o centro da igreja desde a porta da entrada até o primeiro degrau do altar-mor. Fileiras de banquinhos ladeavam-nos de ambos os lados. Duas cobertas de tapetes haviam sido colocadas também perto da grade do coro claustral junto da porta de entrada da igreja.

Chega finalmente o coche funerário. Os irmãos da Misericórdia transportam o corpo e o colocam sobre o pedestal mais baixo e mais simples, situado perto da porta, verdadeiro estrado que, na sua modéstia, figurava o corpo depositado no chão. O primeiro amanuense da secretaria de Estado, o sentado à mesa perto da porta, tira uma cópia da certidão assinada no palácio imperial por ocasião do fechamento do caixão de chumbo e destinada a ser entregue à abadessa do convento, juntamente com a ata de depósito do corpo, que a superiora assina por seu lado na outra mesa. Este documento constitui ainda um compromisso de entregar o ilustre depósito à primeira requisição legal. Após essa formalidade o clero da irmandade canta o ofício dos mortos a que se chama recomendação. Os irmãos carregam então o caixão até o segundo pedestal, mais elevado e ornamentado, junto ao qual se mantém o senado da Câmara do Rio de Janeiro. É agora o clero da paróquia que se encarrega das orações. Findas estas, os membros do senado da Câmara carregam por sua vez o ataúde e o colocam no terceiro pedestal, mais rico do que o precedente. É então o bispo que oficia pontificalmente e é a nobreza que carrega o ataúde a fim de colocá-lo no quarto pedestal, muito mais rico do que os precedentes. Nesse momento então todos os efeitos da música contribuem em seu conjunto para a suntuosidade dos cânticos religiosos que continuam enquanto a nobreza transporta o corpo e penetra pela porta lateral da grade claustral, aberta ao lado em que se encontra um pequeno monumento funerário preparado para receber definitivamente os restos augustos (277). Deposita-se em seguida a enorme coroa dourada sobre o pano mortuário que cobre o esquife. Ao chegar-se a essa última formalidade soam duas horas da manhã e, as salvas da artilharia do cortejo, repentinamente repetidas pelas de todos os fortes da baía, anunciam à população da capital que a porta do coro claustral está sendo fechada.

Foi esse o sinal de partida para os assistentes exaustos com essa penosa e lúgubre cerimônia que durou seis horas consecutivas, duas das quais em meio a uma nuvem de poeira escaldante e as quatro outras fechadas no interior de uma igreja resplendente de luminárias e apinhada de espectadores que aumentavam ainda o calor sufocante.

Dou aqui, sob número 1, os detalhes do grande monumento funerário em que repousam hoje os restos mortais de Leopoldina, primeira Imperatriz do Brasil. Esta obra-prima de marcenaria, executada em madeira preta e ornada com filetes de cobre dourado, foi confeccionada em 1817 para colocar-se o corpo da falecida rainha de Portugal, Maria I, mãe de D. João VI, falecida no Rio de Janeiro em 1816 (278). As armas do Reino Unido no frontão atestam que o desenho foi feito logo em seguida aos funerais, pois a elas se substituíram mais tarde as armas do império. O ataúde, coberto por um pano mortuário de magnífico veludo preto com galões e franjas de ouro e encimado por uma enorme coroa, acha-se colocado sobre um estrado também coberto de pano preto agaloado. As duas portas, em geral fechadas, permaneceram abertas durante a primeira semana de nojo consagrada ao serviço funerário.

N.º 2. Detalhe da decoração exterior da grade do coro claustral que dá para a igreja pública no mesmo convento. À direita, ao rés-do-chão, percebe-se uma porta lateral aberta para a entrada do cortejo; vê-se à esquerda a porta paralela fechada e em parte escondida pelas duas mesas preparadas para a assinatura das atas de depósito do corpo da Imperatriz (279).

N.º 3. Vista do interior do coro claustral do Convento da Ajuda onde se acha colocado o monumento funerário.

N.º 4. Vista exterior do mesmo convento, do lado da Rua da Ajuda. O primeiro corpo do edifício, à esquerda, é a igreja; as janelas numerosas indicam o rés-do-chão e os dois andares do coro claustral; as quatro outras colocadas acima das capelas laterais dão uma ideia da dimensão da igreja pública e da porta de entrada pela qual passou o cortejo funerário. A segunda porta, colocada embaixo da pequena galeria italiana, dá entrada para a sacristia ao lado do altar-mor da igreja pública; a terceira porta dá para o pátio do convento. Este pátio é cercado por dependências consagradas às atividades industriais; a parte claustral ocupa toda a fachada situada ao lado do mar (ver a vista geral da cidade, prancha 3). O desenho termina com o muro do espaçoso jardim das religiosas.

N.º 5. Coche funerário com oito bestas simplesmente ajaezadas e sem penacho: a enorme e pesada carruagem é de estilo Luís XIV, e muito grosseiramente executada. A capa única de magnífico veludo preto bordada com galões e alta franja de ouro descendo até o chão, tradição portuguesa religiosamente conservada nesta solene e lúgubre cerimônia, é que dá esse aspecto de massa informe à carruagem.

Notas

  1. O monumento, obra-prima de marcenaria, é um grande armário isolado dentro de um pequeno gabinete retangular, fechado do lado maior por duas portas que, abrindo-se, mostram por inteiro a sua face. Duas pequenas figuras esculpidas suportam o medalhão, que serve de frontispício, em cima de um zimbório cortado. O conjunto é de madeira preta ornada de filetes de cobre dourado. Dois versos latinos inscritos no medalhão atestam a justa saudade que inspira a lembrança das qualidades realmente notáveis da ilustre morta. As religiosas mantêm continuamente acesa uma pequena lâmpada no interior do monumento, cujas portas permanecem fechadas em geral, abrindo-se somente no dia da comemoração. (N. do A.). Dia de finados, quer o autor dizer. (N. do T.).
  2. O primeiro monumento em que se achava depositado primitivamente em 1816, o corpo da falecida rainha era absolutamente da mesma dimensão, mas parecia um pequeno gabinete de jardim. De madeira ordinária, era pintado de verde-claro sobre o qual se figurava uma grade dourada, prova incontestável do triste estado das artes no Rio de Janeiro nessa época. (N. do A.).
  3. Há um engano de numeração. A descrição refere-se ao n.º 1. (N. do T.).

Fonte

Ligação externa

Imagem destacada

Mapa - Quinta da Boa Vista, Convento de Santo Antônio e Antigo Convento de Nossa Senhora da Ajuda