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Promulgação do alvará de 10 de Abril de 1821

I

Os injustos e lesivos mandados judiciaes de despejo, que os emphiteutas do Senado obtinham a cada passo contra os seus arrendatarios, e sub-emphiteutas, trouxeram em resultado aquelle celebre e renhido pleito entre o povo e o Senado, de que já fallei a pag. 5.

Os emphiteutas, isto é; os que obtinham directamente do Senado a posse de terrenos por titulos de aforamento em vidas, ou em fateosim perpetuo, subdividiam esses mesmos terrenos em menores porções ou prasos, que arrendavam a outros individuos impondo-lhes nos contractos novas condições onerosas.

Estes a seu turno, quando os prasos ainda eram extensos, e admittiam novas subdivisões, procediam de igual modo.

Tal era a prática seguida, desde remotos tempos, em todos os terrenos de propriedade municipal.

Conseguintemente uma propriedade, que no senhorio directo pertencia ao Senado, no senhorio util pertencia a um, dous e mais individuos, que lhe negavam obediencia, e que mesmo se achavam na posse d’ella sem seu previo conhecimento e licença; visto como não havendo nos contractos de arrendamento verdadeira alienação ou transmissão de propriedade, ipso factu não se dava tambem obrigação de pedir-se aquella licença, nem tão pouco de se pagar o laudemio; razão única e principal porque se preferia este vicioso modo de transmissão de propriedade.

Mas os que assim procediam, em vistas de lesar em seu proveito as rendas do Senado, pelo não pagamento do laudemio, esqueceram-se que, reduzindo-se á condição de meros arrendatarios, a legislação os não podia proteger contra a ganancia e ambição dos emphiteutas, como veio á acontecer.

Logo que findava a qualquer arrendatario o tempo de seu con tracto, durante o qual tinha feito largas e extensas bemfeitorias no terrena arrendado – bemfeitorias que pela maior parte consistiam em despendiosos atterros, que depois de concluidos difficil, senão impossivel, era assignalar-lhes o seu verdadeiro valor – apparecia o emphiteuta exigindo a entrega do terreno mediante a louvação de bemfeitorias.

O emphiteuta vencia a questão, porque tinha por si o direito; mas em resultado vinha a indemnisar o arrendatario com a quarta ou sexta parte do que lhe era devido; porque, como já disse, a avaliação era sempre lesiva para este ultimo, por se não poder calcular em bases verdadeiras. D’ahi as execuções interminaveis, os embargos, as apellações, e todo o cortejo de recursos do fôro que a nossa legislação facilita aos chicaneiros.

Foi por este modo, e por estas razões, que se originou o afamado pleito, a que já alludí, e sobre cujos termos teve de fallar o Senado, para elle chamado em autoría.

Tendo-se avolumado informemente o processo chegou elle a final conclusão e julgamento no tribunal do Juizo dos feitos da Corôa e Fazenda, onde se proferio o injusto Accórdão de 20 de Junho de 1812, julgando-se n’ullos todos os aforamentos, que o Senado havia feito de terrenos comprehendidos nas suas primitivas sesmarias, e determinando-se mais que os ultimos possuidores os ficariam gosando livres de qualquer onus ou pensão.

N’estes termos o Tribunal erigia-se em donatario em vez de julgador!

II

Contra esta celeberrima jurisprudência – em que, força é confessar, teve grande parte o interesse privado dos juizes, e de seus adherentes, que em grande numero estavam situadas dentro das terras do Senado – uma representação foi dirigida ao Sr. D. João VI por parte do mesmo Senado e de alguns emphiteutas, como elle, tambem prejudicados pelo referido Accórdão.

Ouvida em consulta a Mesa do Desembargo do Paço, baixou então o sabio Alvará de 10 de Abril de 1821, cuja integra se encontrará nos appensos sob n. 12. Sem embargo d’isso, resumirei aqui as suas principaes providencias; a saber:

1.ª Que se entendesse n’ullo, cassado e de nenhum effeito o Accórdão de 20 de Junho de 1812, pondo-se perpetuo silencio na causa, como se elle nunca houvesse sido proferido.

2.ª Que se entendessem legitimo, válidos e procedentes com os fóros estabelecidos e laudemio da quarentena, todos os aforamentos feitos pelos officiaes da Camara de terrenos desmembrados de suas primitivas sesmarias.

3.ª Que se entendessem do mesmo modo todas as sub-emphiteuticações, locações e arrendamentos, que os respectivos emphiteutas e sub-emphiteutas houvessem feito, ficando todos estes contratos reduzidos a aforamentos perpetuos.

4.ª Que aquelles emphiteutas ou arrendatarios, que se não quizessem conservar na posse dos referidos terrenos com o titulo de aforamento perpetuo, por lhes parecerem excessivas as pensões já arbitradas, abrissem d’elles mão para a Camara, ou para as pessoas de quem os tivessem havido, sem que mais em tempo algum podessem intentar pleito para o fim de as reduzir de valor.

5.ª Que os terrenos devolutos podessem ser d’ahi em diante aforados pelos officiaes da Camara com as clausulas acima prescriptas, e de conformidade com o Alvará de 23 de Junho de 1766.

Apesar da sabia e previdente lei, de que resumidamente acabo de dar conta, muitos foreiros continuaram a desconhecer o directo senhorio do Senado, e assim se conservaram, socorrendo-se para isso das diferentes circumstancias já por vezes apontadas, e principalmente pela nova ordem de cousas que se originaram na época em que vou entrar.

Fonte

  • Lobo, Roberto Jorge Haddock (Haddock Lobo). Tombo das Terras Municipais: Que constituem parte do patrimônio da Ilustríssima Câmara Municipal da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Tipografia Paula Brito, 1863. 231 p. (Impresso por deliberação da Ilustríssima Câmara Municipal de 30 de junho de 1860).