O Incendio de 1790
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SEGUNDA ÉPOCA — 1755 a 1808
CAPITULO SEGUNDO
O Incendio de 1790
I
Pelo facto de haver o Senado da Camara[1] conseguido a medição, demarcação e tombamento de uma importante parte de sua propriedade, facil lhe foi conseguir o resto – o reconhecimento de seu dominio directo a essa mesma propriedade, por parte de quasi todos os foreiros e arrendatarios, intrusos ou não intrusos, que se achavam installados d’entro d’ella.
Para este feliz resultado concorreram grandemente os dous notaveis successos que vou apontar:
1.º A expulsão dos Jesuitas de todos os Estados do Brasil, em virtude do alvará de 19 de Janeiro de 1759.[I]
2.º A elevação da Capitania do Rio de Janeiro á dignidade de Vice-Reinado.
O primeiro livrou o Senado da Camara de um formidavel e poderoso adversario, que por mais de uma vez lhe occasionou prejuizos enormes; levando o cynismo da afronta a ponto de ultrajal-o em corporação, nos actos os mais solemnes.
O segundo deu-lhe mais prestigio e mais força moral; visto como desde então tudo, quanto de mais notavel e mais illustre havia nas classes nobres da sociedade, porfiava em occupar as cadeiras da edilidade, e tomar parte nas suas deliberações.
Mas a fatalidade, que parece ter sempre presidido aos destinos da Municipalidade do Rio de Janeiro, não permittio que continuasse a nova face de prosperidade, em que o Senado da Camara tinha entrado por estes tempos. Uma nova e inesperada desgraça veio transtornar-lhe a marcha regular de seus negocios, e contrariar os bons desejos dos que patrioticamente curavam de seus interesses.
O incendio que na madrugada do dia 20 de Julho de 1790 reduzio a cinzas o seu precioso Archivo, e com elle quasi todos os documentos e livros, em que se achavam registrados os titulos dos foreiros e arrendatarios, trouxe a confusão e a desordem por modo tal, que desde então até ha muito pouco tempo, tudo quanto dizia respeito a aforamentos era um perfeito cahos.
Descreverei mais de espaço esta infeliz occurrencia.
II
Pelo correr do anno de 1790 funccionava o Senado da Camara em um sobrado sito ao largo do Paço, propriedade do juiz de Orphãos Francisco Telles Barreto de Menezes, por se achar o seu Paço ocupado pelo Tribunal da Relação.
Na madrugada do dia 20 de Julho d’esse anno um formidavel incendio se manifestou nas lojas do referido predio, as quaes se achavam alugadas a um tal Francisco Xavier. Tal foi a sua vehemencia, que em poucos momentos estava todo o edificio reduzido a um montão de ruinas, ficando n’ellas sepultadas todas as preciosidades que se encerravam no Archivo do Senado.
Segundo a plausivel opinião dos que viveram por essa época, esta inesperada calamidade foi devida á perversidade de alguns foreiros, que por este meio julgavam poder libertar suas propriedades do senhorio directo da Camara.
E o mais é que tel-o-hiam conseguido completamente se por desgraça houvessem desapparecido todos os titulos e vestigios que os obrigavam a esse reconhecimento. Mas não tendo assim acontecido não puderam lograr aquelle criminoso intento.
Em primeiro lugar permittio a Divina Providencia que de todo aquelle naufragio se salvasse uma importante reliquia qual foi – o livro do traslado da medição e tombo das terras do Senado da Camara.
Em segundo lugar as providencias que se tomaram desde logo, o auxilio e socorro que foi prestado pelo Vice-Rei e mais autoridades, frustraram em grande parte aquelle máo designio.
Assim se tivesse d’esde logo feito uma matricula methodica exacta e minuciosa de toda a propriedade novamente registrada, que por certo não teria hoje a Illustrissima Camara de lutar com os embaraços e dificuldades, com que luta, para conseguir aquelle fim.
Nem então, nem nos largos tempos que se lhe seguiram até aos da Camara de 1853, houve quem se desse ao trabalho ingrato, e talvez inglorio, a que eu me tenho dado. Por isso a renda annual de foros e laudemios até 31 de Dezembro de 1852 não passava de 11:091$099 a primeira, e de 1:917$522 a segunda.[2]
Tenho orgulho em poder nesta occasião apresentar a seguinte tabella, que fiz extrahir dos livros da receita municipal; pela qual se vê que á proporção que o meu trabalho de tombamento marchava á sua conclusão – aquellas duas verbas do orçamento municipal augmentavam progressivamente.
ANNOS | LAUDEMIOS | FOROS |
1852 | 11:091$099 | 1:917$522 |
1853 | 12:765$612 | 3:429$526 |
1854 | 14:533$623 | 2:584$324 |
1855 | 20:843$564 | 2:498$907 |
1856 | 50:170$499 | 2:946$574 |
1857 | 39:985$731 | 3:150$286 |
1858 | 45:446$874 | 4:157$689 |
1859 | 44:269$768 | 5:722$828 |
1860 | 36:251$425 | 2:808$984 |
1861 | 36:778$851 | 4:605$297 |
1862 | 28:245$982 | 3:365$635 |
Notas do Autor
- Pela Provisão Régia de 11 de Março de 1757 concedeu-se á Camara do Rio de Janeiro a prerogativa de se denominar – Senado da Camara – denominação que já lhe havia sido dada na Provisão Regia de 14 de Abril de 1712.
- Vide Relatorio do ex-presidente da Camara que findou em 1852 pag. 16.
Nota do Editor
- Pelo Alvará de 19 de Janeiro de 1759 foram os Jesuítas declarados banidos e proscritos de Portugal; e pelo de 3 de Setembro (publicado na Chancelaria a 3 de Outubro) foram havidos como rebeldes, traidores , adversários e agressores, que tinham sido contra a Pessoa d’El-Rei D. José, e por tais declarados proscritos e desnaturalizados. Em virtude da C. R. de 21 de Julho do mesmo ano fez o Conde de Bobadela prender os Jesuítas na cidade do Rio de Janeiro, e nas outras Capitanias do Sul, no mês de Novembro, mandando-os sair de todos os lugares onde residiam; outro tanto se praticou nas Capitanias do Norte com o mesmo sigilo e pontualidade no ano imediato. Fonte: Synopsis ou Deducção Chronologica dos Factos mais Notaveis da Historia do Brasil, pelo General José Ignácio de Abreu e Lima.
Fonte
- Lobo, Roberto Jorge Haddock (Haddock Lobo). Tombo das Terras Municipais: Que constituem parte do patrimônio da Ilustríssima Câmara Municipal da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Tipografia Paula Brito, 1863. 231 p. (Impresso por deliberação da Ilustríssima Câmara Municipal de 30 de junho de 1860).
Imagem destacada
- Arco do Telles na Praça XV de Novembro.
Mapa - Arco do Telles na Praça XV de Novembro