Da segunda sesmaria de seis leguas em quadra
I
Ficou dito no final do art. VI do titulo – sesmarias primitivas – que na occasião em que Mem de Sá confirmára a sesmaria doada por Estacio de Sá, julgou elle dever ainda ampliar aquelle donativo, concedendo mais 6 leguas em quadra, que se deveriam começar a medir onde finalisassem as duas leguas de fundo da primeira.
Mas Lambem deixei dito no artigo precedente, que por causa da sesmaria dos Jesuitas não poude a Camara prehencher todo o fundo de sua primeira concessão.
Como, pois, seria possivel ir tentar-se a medição da segunda sesmaria; isto é: – das seis leguas doadas por Mem de Sá – quando nem se havia podido prehencher a area da primeira? – Só haveria um recurso, e era: – saltar-se por cima da sesmaria dos Jesuitas, completar a medição da primeira, e começar então a da segunda até onde fosse necessario ir.
Mas ainda assim novos obstaculos se encontrariam precisamente n’esses lugares por parte dos seus actuaes possuidores.
Allegar-se-hia contra semelhante procedimento posses antiquissimas, quer em virtude de titulos concedidos pelos diferentes Governadores da Capitania, quer mesmo em virtude de uma intrusão mansa e pacifica, se bem que illegal. [1]
Conseguintemente presumo, que foi por estas razões, em verdade ponderosas, que a Camara nunca chegou a occupar-se de semelhante medição. E presumo, porque nem do Livro do Tombo, nem de outro qualquer documento a elle relativo, dos immensos que colligi, se deprehende que taes passos se dessem. O unico vestígio que a este respeito encontrei foi o seguinte.
Em antigos livros, assentos, e mais documentos relativos a terras do patrimonio municipal, existentes no archivo, encontrei registrados varios aforamentos de porções de terras em Irajá e Piracuára, lugares, que, como se sabe, distam desta côrte cerca de seis e oito leguas, e que por esta circumstancia estão evidentemente muito além dos limites da sesmaria dos Jesuitas. Mas a razão pela qual a Camara se reconheceu senhoria dessas terras não a pude descobrir, nem dos documentos a que me referi, nem das actas das vereações dessa época.
Sobre este assumpto ainda tornarei a occupar- me, quando chegar á época em que estes factos se deram.
II
Do que tenho dito a respeito d’esta segunda sesmaria suscitar-se-ha talvez a seguinte questão:
Poderá a Camara emprehender hoje esse trabalho, reivindicando uma propriedade de tão extensos limites? Não poderá essa reivindicação ser fortemente disputada por posseiros ou intrusos, que d’essa propriedade estão de posse?
Sem arriscar por em quanto juizo algum a respeito de tão delicada questão, direi apenas, que o contexto da Provisão Regia de 14 de Abril de 1712, e o da Ordem Regia de 23 de Fevereiro de 1713 respondem pela affirmativa; – mormente se tiver applicação ao caso vertente a legislação antiga, mas em vigor, que reputa os bens da Camara no mesmo pé de igualdade que os bens da Corôa, hoje Fazenda Nacional.
Com tudo acredito que só um acto legislativo – que decretar expressamente que a legislação citada tem applicação á questão de que se trata – poderá evitar as immensas lides que necessariamente se hão de suscitar.
Se isto se podesse obter essas lides não incutiriam o menor receio, porque os Tribunaes as despresariam in limine: e assim sendo, era mais que certo, que a reivindicação se poderia conseguir talvez até por meios amigaveis.
Nota do Autor
- Sem falar em muitas outras, apontarei apenas a sesmaria concedida na Tijuca, aos ascendentes de Salvador Corrêa de Sá e Benevides, primeiro Visconde d’Asseca.
Fonte
- Lobo, Roberto Jorge Haddock (Haddock Lobo). Tombo das Terras Municipais: Que constituem parte do patrimônio da Ilustríssima Câmara Municipal da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Tipografia Paula Brito, 1863. 231 p. (Impresso por deliberação da Ilustríssima Câmara Municipal de 30 de junho de 1860).