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São Bento, por Augusto Maurício

O Mosteiro de São Bento, por William Gore Ouseley. Coleção Mauá I, Banco do Estado da Guanabara S.A., 1961.
O Mosteiro de São Bento, por William Gore Ouseley. Coleção Mauá I, Banco do Estado da Guanabara S.A., 1961.

Segundo vários escritores portugueses, todos de nomeada e idoneidade comprovada, foi em 1581, que chegaram ao Brasil, procedentes de Portugal, os primeiros monges beneditinos. Aportaram à Bahia, e estabeleceram-se na cidade de Salvador. Entre eles vinha Frei Antônio Ventura que era, por assim dizer, a figura principal do grupo de servos de Deus. Logo que ali desembarcaram desenvolveram as providências que se faziam necessárias para a construção do seu mosteiro, construção essa que a seguir teve início na ermida de São Sebastião. Aclimatados em nossa terra, dentro de pouco tempo se espalharam por todo o Brasil, empenhados na grandiosa obra de pregar a palavra do Senhor.

No ano de 1589, a pedido de Frei Ventura, novos religiosos chegaram a Salvador; esses, porém, tinham como principal objetivo a fundação também no Rio de Janeiro, de um mosteiro de sua Ordem. Com esse propósito aqui desembarcaram os padres Frei Pedro Ferraz e Frei João Porcalho, que, juntamente com Dom Ventura, tinham viajado até a Bahia.

No Rio de Janeiro foi dado a esses representantes da Ordem de São Bento, pelo então governador Salvador Corrêa de Sá, para seu estabelecimento, a capela de Nossa Senhora do Ó, situada no local onde se ergue hoje a Catedral Metropolitana Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Antiga Sé (N. do E.), à Praça 15 de Novembro, esquina da Rua 7 de Setembro.

Não se mostraram, no entanto, satisfeitos os dois monges com o local oferecido pelo governador; a ermida era construída numa praia, à beira do mar, onde os pescadores se reuniam à tarde e pela madrugada, a coser as suas redes, conversando ou cantando em voz alta, perturbando dessa forma a quietude de que careciam os padres para suas práticas espirituais. Ademais, amantes que sempre foram dos lugares tranquilos e afastados, preferiam sítio que fosse mais solitário e mais propício à sua maneira de viver.

Ora, no fim da praia onde se encontrava a ermida, havia uma elevação que se coadunava perfeitamente com as preferências dos monges. Esse monte tinha sido dado por carta de sesmaria, em 14 de setembro de 1573, a Manoel de Brito e seu filho Diogo de Brito Lacerda, e abrangia uma vasta área em seu redor, incluindo parte do atual morro da Conceição. Aproximaram-se dos proprietários os dois monges, e deles conseguiram por bem a cessão do referido terreno, do mesmo tomando posse legal a 25 de março de 1590.

No pequeno outeiro achava-se edificada uma capelinha sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição que, ipso facto, ficou pertencendo aos beneditinos, que nela passaram a residir.

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Decorreram doze anos, e nesse lapso de tempo novos padres vieram enriquecer a família beneditina no Brasil.

Em 1602, quando era abade do então pequenino Mosteiro Frei Ruperto de Jesus, os monges se reuniram e resolveram substituir o título de Nossa Senhora da Conceição dado à capela, pelo de Nossa Senhora do Monserrate, por ser essa a Santa da maior devoção de Dom Francisco de Souza, então governador da cidade e grande amigo da Ordem Beneditina. Era, assim, uma forma polida de testemunhar a Dom Francisco o reconhecimento da comunidade pelos inestimáveis favores que dele vinha recebendo. Esse o motivo porque a Igreja e o Mosteiro beneditinos do Rio de Janeiro têm o título de Nossa Senhora do Monserrate, que é festejada anualmente a 8 de setembro.

O povo, no entanto, habituou-se erradamente a denominar, tanto o recolhimento dos padres, como o templo de orações e cerimônias religiosas, de Mosteiro e Igreja de São Bento, naturalmente por serem obra e pouso da congregação do Santo Patriarca. E como Vox populi, é vox Dei… aceitemos a denominação popular.

A construção da atual igreja, segundo Ramiz Galvão, e citada também nas “Antiqualhas” de Vieira Fazenda – durou nove anos, pois tendo sido iniciada em 1633, sob o governo do padre frei André do Desterro, só terminou em 1642, quando era abade frei Bento da Esperança.

A fachada do templo não podia ser mais simples: um chalé encimado por uma cruz e ladeado por duas torres, terminando estas por cúpulas em forma de pirâmides retangulares. Na torre à direita há dois sinos de bronze: um grande e outro de menor tamanho. Três portas largas que atualmente são fechadas por portões de ferro fundido, construídos em 1880, dão passagem ao vestíbulo abobadado, ladrilhado de mármore, onde se encontra apenas a imagem de São Bento, colocada à destra de quem entra. Dão acesso à nave outras três portas de madeira grossa, lavrada, de feitio antiquíssimo, datadas de 1671.

A preparação interna do templo consumiu mais tempo; os recursos da comunidade por certo não eram muito largos, e assim o trabalho se foi processando, embora cuidadosamente, de acordo com as possibilidades dos cofres religiosos.

O interior da igreja é todo um magnífico trabalho de talha, esculpido por Frei Domingos da Conceição da Silva e pelo mestre Valentim da Fonseca e Silva, inclusive os altares, as paredes, as imagens dos santos e as estátuas representando papas, bispos e abades beneditinos. Tudo isso é obra preciosa, executada por José da Conceição e Simão da Cunha, e que só ficou concluída em 1736. A douração da talha esteve a cargo de Caetano da Costa, e data de 1743, e o arco do cruzeiro – uma verdadeira joia de arte, gosto, capricho e labor paciente, é da autoria de Frei Domingos da Silva.

Há na igreja seis altares laterais, iluminados por lâmpadas de prata de fino lavor, pendentes do teto abobadado. Entre eles se destacam os de São Braz, de São Cristóvão, de Nossa Senhora do Pilar, e, no trono da capela-mor, a imagem de Nossa Senhora do Monserrate, padroeira do Mosteiro. Ricos lampadários, castiçais preciosos, dão também grande relevo àquela casa do Senhor e completam a sua magnificência.

Todos os quadros e painéis que ornam o templo são do pincel de Frei Ricardo do Pilar, verdadeiro mestre de pintura da época, admirado que foi por seus contemporâneos. O seu nome se encontra sempre em primeiro plano quando se citam os artistas de então.

No piso do santuário foram, como era uso na ocasião, sepultados vultos eminentes, entre os quais figuram Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, irmão de José Bonifácio e Martim Francisco, e cujos restos mortais repousam hoje na cidade de Santos, juntamente com os dos irmãos, num panteão situado na Praça Braz Cubas, e que foi construído especialmente pela cidade paulista para guardar a lembrança dos seus dignos filhos; vários membros da ilustre família Carneiro Leão, inclusive o Dr. Fernando, cuja esposa foi assassinada por ordem da rainha D. Carlota Joaquina por questão de ciúmes…, e ainda outros que seria ocioso citar.

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O salão que serve à sacristia da igreja é amplo e claro, tendo como mobiliário dois compridos arcazes de jacarandá lavrado, que tomam toda a extensão das paredes laterais. Nos muros, quadros a óleo representando passagens da vida de santos, atraindo maior atenção entre eles a figura do Senhor dos Passos no fundo de um retábulo em talha dourada. Essa obra de valor inestimável, também é devida à perícia de Frei Ricardo do Pilar, e representa uma das inumeráveis preciosidades da Ordem. Na sala contígua que é a segunda sacristia, se encontra o lavabo de mármore, de caprichosa escultura.

O coro é igualmente digno de menção especial, pois é verdadeiramente soberbo. Vê-se ali a cadeira abacial e os assentos dos monges, tudo em jacarandá, de grande sobriedade; uma estante de quatro faces que representa uma esplêndida peça, quer pelo trabalho, quer pelo seu alto valor. O órgão elétrico, considerado um dos melhores do Brasil, também ali está instalado. Nos dois lados da igreja, se vê do coro, espessas florestas de tubos, pelos quais se escoa a música sagrada que tanto conforto trás ao coração dos religiosos, que são todos aqueles que aos domingos enchem o templo, na ânsia de prestar culto a Deus e aos seus santos, e pedir suas divinas graças.

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Ao pé do templo de Nossa Senhora do Monserrate, ao seu lado direito, em dependência contígua, encontra-se a portaria do velho cenóbio beneditino. É uma sala ampla, ladrilhada, tendo no seu interior uma pequena montra aonde se vêm expostos livros e objetos religiosos; ao lado um banco comprido destinado aos visitantes, e nas paredes – um grande crucifixo que parece antiquíssimo e um quadro representando a vitória do arcanjo São Miguel contra o pecado. A porta que fica em frente, grossa, movida sobre gonzos, dá para o claustro do convento. Belíssima obra do século 17, esse pátio de linhas austeras é todo construído em granito, e nos seus corredores descansam os restos de muitos luminares da comunidade, entre eles Frei Antônio do Desterro, bispo do Rio de Janeiro, Frei Antônio Joseph Bastos, bispo de Olinda, falecidos respectivamente nos séculos 17 e 19, Frei Domingos da Transfiguração Machado, restaurador do Convento, que deixou o mundo em 1908, e Frei José de Santa Escolástica Faria, célebre orador sacro, cujos sermões empolgaram a geração do seu tempo. Com profunda mágoa observamos um sepulcro então aberto, destinado a receber o corpo e Dom Lourenço Zeller, bispo de Dorileia, Arquiabade da Congregação de São Bento, falecido repentinamente em Belém do Pará, no dia 2 de setembro de 1945. Não quis Deus que esse seu servo festejasse o jubileu de ouro monástico, que transcorreria 8 dias após o seu passamento, ou seja, a 10 de setembro do mesmo ano. Dom Lourenço Zeller foi inumado no dia 3 de outubro, após ter estado o corpo em câmara ardente na Igreja, onde foram celebradas solenes exéquias.

No centro do claustro está um chafariz também de pedra de estilo antigo, porém construído há cerca de 40 anos. Em volta da bela fonte, o jardim de flores viçosas empresta nota alegre àquele vetusto recolhimento.

Nos corredores do claustro há apenas quatro imagens, sustentadas por colunas; são as de São Bento, de Santo Amaro, de São José e de Nossa Senhora com o Menino nos braços. Esta última, precioso trabalho modelado em madeira, é uma das mais antigas imagens existentes no Brasil.

O refeitório é confortável e arejado, dispondo de compridas mesas arrumadas ao longo das suas brancas paredes. Essa dependência, que foi concluída em 1742, mostra bem o gosto artístico da época.

Nos andares superiores estão localizados os alojamentos dos frades, a biblioteca com seus livros seculares em esplêndidas edições, admiravelmente conservadas.

A edificação do Convento obedeceu a uma planta de feitio retangular, de sorte que em cada andar há quatro salas nos respectivos ângulos, que se destinam ao recreio dos monges. Chama a atenção nessas salas, não somente o seu mobiliário de jacarandá caprichosamente trabalhado, mas também os seus tetos, cada um oferecendo à vista desenhos diferentes, de harmoniosa confecção e cuidadoso acabamento.

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Os monges beneditinos gozam, muito justamente, da fama de grandes educadores. A comunidade mantém um ginásio que data de quase um século, pois foi fundado em 1857, sob a administração do Abade Frei Luiz da Conceição Saraiva, e era, naquela época, destinado a instruir gratuitamente os jovens brasileiros. Naquele tempo afastado era apenas externato, e ali eram ministrados ensinamentos de todas as matérias do curso secundário, além de aulas elementares, complementares, doutrina cristã e história sagrada, pertinentes ao curso primário.

O que tem sido a útil existência do educandário de São Bento, atestam os seus alunos – grandes nomes nas ciências, nas artes e nas letras que se sentaram nos seus bancos e ali receberam as primeiras luzes da instrução dos devotados ensinadores. Entre os que ali aprenderam a ser alguém, releva citar o Barão de Ramiz Galvão, cuja inteligência é recordada com orgulho pela literatura brasileira. Ramiz Galvão foi quem escreveu, de forma brilhantíssima, compilando os documentos existentes, a história do Mosteiro de São Bento, de cuja obra nos valemos para traçar estas linhas.

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Quando em 1711 aqui chegou a frota francesa comandada por Duguay-Trouin, o Mosteiro de São Bento desempenhou missão de grande importância na defesa do Rio de Janeiro. Tinha Duguay-Trouin o objetivo declarado de vingar a morte do seu antecessor Duclerc, que aqui fora preso em 1710, depois de frustrada a sua tentativa de se apoderar da cidade. Recolhido à prisão, onde permaneceu algum tempo, foi depois transferido para uma casa situada na Rua da Quitanda, esquina da Rua General Câmara, onde uma noite, foi assassinado por um grupo de indivíduos embuçados. Nunca se conseguiu saber com certeza os nomes dos implicados no crime, apesar dos esforços desenvolvidos para tal fim.

Mas o certo é que Duguay-Trouin, não tinha apenas o propósito de vingança; o seu intuito era o mesmo de Duclerc: – conquistar a cidade. Nessa ocasião o Convento sofreu consideravelmente com o bombardeio. Tendo os franceses conseguido desembarcar na Ilha das Cobras que lhe fica em frente, o Mosteiro tornou-se alvo fácil, não obstante houvesse alguma possibilidade de se defender, pois, por iniciativa dos próprios monges, o Governo havia mandado construir no morro um pequeno fortim, que eventualmente servisse para defender a cidade. Apesar disso, várias balas inimigas causaram consideráveis estragos no recolhimento beneditino. Alguns desses projéteis encontram-se ainda no Convento, como lembrança dolorosa daqueles dias incertos, que, felizmente, já vão distantes.

Em 1732, a 23 do mês de março, uma ocorrência deplorável veio afligir os pacatos filhos de São Bento. Um violento incêndio abrasou o Mosteiro, destruindo a sua maior parte. A irrupção do fogo foi obra de um inconcebível descuido do padre frei Salvador da Trindade, que esquecera um facho aceso em uma das celas. O fogo propagou-se rapidamente, atingindo o madeiramento dos dormitórios, incendiando quase todo o prédio, poupando apenas – felizmente para a posteridade, o arquivo da Congregação.

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Nos anos da regência de 1831 até 1835, a Ordem Beneditina no Brasil, assim como todas as demais Ordens, estava em franca e desoladora decadência, não obstante os muitos serviços prestados ao país. Vários fatores haviam concorrido para essa situação lastimável. O desânimo vivia no coração da família religiosa, e se acentuava cada vez mais, à medida que corriam os dias. Foi nessa ocasião de graves apreensões para os filhos do Santo Patriarca, reunindo o 3.º Capítulo da Ordem, elegeram para Abade do Mosteiro Frei Rodrigo de São José, figura notável pela sua inteligência e convicção religiosa, vontade firme e segurança de ação. Logo empossado no cargo, o seu primeiro cuidado foi restabelecer a disciplina, dando os primeiros passos para o soerguimento da Ordem, cuja existência vacilava.

Mandados vir de Salvador dez dos noviços que haviam vestido o hábito monacal no cenóbio daquela cidade, a regularidade voltou a ser restabelecida, e com ela ressarcidas certas falhas da Congregação.

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O Governo imperial que muitos males causou às instituições religiosas baixou, em 1855, um Aviso, que foi comunicado a todas as Congregações, proibindo o noviciado no Brasil. Visava o poder imperial, embora dissimuladamente, fazer reverter à Coroa, os bens de todas as Ordens. Era, pois, um golpe seguro; desaparecendo, por morte, os frades então existentes, e não se renovando o número dos que fossem deixando de viver, o respectivo patrimônio passaria, “ipso facto”, à posse do Governo.

Em 1872, o Abade Frei José da Purificação Franco, pôs em execução uma ideia que lhe acudiu, e que triunfante, seria a salvação da Ordem. Não desobedecia ao Aviso de 1855, mas conseguiria trazer ao Convento novos elementos.

Escreveu ao Abade do Mosteiro de São Paulo, em Roma, Dom Francisco Leopoldo Zelli, expondo a situação premente em que se achavam os beneditinos no Brasil, e suplicou-lhe para que recebesse naquele recolhimento jovens brasileiros com o fim de se prepararem para a continuação da obra de São Bento. Recebendo resposta favorável, foram enviados para Roma os três primeiros noviços, cuja vocação na sua terra lhes era proibida.

O governo, porém, percebendo o ardil do Abade Frei José da Purificação Franco, baixou novo Aviso, declarando não serem reconhecidas no Brasil, as ordenações de brasileiros recebidas no estrangeiro!…

Era, pois, manifesta a má vontade imperial pelas Ordene religiosas, e o seu propósito de usurpar o seu patrimônio.

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Com a proclamação da República, em 1889, e, portanto, implantada a liberdade no Brasil, caíram por terra todas as violências da monarquia, e as Ordens passaram a viver em paz.

Agora, para terminar, ocorre-nos transcrever uma passagem do Evangelho, segundo São Lucas, no capítulo 6, versículo 48: – “A palavra de Deus é semelhante ao homem que edificou uma casa sobre a rocha; vindo a enchente, bateu com ímpeto a corrente naquela casa, e não a pode abalar, porque ela estava fundada na rocha”.

E o que são a Igreja e as suas instituições senão o veículo de propagação da palavra de Deus? Por isso tudo passa na face da terra – os rios correm céleres para o mar; a morte, no tempo determinado, ceifa todas as vidas; os ventos passam com a rapidez do pensamento – somente a Igreja Cristã, instituída, pelo filho de Deus, ficará sempre, porque é eterna. É uma casa edificada na rocha, e não haverá força humana capaz de destruí-la.

Fonte

Imagem destacada

  • O Mosteiro de São Bento, por William Gore Ouseley. Coleção Mauá I, Banco do Estado da Guanabara S.A., 1961.

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Mapa - Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro