Santa Luzia, por Augusto Maurício
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No ano de 1592, na Praia da Piaçava (hoje Santa Luzia) – então extensa faixa de areia branca, no sopé do Morro do Castelo, só havia um único edifício, e esse mesmo de aparência pobre e sem maiores atrativos, a não ser o fim piedoso a que se destinava. Era a pequena ermida de Santa Luzia, construída pelos pescadores da redondeza, e que o povo procurava cheio de fé, na ânsia de conquistar os favores espirituais da milagrosa Virgem-Mártir.
Quando aqui chegaram, vindos da Bahia, os primeiros frades franciscanos – Frei Antônio dos Mártires e Frei Antônio das Chagas, já encontraram a ermida, na qual se estabeleceram, com o prévio consentimento da respectiva confraria já existente naquela longínqua época. A passagem dos frades pelo pequeno templo teve caráter provisório, porquanto 15 anos depois mudaram-se para o Morro de Santo Antônio onde construíram o seu Convento.
Isso é, em linhas gerais, o princípio da igreja dedicada à Santa Luzia.
Com o passar dos anos, porém, a capela foi envelhecendo e já ameaçava ruína, quando a Irmandade resolveu reerguê-la, nos meados do século 18.
Não o fez, no entanto, no mesmo sítio em que se achava a velha ermida, mas em terreno próximo, também à beira-mar, o qual fora doado por João Pereira Cabral e sua mulher, para esse fim religioso. Assim, por provisão datada de 12 de janeiro de 1752, foi edificada a igreja que, àquele tempo contava apenas com uma torre bastante acanhada, e a frontaria tinha só uma porta de entrada sem a conveniente largura.
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Cerca de cem anos depois, nova remodelação sofreu a igreja da Virgem de Siracusa. Desta vez em maiores proporções. Duas altas torres substituíram a que havia, duas portas mais foram abertas para a entrada no templo.
Atualmente o santuário apresenta aspecto sumamente agradável, na feição antiga e venerável que o caracteriza. Todos os ângulos do edifício – quer nos portais, nas torres, nas janelas do coro, nas cimalhas ou no tímpano, onde se vê o escudo de Santa Luzia, são de granito, assim como de pedra é a escadaria de quatro degraus que se estende por toda a ampla frente.
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
Quando aqui esteve a família real de Bragança, o Rio de Janeiro tinha a topografia completamente diversa da que hoje apresenta. As ruas eram estreitas e sem conforto, e o seu calçamento (quando eram calçadas) de pedra bruta. Verdadeiras vielas infectas, sem luz, quase sem ar, onde a falta de higiene imperava de modo lastimável.
Para ilustrar o que dizemos, contaremos o seguinte fato, ocorrido em 1817:
– Tendo sido acometido por uma afecção ocular o pequeno príncipe D. Sebastião, neto do rei, prometera D. João VI à Virgem protetora dos olhos, levar a criança ao seu templo, caso o mal de que ela padecia sarasse com brevidade.
Restabelecendo-se o menino, o rei teve de cumprir o voto.
Mas de que forma, se a sua carruagem não podia transitar pela rua que ia ter à igreja? E à augusta pessoa do rei não pareceria bem caminhar a pé, pelos mesmos becos por onde passavam os homens vulgares…
Nessa contingência, só havia uma solução: mandar abrir uma rua com princípio no Convento da Ajuda (atual bairro da Cinelândia) em linha reta até Santa Luzia.
Foi o que se fez, apesar dos protestos dos proprietários dos terrenos que interceptavam a realização do traçado real, aos quais o erário pagou pesadas indenizações. Mas a promessa foi satisfeita.
Essa nova rua beneficiou grandemente a igreja, que assim teve acesso mais fácil, mais cômodo e mais decente, graças ao espírito profundamente religioso de Sua Majestade sereníssima…
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No fundo da igreja estão situados o Consistório e a Sala dos Milagres. Nessa última dependência há a famosa fonte de água cristalina onde os devotos de Santa Luzia buscam remédio para os males dos olhos.
Atualmente a fonte está modificada para melhor; a Irmandade realizou reforma no intuito de dotá-la de melhor aparência. Assim é que mandou colocar ali uma pia de mármore branco de Carrara, a qual pousa sobre um anjo de asas abertas. Por trás dessa pia, cuja água é tomada de uma torneira niquelada, está colocada a imagem da Santa, e no fundo, junto à parede, vê-se uma guarnição em mármore rosa, de Portugal, encimada por uma cruz também de mármore rosa. Aos lados duas compridas caixas para o recolhimento de dádivas à Virgem.
Pelas paredes dessa peça, arrumadas, vê-se um mundo de objetos os mais variados, que representam ofertas à milagrosa Santa, em retribuição a benefícios recebidos.
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
Há no interior da igreja apenas três altares. No da capela-mor está a padroeira Santa Luzia. É uma imagem de regular tamanho, altamente expressiva, e foi oferecida à Irmandade pelo Comendador F. Veloso, depois de ter estado em uma exposição em Paris. A imagem primitiva é, atualmente, venerada no Consistório.
No altar à esquerda está Nossa Senhora dos Navegantes, padroeira dos homens do mar, e que pertence à mesma Confraria de Santa Luzia; o altar do lado da Epístola é ocupado por Santo Elói, colocado no mesmo lugar onde até 1913 estava a imagem do Senhor do Bonfim.
Todos os anos, desde os primeiros tempos da fundação, Santa Luzia é festejada no seu dia, 13 de dezembro, com grande brilhantismo. Antigamente essa festa era assinalada com estouros de foguetes, queima de fogos de artifício, bandas de música e à volta do santuário fincavam-se bandeiras e galhardetes coloridos. A ocorrência de devotos era enorme, entre os quais notavam-se figuras da mais alta representação social, inclusive o Almirante Tamandaré que nunca deixava de comparecer para render homenagem à Virgem, no dia do seu próprio aniversário.
A festa de Nossa Senhora dos Navegantes é realizada sempre no primeiro domingo depois do dia 13. Essa comemoração à protetora da laboriosa classe marítima reveste-se igualmente de grande solenidade, celebrando-se nessa ocasião missa cantada.
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Como dissemos, na Igreja de Santa Luzia está sediada a Irmandade de Santo Elói, padroeiro dos Ourives, cuja imagem ocupa o altar à direita de quem entra no templo. Essa agremiação é já bastante antiga, pois, em 13 de janeiro de 1946, completou 150 anos de existência.
Foi no ano de 1795 que um grupo de joalheiros resolveu fundar uma confraria, cujo objetivo era prestar ao patrono de sua arte o culto adequado. Não lhes parecia bem venerá-lo em uma ou outra igreja em que houvesse a sua imagem, mas queriam, eles próprios, ter a sua adoração particular. E nesse propósito reuniram-se e formaram a “Irmandade do Glorioso Santo Elói”.
De 1795 até 1825 a imagem de Santo Elói era exposta em muitos dos nichos que então havia nas ruas do velho Rio de Janeiro, sendo que o último em que esteve foi na esquina das ruas 7 de Setembro e Ourives (hoje Rodrigo Silva).
Com a entrada para a Irmandade de Maximiano Ferreira Pinto em 1825, esse novo irmão, fazendo valer o largo prestígio que gozava, conseguiu levar para a Igreja de Nossa Senhora do Parto a imagem do Santo, para a qual obteve um altar. Dessa forma, o culto a Santo Elói passou a ter o merecido realce.
A vida da agremiação religiosa, graças ao esforço conjunto dos irmãos, progrediu sempre. Por várias vezes prestou auxílio financeiro a diversas instituições, inclusive à própria igreja do Parto, para ajudar as obras que nela então se realizavam.
No templo da Rua Rodrigo Silva permaneceu Santo Elói durante 88 anos, até que, em março de 1913, resolveram os irmãos transferir a sua residência para a Igreja de Santa Luzia, de acordo com o combinado entre os Provedores Henrique da Silva Lemos e Francisco Antônio dos Santos, respectivamente de Santo Elói e de Santa Luzia.
E num domingo, dia 10 de agosto de 1913, às 8 horas, saía da Igreja do Parto a imagem do Padroeiro, em aparatosa procissão, com cruz alçada, notando-se a presença de altas autoridades administrativas e eclesiásticas, representantes das Irmandades do Parto, de Santa Luzia e de São José, além de muito povo. À chegada na igreja da praia, depois de colocada a imagem no altar designado, foi celebrada missa conventual.
Santo Elói tem muitos devotos; todos os domingos, às 10 horas, é rezada missa em seu altar, na presença de numerosa assistência.
Fonte
- Ferreira, Augusto Maurício de Queiroz. Templos Históricos do Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert Ltda., 1946. 310 p.
Veja também
Mapa – Igreja de Santa Luzia