Nossa Senhora Mãe dos Homens, por Augusto Maurício
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A origem da igreja dedicada a Nossa Senhora Mãe dos Homens, foi um oratório colocado na esquina de uma rua nas cercanias do local onde está hoje levantado o santuário, procurado a todo o momento pelos homens de negócios, situado, como se encontra, num trecho exclusivamente comercial. A data precisa da ereção desse oratório público, onde se venerava Nossa Senhora Mãe dos Homens, não é possível, no entanto, descobrir-se, pois no arquivo da Irmandade ou em referências dos historiadores antigos, nada existe que elucide este ponto.
No dito canto de rua, provavelmente a da Quitanda, continuou o oratório zelado sempre carinhosamente pelos devotos da Virgem, a cujos pés, em determinados dias da semana, rezavam o terço e entoavam hinos sacros.
Aliás, como se sabe, a Igreja da Lapa dos Mercadores, teve também o seu princípio em um nicho, e a de Santa Rita surgiu da devoção da família Nascentes Pinto pela Santa de Cáscia, cuja imagem cultuavam em sua residência.
Crescendo o número de devotos, foi então, por provisão do Bispo Dom Antônio do Desterro, em 9 de janeiro de 1758, autorizada a fundação de um sodalício, e os irmãos, logo que conseguiram reunir alguns recursos, trataram de procurar local conveniente em que lhes fosse possível erigir uma capela para melhor abrigar a imagem da Mãe dos Homens, e também os seus filhos. E o sítio escolhido foi o terreno da Rua da Alfândega [1], onde se acha a atual igreja. Todavia, a obra a empreender era de tão grande monta, quanto escassas eram as posses, de sorte que a capela se foi edificando paulatinamente, de conformidade com os esforços dos irmãos e com as esmolas que esses obtinham para o almejado objetivo.
No mesmo ano de 1758, o irmão Inácio Martins Aranha, doava à capela uma casa de sua propriedade, na Ilha Seca, iniciando, assim, o patrimônio da instituição.
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Segundo vimos no arquivo da Irmandade, o primeiro compromisso teve a data de 1782. Aqui transcrevemos o mencionado documento, cuja aprovação era pedida pela Mesa Administrativa à rainha de Portugal, Dona Maria I:
– “Saibam os Irmãos da Irmandade de N. S. May dos Homens erecta na Igreja da mesma Senhora da Cidade de São Sebastiam do Rio de Janeiro, que êsse virem como no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil settecentos e oitenta e dous e aos vinte e sinco dias do mez de Julho em o Consistório da mesma, estando presentes o R. Vigário da Freguezia de N. Senhora da Candellaria, o Juiz, Officiaes e Irmãos da Mesa actual e outros mais Irmãos, que já n’ella tem servido, todos abaixo assignados, unidos, e conformes procurando por motivo principal a honrra, e gloria de Deos e da mesma Senhora com dezejos de se augmentar mais a sua devoção, e veneração de S. Imagem na ditta Igreja nos propomos a formar o nosso compromisso para o bom regime da ditta Irmandade instituindo nelle as regras seguintes:
PRIMEIRAMENTE com a mais profunda submissão rogamos à S. Magestade Fidelissima pellos seus Ministros da Mesa da Consciencia queira dignar-se confirmar e authorizar este nosso compromisso com aquelles privilegios e izençõens que costuma e são necessários para q’tenha sua inteira validade, e se cumprão assim e da maneira q’nelle se contem mediante o favor de Deos e da mesma Senhora Mãi dos Homens”. –.
Seguem-se 21 capítulos do Compromisso que deixamos de transcrever por não interessar ao leitor.
O Compromisso foi confirmado por carta régia de Dona Maria I, datada de Lisboa em 4 de março de 1784.
Por esse documento regeu-se a Irmandade até o ano de 1836, quando sofreu algumas modificações, tendo ditas alterações sido autorizadas e confirmadas pelo então Regente do império, Padre Diogo Antônio Feijó, em 10 de outubro daquele ano.
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O templo guarda as linhas do estilo barroco, como, de resto, eram quase todas as igrejas da época. Na Capela-mor, onde se encontram trabalhos de talha, e também painéis pintados pelo artista Joaquim Lopes de Barros Cabral, vê-se, ao alto, a imagem da padroeira. Nos dois altares da nave estão, à direita Santa Ana Com Nossa Senhora Menina e São Joaquim, e no da esquerda, a imagem de São José, havendo ainda outras imagens de menor vulto em todos os altares.
O chão da nave e do presbitério, que em 1856, foram assoalhados por iniciativa do Juiz da Irmandade, Joaquim José Corrêa, são agora de mosaico, o que significa ser obra eterna.
Deparamos com um documento deveras curioso: uma subscrição entre os irmãos para a construção da caixa forte da agremiação, datado de 1863. Por ele se verifica que o dito cofre custou a então elevada soma de Rs. 390$000.
No terreno do fundo da igreja, que ia até a Rua do Sabão (depois General Câmara, e agora Av. Presidente Vargas), estava situado o cemitério, extinto em 1850.
O arcaz que se encontra na sacristia é de data distante, pois foi construído em cerca de 1691, pelo grande escultor beneditino Frei Domingos da Conceição da Silva. É o que resta dos grandes arcazes de 14 metros cada um, confeccionados por aquele monge, e que serviram no Mosteiro de São Bento, até o ano de 1795, quando foram substituídos pelos atuais desenhados pelo Mestre Valentim da Fonseca e Silva. É de jacarandá, e o seu trabalho tremido bem revela a paciência e o gosto do artista que durante 48 anos, deu sobejas provas do seu talento na ornamentação do Mosteiro, com preciosas obras de talha.
A sacristia é separada do corpo da igreja por grossos portões de ferro. Uma escada ao lado direito da Capela-mor dá acesso às várias dependências, inclusive ao Consistório, onde se reúne a Mesa Administrativa, e em cujo altar está colocada uma imagem da Virgem Mãe dos Homens.
O aspecto exterior do templo é igualmente singelo. Uma porta larga sobre a qual se lê a legenda “Stella Matutina”, e duas laterais menores. Acima uma janela que dá para o coro e duas outras – uma à esquerda e outra na coluna da torre, todas com grades de ferro até a metade de sua abertura, a guisa de sacadas.
O tímpano, em forma triangular tem no frontão o emblema da Virgem sob uma coroa real. Sobre o tímpano uma cruz indicativa de casa religiosa.
À direita há uma torre com ângulos de cantaria e pináculo revestido de azulejo português, encimada por um galo de bronze. Há ali os sinos que anunciam as cerimônias sacras.
Tudo indica ter sido propósito dos fundadores da Irmandade levantar a segunda torre, pois que até a sua base acha-se concluída; entretanto tal não foi efetivado e, provavelmente, jamais o será.
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Nada diz respeito ao templo da Mãe dos Homens a ocorrência que damos a seguir e foi encontrada no livro de Vieira Fazenda, mas relatamo-la porque em suas malhas se envolveram duas das mais fervorosas devotas da Virgem do santuário da Rua da Alfândega.
Era hábito naquele tempo – fins do século 18, a Irmandade sair incorporada duas vezes por semana, e percorrer as ruas próximas a rezar o terço, detendo-se em frente a determinadas casas, assinaladas por uma cruz posta à janela. E o povo crente da época acompanhava contrito os passos da Irmandade, chegando, muitas vezes, a formar extensa procissão.
Entre as pessoas mais devotadas à Mãe dos Homens, encontravam-se a viúva Inácia Gertrudes de Almeida e uma filha adolescente, que residiam nas imediações do templo, e que, invariavelmente, tomavam parte no cortejo às terças e sextas– feiras.
Um dia, porém, mãe e filha deixaram de comparecer à pública demonstração de fé. Esse fato foi notado e logo esclarecido: a jovem trazia uma úlcera num pé que quase a impossibilitava de locomover-se. As maiores sumidades da medicina foram reclamadas, e a menina nem sequer melhoras apresentava.
Nesse tempo longínquo, 1789, por aqui andava Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, vindo de Minas Gerais, em missão revolucionária, e achava-se residindo em uma casa situada na Rua São Pedro.
Sabedora da presença do Alferes do Regimento de Dragões no Rio de Janeiro, uma mulata, sua conhecida, apresentou-o à Inácia Gertrudes para o fim de examinar a menina, pois ele, além de formado em odontologia, também sabia tratar de outros males do corpo.
Iniciado o tratamento, cerca de três meses após a menina estava completamente curada da dolorosa chaga que tanto a mortificava, e apta, portanto, a novamente acompanhar o terço da Irmandade da Mãe dos Homens.
Por tudo isso, que representava um favor de preço inestimável, o coração da viúva ficou inteiramente hipotecado ao Tiradentes.
Denunciada que foi a conjura de Minas Gerais, e tendo ciência o Vice-Rei, Dom Luís de Vasconcelos e Sousa, de que o Alferes se encontrava no Rio de Janeiro, fácil lhe foi localizá-lo, e, embora secretamente, a polícia foi posta em ação para a captura do patriota.
Não passaram despercebidos ao Tiradentes os movimentos da espionagem. A prudência aconselhava-o, pois, a ocultar-se, até que, alguns dias mais tarde, pudesse empreender viagem para a localidade de Marapicú, onde tinha fazenda Inácio de Andrade Souto Maior Rendon, e a quem fora apresentado por um seu amigo.
Procurada Inácia Gertrudes, essa não pôde abrigar o Tiradentes em sua casa, em virtude de residir com uma filha solteira (moralidade dos tempos idos); contudo não deixou de atender à necessidade do seu grande amigo. Era uma oportunidade que se lhe apresentava para demonstrar-lhe a sua gratidão.
Mandou, pois, a viúva um seu sobrinho, Padre Inácio Nogueira, procurar o negociante Domingos Fernandes Cruz, à Rua dos Latoeiros (hoje Gonçalves Dias), com quem mantinha estreitas relações de amizade, e pedir-lhe que em sua casa escondesse o Alferes durante dois ou três dias.
Satisfeito o pedido da viúva, foi o Tiradentes na noite de 7 de maio de 1789, para a residência do tanoeiro Domingos Fernandes Cruz. Não tardou muito, porém, o asilo, pois na noite de 10 do mesmo mês uma escolta comandada pelo Alferes Francisco Pereira Vidigal, invadia a casa da Rua dos Latoeiros, e levava preso Joaquim José da Silva Xavier, apontado que foi ao Vice-Rei pelo Padre Inácio Nogueira, o mesmo que conseguira homiziá-lo na casa de Domingos Fernandes Cruz!
A seguir foram também encarcerados o negociante, a viúva Inácia Gertrudes e a filha, acusados de cumplicidade na conjura.
Somente após amargarem longos meses na Cadeia da Relação é que ficou, afinal, apurada a inocência dos prisioneiros nos acontecimentos de Minas Gerais, sendo então postos em liberdade.
Diz Vieira Fazenda que Inácia Gertrudes “na escuridão da masmorra, entre lágrimas, sustos e soluços, pegava-se à Mãe dos Homens, de quem era ardente devota”. E depois de solta, atribuía sempre à proteção da Virgem o fato de ter sido reconhecida a sua nenhuma interferência na conspiração mineira.
Joaquim Norberto, em seu livro “História da Conjuração Mineira”, edição de 1860, também se ocupa da história que acima relatamos, na parte que se refere ao Tiradentes.
Nota
- ↑ Em época longínqua, a atual Rua da Alfândega, teve os nomes de Caminho de Capueruçú, Diogo de Brito, do Governador, Quitanda do Marisco, Travessa da Alfândega, Mãe dos Homens – até a atual Rua Uruguaiana, dos Ferradores – até a Rua da Constituição, de São Gonçalo Garcia – até o Campo de Santana, e ainda o de Rua do Oratório de Pedra.
Fonte
- Ferreira, Augusto Maurício de Queiroz. Templos Históricos do Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert Ltda., 1946. 310 p.
Veja também
Imagem destacada
- Altar da Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens
Mapa - Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens