Nossa Senhora do Carmo, por Augusto Maurício
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A fundação da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, no Rio de Janeiro, data de 1648, tendo a ideia de sua ereção partido de um grupo de irmãos daquela Ordem professos em Portugal. Reconhecendo eles a sua utilidade, deliberaram criar aqui um sodalício idêntico. Esse fato ocorreu no dia 19 de julho de 1648, quando estavam aqueles irmãos reunidos em uma das salas do Convento dos Carmelitas, então situado no mesmo prédio em que hoje está instalada a Academia de Comércio, na Praça 15 de Novembro, esquina da Rua 7 de Setembro. [1]
E assim, naquela mesma ocasião, elegeram os membros da primeira Mesa que devia governar os destinos da Irmandade recém-fundada. Dessa primeira Mesa faziam parte, como prior, o Dr. Baltazar de Castilho Andrade; sub-prior, o vigário da Candelária João Manoel de Melo; secretário André da Rosa; Comissário, Frei Inácio da Purificação, e zelador, Francisco Nunes.
Trabalhadores, dedicados, a vida da Ordem prosperou, e dentro de pouco tempo o número de irmãos atingia cifra considerável.
Com o consentimento dos frades Carmelitas, os Terceiros realizavam o seu culto na igreja do Convento. Essa igreja era então na outra esquina da Rua 7 de Setembro, onde se vê, atualmente, o edifício da Catedral Metropolitana. [2]
Em 1661, o então prior João Dias da Costa, em sessão da Mesa, propôs construir uma capela própria para a congregação, dentro do terreno do mesmo recolhimento, o que foi levado a efeito, ficando o trabalho completo em 30 de novembro de 1669, quando então passaram a celebrar ali os ofícios religiosos. Essa casa de orações recebeu a denominação de Capela da Paixão de Cristo.
Não correspondeu, todavia, às necessidades do culto. Era por demais pequena, e a celebração da Via-Sacra não podia ser ali realizada por falta do espaço necessário. Nessa contingência, conseguiram dos religiosos permissão para a construção de oito capelas – 4 de cada lado do claustro, para realizarem aquela cerimônia.
E a harmonia e a tranquilidade entre os irmãos da Ordem e os frades se estenderam por longo tempo, sem que nenhum acontecimento as viesse perturbar.
Contudo, em 1749, elevando-se ainda mais o número de irmãos e, consequentemente também o patrimônio da Ordem, pensou o prior Gonçalo Gonçalves Chaves na construção de um templo maior, que fosse digno de uma instituição do vulto da do Carmo. Passaram-se, porém, três anos, e a obra não teve começo. Mas em 1752 os irmãos reuniram-se sob a presidência do prior Pedro da Rocha, e deliberaram iniciar a edificação de sua igreja, obtendo para tanto a provisão do Bispo D. Frei Antônio do Desterro, em 31 de janeiro daquele ano.
Em setembro, partindo para Portugal o irmão Pedro Corrêa Lima, foi ele encarregado de mandar de lá o mármore para o templo.
Dois anos depois, no entanto, eleita nova Mesa Administrativa, acharam os seus membros que não era necessária a edificação da igreja; que o culto religioso poderia, como até então, continuar a ser exercido na igreja dos frades. Estabeleceu-se discussão, mas em assembleia geral de 5 de maio de 1754 ficou, afinal, resolvido definitivamente a ereção do templo.
No terreno onde está a igreja havia prédios adquiridos pela Ordem, que os fez demolir, e ainda adquiriu outros que tiveram o mesmo destino. Devidamente preparado o terreno, no dia 16 de julho de 1755, houve a cerimônia do lançamento da pedra fundamental, que para ali foi conduzida em andor, benzida pelo provincial dos carmelitas Frei Francisco de Santa Maria Quintanilha, com a assistência de grande multidão, dentre a qual destacavam-se o governador das armas José Freire de Andrade, desembargador João Soares Tavares, o governador da Justiça João Álvares Simões e muitos outros vultos de elevada categoria.
Os trabalhos começaram, progredindo dia a dia. Esse progresso, porém, passou a não ser bem visto pelos carmelitas, temerosos, talvez, de que a concorrência pudesse prejudicá-los. Alegando que a altura do edifício escurecia o coro de sua igreja, embargou a construção, abrindo-se entre eles e os irmãos da Ordem movimentada contenda que se estendeu por cinco anos, e só terminou com a intervenção do Conde de Bobadela, governador da cidade, que lembrou à Ordem oferecer aos frades determinada quantia sob a condição de desistirem do embargo. E desse modo, por 3.000 cruzados, a harmonia foi novamente restabelecida, e retomou o ritmo interrompido a construção da igreja.
Tempos depois, já em 1763, estando quase terminada a parte principal do templo, os carmelitas solicitaram licença para realizarem ali os seus ofícios divinos, por motivo de sua igreja estar ameaçando ruína.
Esse pedido não logrou o acolhimento que esperavam, pois os Terceiros ainda guardavam na lembrança a demanda por eles provocada. No entanto, para dar uma resposta que não fosse de todo desagradável, ofereceu aos frades a importância de 8.000 cruzados para a reedificação do seu templo.
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Revestiu-se do mais acentuado brilhantismo a festa de inauguração da igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Durante vários dias se comemorou o alto acontecimento com a maior fé e o mais vivo entusiasmo.
No dia 11 de julho de 1770, o Provincial dos Carmelitas, Frei Inocêncio do Desterro Barros, benzeu a nova igreja, tendo, no dia imediato celebrado a primeira missa, coma casa ainda vazia, apenas com os objetos indispensáveis ao ato.
A 22 do mesmo mês procedeu-se à trasladação das imagens, em solene procissão, à qual acompanharam frades Carmelitas, Franciscanos, Beneditinos, altas autoridades da nobreza, da igreja e da administração pública. O cortejo saiu do Convento dos Carmelitas, e, depois de percorrer largo percurso da cidade, deu entrada na igreja entre as mais vivas demonstrações de alegria popular. As ruas estavam cobertas de flores e folhas aromáticas, e as janelas e sacadas das ruas por onde passava o préstito, apresentavam-se ornamentadas com colchas e tapetes de cores, em manifestação de júbilo. À chegada da procissão ao templo salvaram todos os navios surtos na Guanabara, inclusive duas fragatas inglesas que aqui se encontravam na ocasião.
Carregadas em quatro andores, viam-se as imagens de Nossa Senhora do Amor Divino, de Santa Teresa, de Santo Elias e de Nossa Senhora do Monte do Carmo. O SS. Sacramento, sob o pálio, circundado por dezesseis anjos, era levado pelo Provincial dos carmelitas.
Seguiram-se três dias consecutivos de festas, que tiveram a assistência do Vice-Rei, toda a nobreza e povo da cidade. No primeiro dia fez-se ouvir do púlpito Frei Antônio Gonçalves da Cruz, no segundo, Frei Franciscano Timóteo de Santa Teresa, e no terceiro dia, Frei João dos Santos Coronel. Graças espirituais foram concedidas pelo Bispo; assim tiveram quarenta dias de indulgências todos os que acompanharam a procissão e os que visitaram a igreja durante os três dias de festividades.
Segundo as crônicas do tempo, foi uma das maiores festas então realizadas no Rio de Janeiro. Muitas fogueiras foram acesas, queimados belos fogos de artifício, havendo profusa iluminação nas ruas.
A obra da igreja montara até então em Rs. 91:088$995, soma assas elevada naquela época.
Assim, em setembro de 1770, com os recursos abalados, resolveu a Mesa suspender as obras, até que fossem refeitas as finanças.
Aliás, o templo propriamente, estava já concluído; apenas faltava completar a ereção das duas torres, que já haviam atingido ao entablamento. Quanto aos sinos, servia-se a Ordem dos da igreja do Convento.
Vindo, porém, para o Brasil a casa real portuguesa, em 1808, e tendo sido transformado em residência real o recolhimento, e em capela real a igreja dos frades, mandou a Ordem construir sobre uma das torres, em caráter provisório, um campanário de madeira, e nele foram colocados os sinos do convento, que para tal foram comprados.
Recomeçando, tempos depois o trabalho das torres, uma foi concluída em 1849, e em 1850 ficou pronta a segunda. Essas torres são imponentes, revestidas de azulejo azul.
Estava completa a igreja. A frente dá para a Praça 15 de Novembro, os fundos para a Rua do Carmo; entre o templo do Carmo e a Catedral Metropolitana há um corredor particular, fechado por dois portões de ferro, e o outro lado da igreja olha para o Beco dos Barbeiros, que estabelece comunicação entre as ruas 1.º de Março e Carmo.
O frontispício é inteiramente de pedra, de estilo Barroco; ao alto vê-se uma cruz de metal, a abaixo um emblema de esplêndida confecção, simbolizando Nossa Senhora do Monte do Carmo. Igual trabalho, de menor tamanho, se nota sobre a porta que se abre para o Beco dos Barbeiros.
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Do mesmo estilo da fachada, é a igreja por dentro, apresentando magníficos trabalhos de talha, todos de autoria do mestre Luiz da Fonseca Rosa, que se esmerou na sua execução. Nota-se também nas pilastras que separam os altares, trabalhos de Antônio de Pádua e Castro, que harmonizou a sua obra com o feitio da antiga.
Há sete altares, tendo em cada um uma imagem do Cristo, simbolizando os passos de sua Paixão. Assim, contempla-se: Jesus no Horto; Jesus na prisão; Jesus amarrado à coluna; Jesus no sudário; o Senhor da cana-verde; o Senhor dos Passos, e, lá, no alto da capela-mor, o Senhor crucificado. Conta, dessa forma, em linhas gerais, toda a história da humilhação e do martírio do Filho de Deus. Todas essas imagens foram esculpidas pelo artista Pedro Luiz da Cunha.
No arco cruzeiro está o emblema da Ordem: um monte azul com três estrelas de ouro, encimado por uma coroa real, tendo abaixo uma fita em que se lê a legenda: – Decor Carmeli.
No trono do altar principal está a imagem de Nossa Senhora do Monte do Carmo, tendo aos lados Santa Teresa de Jesus e Santa Emerenciana, mãe de Santa Ana e, portanto avó da Virgem Maria. O frontal desse altar é de prata maciça e data de 1738, assim como de prata são a banqueta e os demais objetos do culto, construídos em 1820 por Antônio Gomes da Silva. Por baixo do altar está a imagem do Senhor Morto.
Oito lâmpadas de prata ornam a nave, sendo que duas estão na capela-mor e seis em frente aos altares laterais.
O teto e as paredes ostentam primorosos painéis pintados a óleo. O interior do templo é todo gessado, inclusive o entalhamento, com poucos frisos dourados, e oferece aspecto alegre e acolhedor.
O corredor que fica do lado esquerdo vai até a sacristia, onde há uma bela imagem do Arcanjo São Miguel, que foi modelada em Roma. Há ali um grande e artístico lavatório de mármore, caprichosamente esculpido, que atrai logo a atenção pela delicadeza e pelas linhas magníficas que apresenta.
No andar superior está instalado o museu da Ordem. Guardados ali acham-se vários jarrões de alto preço, além de muitos ornamentos e objetos religiosos. Também se vê muitas imagens do Cristo, uma de Nossa Senhora das Dores, e a primitiva imagem da Virgem do Monte do Carmo. Porque a teriam retirado do altar-mor? Essa imagem que conta tantos anos deveria estar exposta em lugar apropriado para ser devidamente venerada, pois a sua história está intimamente ligada à igreja e representa, por outro lado, uma obra digna de ser apreciada, por tão perfeita e expressiva. Não nos compete entrar nesse assunto que pertence à alta Administração da Casa.
Belos quadros pintados sobre madeira evocando a Entrada do Cristo em Jerusalém, Madalena ungindo os pés do Cristo, Jesus expulsando os vendilhões do Templo, e muitos outros, todos de grandes dimensões, encontram-se também entre as relíquias ocultas dos olhos do povo naquele museu de arte e religião.
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Entre os vultos eminentes que tiveram sepultura na Igreja do Carmo, podemos citar os regentes do império João Bráulio Muniz, falecido em setembro de 1835 e José Bonifácio de Andrada e Silva, morto em 8 de abril de 1838. Hoje este último, juntamente com os irmãos Martim Francisco e Antônio Carlos, repousam na cidade de Santos, em panteon que a Municipalidade mandou erigir na Praça Braz Cubas, especialmente para os três ilustríssimos paulistas.
Possui a Ordem um cemitério para os seus irmãos, situado à Praia de São Cristóvão, além de um Hospital, à Rua do Riachuelo.
Sobre o portão que fecha o corredor da Rua do Carmo, vê-se um oratório com a imagem de Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança. À sua frente uma lâmpada a alumia dia e noite.
É esse oratório o único que existe na cidade; é uma reminiscência piedosa dos velhos tempos do Rio de Janeiro, e o povo que ama as tradições históricas olha-o sempre com carinho, devoção, e respeito.
Notas
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↑A Universidade Candido Mendes tem como mantenedora a Sociedade Brasileira de Instrução, a mais antiga instituição particular de ensino superior do país, fundada em 1902 pelo Conde Candido Mendes de Almeida, juntamente com a Academia de Comércio do Rio de Janeiro. Em 1919, foi criada a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro, a primeira escola superior de Economia do Brasil.
A Academia transforma-se, nos anos 50, na Escola Técnica de Comércio Candido Mendes, dedicada exclusivamente ao ensino médio. Na mesma década, Candido Mendes de Almeida Junior cria a Faculdade de Direito Candido Mendes, sediada no Convento do Carmo, na Praça XV de Novembro, instaurando um padrão de excelência na área das ciências jurídicas e sendo precursora no ensino da prática forense. (Universidade Candido Mendes). - ↑Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé.
Fonte
- Ferreira, Augusto Maurício de Queiroz. Templos Históricos do Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert Ltda., 1946. 310 p.
Veja também
Mapa - Convento e Igrejas do Carmo