A Igrejinha de Copacabana, por Vieira Fazenda

Como esquecer o famoso logro, em que caíram clero, nobreza (inclusive os próprios imperantes) e povo desta cidade, quando em Agosto de 1858 circulou o boato de haverem dado à costa, na praia da Copacabana, duas imensas baleias?
Em 22, 23 e 24, durante dia e noite, sucediam-se compactas caravanas de curiosos, uns a pé e outros a cavalo, estes em carros e seges, aqueles em carroças.
As cocheiras tiveram o seu S. Miguel, não escapando até os magros burros carregadores de carvão!
Armaram-se na praia barracas de comes e bebes; acenderam-se fogueiras, ao clarão das quais dançavam os capadócios do tempo ao som dos realejos tocados por carcamanos, que moíam o Trovador, a Somnambula e os Lombardos.
O Chirol, professor de piano, compôs, para comemorar o acontecimento, um lundu especial: mas, e isto é curioso, ninguém viu os Cetáceos!
Destas romarias, porém, advieram bons resultados: muita gente ficou conhecendo o panorama encantador da antiga Socópenupan.
Desse tempo datam os progressos do arrabalde; os moradores das redondezas, tomados de santo entusiasmo, como veremos, resolveram salvar de iminente ruína a antiga capela, cuja história passada vamos tentar descrever.
Foi na igreja da Misericórdia que teve princípio a devoção de Nossa Senhora da Copacabana. Quando, segundo frei Agostinho de Santa Maria, o padre Miguel da Costa em 1638, com licença do provedor e Mesa, colocou a imagem de Nossa Senhora do Bonsucesso na Santa Casa, fê-lo, por estarem ocupados os outros altares, no que pertencia à Nossa Senhora da Copacabana, – donde se colhe, refere o autor do Sanctuario Marianno: “que logo nos principios daquella Caza, se colocou na sua igreja a imagem da Senhora: e porque não nos referiram nada dela, digo o que se me representa, e é que como a Senhora é tida em todo o Império Peruano por um grande prodígio pelos contínuos milagres, que continuamente obra naquela sua sagrada Imagem Peruana, poderia ser a trouxesse de lá algum Português, como a trazem muitos em uns relicários de prata.”
Por este tempo Nicolau Baldim (22 de Outubro de 1614), obtinha de sesmaria 1.500 braças em Suruí e ali, em terras pertencentes depois ao cônego Antônio Duarte Raposo, foi fundada uma capela sob a invocação da Copacabana.
O Dr. Cortines Laxe em sua obra Regimento das Câmaras Municipais, baseado no testemunho do Dr. Francisco Gomes da Motta e do vigário do Rio Bonito Virtulino Bezerra Cavalcanti, parece querer negar a existência de tal ermida. Quando não bastassem as verbas testamentárias citadas por monsenhor Pizarro, nas quais se faz expressa menção de Nossa Senhora da Copacabana de Suruí, era suficiente para nos convencer da veracidade desse fato o que podemos ler no documento n. 351 do arquivo do Instituto Histórico. Por escritura de 24 de Setembro de 1669, lavrada pelo tabelião Antônio de Andrade o moço, o padre Francisco Gomes da Rocha fez doação à Igreja e Irmandade de Nossa Senhora da Copacabana, sita em sua freguesia em Suruí, de uma sorte de terras que comprara a Luiz Lopes Robalo, principiando a medir do porto, que foi de Gaspar Marins, e testada pelo rio acima até entestar com o marco de Estevão Gago e irá correndo o rumo para a Carioca, e mais três braças ao redor da dita igreja, fora do adro.
Vem isto a pelo para provar que enquanto a antiga praia de Sacópenupan conservava o nome, era conhecida no Brasil a palavra Copacabana, e esta, em hipótese alguma, salvo melhor juízo, pode ser considerada corruptela do primeiro. De mais, tal invocação, oriunda do Peru, era também conhecida em Portugal, como refere frei Agostinho de Santa Maria, nos tomos 1º e 5º de sua já citada obra Sanctuario Marianno.
É, hoje, quase impossível saber, porque e em que ano saía da Misericórdia a imagem de Nossa Senhora da Copacabana, para a praia das Pescarias. Nada, a respeito, pudemos encontrar nos antigos livros do arquivo da Santa Casa.
Já em 1732 a ermida caía em ruínas, como se depreende da pastoral do bispo D. frei Antônio de Guadalupe (2 de Setembro), em a qual o prelado, sob pena de interdição, ordenava, dentro do prazo de quatro meses, concertos no telhado, paredes e alpendres.
Em 1746 João Gomes Pinna doou 100 braças de chãos de largo e 200 de comprido em Sacopenupan à Nossa Senhora da Copacabana, segundo a escritura, lavrada no livro 48, página 192, do cartório pertencente a Faustino Soares de Araújo (documento do arquivo do Instituto Histórico).
O grande benfeitor, porém, deste santuário foi o bispo D. frei Antônio do Desterro, que o levantou em novo sítio da praia, construindo ao mesmo tempo a casa dos romeiros.
D. Antônio conhecia naturalmente a ermida desde que esteve no Rio de Janeiro, de passagem, quando foi tomar posse do bispado de Angola. Removido anos depois (1746) para a diocese do Rio de Janeiro, era ansiosamente esperado, quando fora da barra se desencadeou terrível tempestade. O governador lançando mão de um iate, surto neste porto, mandou o brigadeiro Pinto Alpoim em demanda do prelado.
O tufão impeliu o navio, que conduzia o bispo, até às ilhas de Marica.
Segundo a versão de um manuscrito (arquivo do Instituto Histórico), no momento do perigo D. frei Antônio do Desterro implorou o amparo de Nossa Senhora da Copacabana, cuja ermida vira das alturas da ilha da Cotunduba e prometeu, caso escapasse do naufrágio, tomar a si a restauração da capela. E cumprira a palavra.
Feitas as obras necessárias, D. Antônio cometeu a administração da igrejinha aos monges de S. Bento, seus confrades; mas o abade frei Manuel do Espírito Santo recusou a incumbência (Balthasar Lisboa, tomo 6º – Annaes do Rio de Janeiro).
Voltou-se o bispo para os Carmelitas, e pela escritura de 13 de Julho de 1771 doou a estes religiosos a capela e mais dependências, com a condição de cuidarem eles do culto e conservação.
Depois os Carmelitas desistiram da posse e administração, pelos inconvenientes, diz Pizarro, que sentiu aquela Religião, pela residência, no sítio, de alguns de seus indivíduos!
Por escritura de 24 de Maio de 1773 passou o prelado ao Seminário da Lapa o encargo recusado pelos Carmelitas.
Todas estas circunstâncias estão minuciosamente referidas em documento há anos publicado (Jornal do Comércio, 13 de Setembro de 1896). Aí, D. frei Antônio do Desterro sustenta que a capela e todos seus pertences haviam sido reedificados à sua custa.
Desde então foram pela Câmara considerados pertencentes à Mitra os terrenos da igrejinha e suas circunvizinhanças.
Quando em 1845 Bernardino José Ribeiro vendeu a Carlos Leblon terras, que depois passaram a Francisco José Fialho, declarou na escritura que não vendia a capela por pertencer à Mitra; nada disse, refere Inocêncio Maciel, sobre a casa dos romeiros; no entanto, que também ela pertence à Mitra e não à Fazenda, como melhor se encontrará na secretaria do Bispado.
Extinto o Seminário da Lapa, o diocesano nomeou administradores particulares, e entre eles figura D. Aldonsa da Silva Roza.
Em documento, firmado pelo secretário do Bispado, cônego José Antônio da Silva Chaves, além do que vai acima referido, afirmou este eclesiástico: que desde 1821 ouvira dizer pertencia a Capela de Nossa Senhora da Copacabana à Mitra deste Bispado, desde época muito remota.
“No tempo do bispo D. José Caetano de Sousa Coutinho (Jornal do Comércio supracitado), acrescenta o cônego Chaves, foram a capela e casa dos romeiros reedificadas pelo padre mestre frei José Joaquim de Castro Laboreira, sob direção do mestre de obras Ignácio Ferreira Pinto, concorrendo para tal fim com muitas esmolas os devotos, inclusive o bispo, que deu um conto de réis.”
Em 1827 D. José hospedou-se na casa dos romeiros e encarregou a administração da igrejinha a João da Costa Passos, e deste passou a outros, no tempo do bispo D. Manuel do Monte Rodrigues de Araújo (conde de Irajá). Este João da Costa Passos era possuidor da fazenda da Copacabana por havê-la herdado de seu pai, Antônio da Costa Passos, o qual, por sua vez a herdara de um tio, Manoel dos Santos Passos, sucessor de D. Aldonsa Roza.
Longe da cidade, não havendo meios fáceis de comunicação, jazia a ermida como que abandonada e só conhecida dos poucos devotos, que em modesta romaria a procuravam no dia da festa anual.
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Colocada em frente do Oceano Atlântico e desabrigada para resistir ao embate dos ventos e das chuvas, ia mais uma vez em decadência a antiga igrejinha quando aconteceu o caso das baleias.
Já em Setembro de 1858 eram trasladadas as imagens para casa de D. Teresa Martins de Araújo Monteiro, que se ofereceu para mandá-las encarnar de novo e cuidar das vestimentas. O bispo concedeu licença para a instituição de uma Irmandade, regularmente organizada, coisa que foi levada a efeito em 24 de Setembro desse mesmo ano, diz a crônica fluminense da folhinha Laemmert. Depois de celebrada uma missa por alma do imperador Pedro I e finda esta cerimônia, abençoou o oficiante as obras, que iam começar, e foram colocadas as primeiras pedras do alicerce da sacristia.
Um mês depois, na casa n. 16 da rua da Copacabana foi apresentado e aprovado o projeto do Compromisso pela comissão, composta do brigadeiro José Mariano de Mattos, Dr. Manuel Antônio de Magalhães Calvet e José Carlos de Almeida Torres. Nesta reunião ficaram considerados fundadores da Irmandade Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, o conde de Iguaçu, Pedro Ignácio de Miranda, Bernardo Casimiro de Freitas, Bernardino José de Abreu, Ernesto Harper, Francisco da Cruz Maia, Antônio José do Amaral, José Francisco da Costa, João Ferreira Pinto Filgueiras, Luiz Cipriano Pinheiro de Andrade, Cesário dos Passos Miranda, Antônio Alves dos Santos, Caetano José de Oliveira Roxo, Dr. José Custodio Nunes, Antônio Soares de Miranda, Lucio Pavolide Meneses, padre Ezequiel Pereira e Joaquim Luiz Soares de Miranda.
De 1885 a 1887 importantes melhoramentos foram feitos na igrejinha, sendo provedor Antônio Teixeira Rodrigues, mais tarde conde de Santa Marinha, hoje falecido.
Em 31 de Julho de 1887 estavam terminadas as obras, tendo sido encarregado da benção o cônego Manuel Marques de Gouvêa.
Dado o impulso, a Irmandade de N. S. da Copacabana, dirigida pelos mais importantes moradores da freguesia da Lagoa, tem ido caminho do progresso.
Ponto terminal dos cabos submarinos, a antiga Sacópenupan pela bondade de seus ares e vantagens de seus banhos será em breve a nossa Cascais.
À “Botanical Garden” muito deve esse arrabalde, hoje muito frequentado e onde se ostentam belas e graciosas vivendas.
No meio de tanto progredir não pôde ser esquecido o nome do velho coronel Antônio José da Silva, grande devoto da Virgem, cuja capela, segundo os desejos de ilustre senhora de nosso conhecimento, deverá subir de categoria.
– Não morro, diz ela, sem ver a igrejinha passar a freguesia de N. S. da Copacabana.
12 de Agosto de 1902.
Fonte
- Fazenda, José Vieira. Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (t. 86, v. 140, 1919; t. 88, v. 142, 1920;t. 89, v. 143, 1921; t. 93, v. 147, 1923; t. 95, v. 149, 1924).
Veja também
Mapa - Forte de Copacabana