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Seminário de São José, por Moreira de Azevedo

PLANTA da cidade do Rio de Janeiro. Paris [França]: Imp. Lenecier, [ca.1853]. Acervo digital da Biblioteca Nacional.
PLANTA da cidade do Rio de Janeiro. Paris [França]: Imp. Lenecier, [ca.1853]. Acervo digital da Biblioteca Nacional.

Fundou este seminário o bispo Dom frei Antônio de Guadalupe, que desse modo prestou relevante serviço à sua diocese. De feito tinha então o clero pouca ciência, e não primava em moralidade; se já não era tão desmoralizado e arrogante, como nos tempos dos prelados administradores, era ignorante por não ter onde pudesse receber instrução apropriada.

Ficando devolutos à Coroa em l734 os bens da ermida do Desterro, requisitou-os o bispo, em 12 de abril desse ano, para patrimônio do seminário, que, conforme o Concílio Tridentino, devia haver nas dioceses para servir de escola de religião e disciplina eclesiástica. Atendeu o governo ao pedido do prelado nas provisões de 27 de outubro de 1735 e 6 de agosto de 1738, com a condição, porém, de mandar o bispo que se rezasse no seminário uma missa a Virgem Santa em todos os sábados.

Eis a provisão da criação do seminário:

“Dom frei Antônio de Guadalupe, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica, bispo do Rio de Janeiro e do conselho de S. M. Fidelíssima que D.G. etc.

Logo que principiamos a servir este bispado, trouxemos sempre no coração um ardente desejo, de que nesta cidade houvesse um seminário, assim para satisfazer ao que ordenou o concílio tridentino na sess. 23 capítulo V.8 de reformat; como por ver que nesta diocese teria a mesma utilidade que o dito concílio considerou para todas, e experimentam aquelas, onde se tem instituído; pois sendo tão importante que haja párocos e pastores idôneos para a direção das almas, é necessário que aqueles moços que se destinam ao estado sacerdotal, sejam de longe criados e instruídos nas letras e virtudes, como que dignamente possam subir a tão alto ministério e fazerem-se capazes para bem servirem as igrejas, o que se consegue nos seminários, ocorrendo-se ao contágio dos vícios com que o mundo costuma perverter a primeira idade; do que resulta, que quando os moços querem pretender ordens, se acham sem as qualidades necessárias para esse fim, o que (não sem grande sentimento) experimentamos nesta diocese, na qual achamos tantos sacerdotes inúteis, ignorantes e mais destros e exercitados nos tratos seculares que nos empregos da igreja. Agitados, pois, deste desejo fiemos quanto em nós está para conseguirmos a fábrica e instituição de um seminário, alcançando para isso licença de S. Majestade e aplicação dos bens pertencentes à capela de Nossa Senhora do Desterro, sita nos subúrbios desta corte.

Portanto com o favor de Deus Nosso Senhor e conselho dos RR. Dr. Lourenço de Valadares Vieira, tesoureiro-mor da nossa Sé, e José de Souza Ribeiro de Araújo arcediago, os quais deputamos para o governo do seminário, criamos, erigimos e instituímos nesta cidade, na chácara que fica nas costas da capela de Nossa Senhora da Ajuda, a qual compramos por dois mil cruzados ao alferes Manoel Pereira, e casa, que para esse efeito mandamos fabricar, um seminário eclesiástico na forma do sobredito concílio tridentino, e escolhemos para seu tutor e padroeiro o glorioso patriarca São José, esposo da Virgem Nossa Senhora, a cujo cargo pôs o eterno pai a criação de seu unigênito filho feito homem, encomendando-lhe nós também a criação dos moços do dito seminário. Nele serão educados os moços, que se receberem em competente número as rendas que por ora e pelo tempo houver, em bons e virtuosos costumes, na língua latina, no canto da igreja, nos cômputos eclesiásticos, na lição dos livros sagrados, e sobre tudo isto na teologia moral necessária para saber administrar os santos sacramentos.

E para sustentação dos mesmos estudantes, de seu reitor que os governe, e das mais pessoas necessárias, lhe assinamos perpetuamente os bens, que pertenciam à capela de Nossa Senhora do Desterro, que consistem em várias moradas de casas nesta cidade, e algum dinheiro que anda a juros em mãos de pessoas abonadas, com as seguranças necessárias, dos quais bens e dos mais que para diante, acrescerem o reitor que nomearmos, e mais alunos do seminário, tomarão posse, autoridade própria, e os seus rendimentos, sem outra licença, poderão despender no seu sustento e utilidade do mesmo seminário. O que tudo fazemos na melhor forma de direito e para honra e glória de Deus. Esta instituição será lida na nossa Sé, e registrada de verbo “ad verbum” na nossa câmara. Dada nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro aos cinco dias do mês de setembro 1739 anos. E eu o padre José da Fonseca Lopes escrivão da câmara eclesiástica a subscrevi [1]”.

Em 3 de maio de 1740 organizou o bispo os estatutos do seminário, e estabelecido este tiveram os frades capuchinhos italianos de largar a capela da Conceição por haver el-rei feito mercê dela ao bispo para a criação de um seminário [2].

O bispo Dom frei João da Cruz na visita pessoal feita a este estabelecimento em 10 de maio de 1742, reformou os estatutos, que sofreram outra reforma de Dom frei Antônio do Desterro em 11 de outubro de 1748; Dom José J. Justiniano estabeleceu diversas cadeiras de ensino; seu sucessor reformou o método dos estudos e o regime das aulas; criou algumas cadeiras além das que havia que eram as de latim, filosofia, teologia dogmática, teologia moral, liturgia e cantochão. O bispo, Conde de Irajá criou as cadeiras de francês, geografia, história, retórica, poética, matemáticas elementares, inglês, instituições canônicas, história sagrada e eclesiástica, e teologia exegética; e na reitoria do padre Pedro Celestino de Alcântara Pacheco, estabeleceu-se a cadeira de grego. O vigário capitular monsenhor Felix Maria de Freitas Albuquerque reformou o plano de estudos, dividindo o curso em dez anos; seis para as matérias que são propriamente preparatórios, e quatro para as do curso teológico. No curso preparatório incluiu o latim, história sagrada e profana, doutrina, francês, grego, matemáticas, filosofia, retórica, cosmografia, física e química; no curso teológico a liturgia, história sagrada, lugares teológicos, história eclesiástica, dogma, teologia moral, instituições canônicas e canto.

Nomeou para reitor em 25 de junho de 1863, ao padre José Gonçalves Ferreira que aumentou o número dos volumes da biblioteca, construiu uma sala para os reitores um passadiço para a aula de latim, novas latrinas, uma grossa muralha, junto ao morro, para divisão dos terrenos do seminário, outra muralha na chácara que pertence ao estabelecimento; calçou a rua que vai ter à portaria, e a que corre em frente da capela, ladrilhou de mármore o pavimento do alpendre da portaria, ajardinou o terreno fronteiro ao edifício; mandou vir da Europa um órgão para a capela, estabeleceu uma tipografia que começou a imprimir em 1866 o periódico Apóstolo, e mandou tirar os retratos dos bispos Dom Antônio de Guadalupe e Dom Antônio do Desterro e colocá-los em lugar honroso.

O bispo Dom Pedro Maria de Lacerda demitiu os antigos lentes do estabelecimento, entregou-o a padres estrangeiros, e estabeleceu um curso preparatório na chácara da mitra no Rio Comprido; eis o que nos consta atualmente deste seminário, onde parece mais se cuida em ler o breviário e recitar ladainhas, do que no cultivo e prática das ciências.

Situado na encosta do Morro do Castelo, no princípio da ladeira a que dá seu nome[I], apresenta o seminário um portão que abre-se para um jardim, no fundo do qual está o edifício, que consta de dois pavimentos tendo de um lado a portaria com alpendre no primeiro pavimento, e no segundo duas janelas de peitoril; e do outro uma porta no primeiro pavimento, e duas janelas no segundo. No centro está a capela, com o pórtico, duas janelas no coro, frontão reto e um óculo no tímpano.

Estão de um lado do edifício os aposentos do vice-reitor, a enfermaria, um dormitório, a botica, o refeitório e a cozinha no primeiro pavimento; e no segundo o salão dos reitores e a sala da biblioteca que conta mil volumes. No salão dos reitores estão os retratos dos bispos frei Antônio de Guadalupe, frei Antônio do Desterro, Dom José Caetano e Dom Manoel do Monte.

Tendo passado para o convento de Santa Thereza os bens que constituíam o patrimônio do seminário, doou o bispo Dom frei Antônio do Desterro a este estabelecimento a fazenda da Jurujuba, comprada a seu irmão o marechal de campo João Malheiros Reimão. O bispo Dom José Caetano legou a esta instituição diversos prédios e apólices, como vimos, e o bispo Dom Manoel do Monte enriqueceu o patrimônio da casa com vinte e quatro apólices de 1:000$000 cada uma.

Do lado oposto da capela estão as salas das aulas, vendo-se na aula de filosofia a antiga cadeira magistral honrada por doutos mestres; como o padre frei Antônio Rodovalho, frei Francisco de Monte Alverne e outros.

Corre na parte posterior do edifício um dormitório de dois andares, construído pelo reitor monsenhor Manoel Joaquim da Silveira, depois arcebispo e conde de São Salvador.

A capela consta de um só altar com as imagens da Sacra Família, de um púlpito e uma tribuna, e nas paredes laterais tem dois painéis antigos.

O edifício é iluminado a gás desde o tempo do reitor Pedro Celestino de Alcântara Pacheco. Usam os alunos ordinariamente de gabinardo preto, e nos atos públicos de beca e capa-roxa, exceto os minoristas que trazem batina preta. Determinavam os antigos estatutos que o gabinardo fosse feito de baeta preta. Chamam-se numeristas os alunos pobres educados à custa do seminário.

Entre os antigos reitores desta casa menciona-se o padre José de Souza Marmello, natural de Irajá.

Nomeado secretário do bispado em 1 de dezembro de 1754, foi apresentado em 20 de junho de 1755 na segunda cadeira de meia prebenda da criação da sé, e confirmado no cargo em 6 de dezembro; foi encarregado de visitar as igrejas do recôncavo em 1756; apresentado em 1759 na quarta cadeira de prebenda inteira, nomeado arcediago, tesoureiro-mor em 1784, foi incumbido de redigir o livro do tombo do cabido, cujo trabalho concluiu em 1789 sob o título de memória da origem e progressos do cabido. Escolhido para reitor do Seminário de São José deu ordem e disciplina ao estabelecimento, que chegou a um grau de esplendor, a que até então não atingira; aumentou o patrimônio, comprando prédios e arrecadando escrupulosamente os reditos da casa, que encheu-se de alunos, dos quais era o reitor bom guia, bom preceptor e bom pai. Mas logo que ele deixou esse cargo, começou o seminário a decair, desapareceu a ordem, ficaram os estudos sem direção, os alunos sem mestre, o estabelecimento sem prestígio e assim permaneceu longo tempo, de sorte que, falando desta casa de educação, diz o padre Luiz Gonçalves dos Santos, em suas Memórias Históricas:

– Este edifício interiormente mais parece morada de Plutão do que de Minerva.

Apresentado no cargo de chantre o cônego Marmello, não chegou a exercê-lo, porque faleceu em 13 de junho de l790, tendo sepultura na igreja de São Pedro. Aberta em 12 de abril de 1793 a catacumba, em que fora sepultado, viu-se o cadáver inteiro e flexível, e as vestes sacerdotais com pequena danificação, diz monsenhor Pizarro. Cobriu-se o corpo com cal e vinagre, e fechou-se o sepulcro. Era o cônego Marmello homem de costumes sãos e honestos [3].

Terá o seminário voltado aos antigos tempos em que deixou de ser reitor o cônego José de Souza Marmello!

Notas

  1. Veja manuscritos inéditos oferecidos ao Instituto Histórico pelo sócio correspondente Dr. Maximiano Marques de Carvalho.
  2. Veja Anais do Rio de Janeiro do Dr. Silva Lisboa, vol. 7 pág. 368.
  3. Veja Mosaico Brasileiro pág. 41.

Nota do editor

  1. O antigo Seminário estava em parte situado na ladeira do seu nome, constituindo um grupo de prédios (n. 2 a 12), numa das abas do Morro do Castelo, próximo à Rua da Ajuda, na altura mais ou menos do local onde hoje se vê o edifício da Biblioteca Nacional. Todos os prédios que pertenciam ao Seminário foram demolidos em 1904. (Anotações de Noronha Santos na Introdução do livro Memórias para Servir à História do Reino do Brasil)

Fonte

  • Azevedo, Manuel Duarte Moreira de. O Rio de Janeiro: Sua História, Monumentos, Homens Notáveis, Usos e Curiosidades. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1877. 2 v. (É a segunda edição do “Pequeno Panorama” 1861-67, 5 v.).

Veja também

Livro digitalizado

Imagem destacada

  • PLANTA da cidade do Rio de Janeiro. Paris [França]: Imp. Lenecier, [ca.1853]. 1 planta, 69,6 x 58. Acervo digital da Biblioteca Nacional.

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