Igreja de São Francisco de Paula, por Moreira de Azevedo

Tendo particular devoção com São Francisco de Paula, resolveu o bispo Dom frei Antônio do Desterro fundar a Ordem dos Mínimos na cidade do Rio de Janeiro, pelo que ele e outros devotos requereram ao geral da ordem, frei João Prieto, a competente licença; e logo que obtiveram-na publicou o bispo a provisão de 9 de julho de 1756 instituindo a ordem. Alguns meses depois, em 11 de outubro, revestido do hábito de São Francisco, conferiu-o o bispo aos primeiros irmãos na capela de seu palácio.
Não tendo a imagem do santo ermida que lhe pertencesse, foi colocada na Igreja da Cruz dos Militares.

Em 22 de janeiro de 1757 professou nessa igreja como irmão da ordem, o bispo Desterro; celebrou-se nesse ato um Te-Deum, com o qual despendeu-se 15$680. Declarou-se o prelado protetor da ordem, e para si e seus sucessores reservou o título de comissário, nomeando para vice-comissário o capuchinho frei Anselmo Bertrand.
Tratando-se de construir uma ermida para o orago, deu-se princípio a obra em 4 de abril de 1757, e nesse mesmo ano, em 29 de dezembro, era conduzida para ali a imagem de São Francisco. Em 1 de janeiro de 1758 concluiu-se essa ermida, cuja construção importou em 1:518$716; e em março desse ano celebrou-se ali o primeiro lausperene.
Não convinha que a ordem criada por um bispo permanecesse em uma capela mesquinha e pobre; era isso prejudicial à dignidade episcopal, à fé viva daqueles tempos; pelo que pensou o diocesano em transformar a ermida em igreja; e para ser esta edificada doaram ele e seu irmão, o mestre de campo João Malheiros Reimão, o terreno suficiente, compreendendo não só o chão ocupado pela igreja atual e hospital, mas também o que se estende até á casa n. 11 da Rua do Teatro.
Começaram os trabalhos preliminares da construção do templo em 18 de outubro de 1758, e no dia 5 de janeiro do ano seguinte lançou-se a primeira pedra na presença de Dom frei Antônio do Desterro, do cabido, das ordens regulares, do governador interino José Antônio Freire de Andrade, e de outras pessoas de hierarquia. O governador deitou três colheres de cal para fechar a caixa, que encerrava a inscrição, e o chanceler desembargador, João Soares Tavares, segurou na pá da cal. Estavam postados no largo, chamado então da Sé Nova, os regimentos que deram três descargas de mosquetaria e artilharia, sendo comandados pelo coronel Patrício Manoel de Figueiredo.
O pergaminho escrito em latim, e colocado na cava da primeira pedra, indicava os nomes do papa Clemente XIII, do rei D. José I, do bispo Desterro, do governador Gomes Freire de Andrade, do governador interino José Antônio Freire de Andrade, do 1º corretor padre Ignácio Manuel da Costa Mascarenhas, vigário da Candelária, do 1º vice-corretor padre Dr. João Pereira de Azevedo e Araújo, vigário de Santa Rita, do 1º secretário padre Luiz Jayme de Magalhães Coutinho Cardoso, vigário de São José, do 1º síndico capitão José Rodrigues Godinho, e dos primeiros definidores.
Pela provisão de 1 de junho de 1763 colocou o prelado a ordem sob sua imediata jurisdição para que em tempo nenhum os visitadores, ou outro qualquer ministro, pudessem ter sobre ela direito de visita, reservando para sua pessoa o poder tomar conhecimento dela.
O breve de 2 de setembro de 1779 de Pio VI aprovou a instituição da ordem, com a c1áusula de ficar sujeita ao superior dos frades Mínimos, logo que se fundasse nesta cidade alguma casa conventual da mesma religião; e confirmou as prerrogativas declaradas na provisão de 1 de junho, quanto à isenção da jurisdição ordinária; o beneplácito régio, expedido no aviso de 13 de outubro de 1779, confirmou o breve pontifício.
Concluída a parte mais essencial do templo, foi trasladada para ele a imagem de São Francisco, correndo o ano de 1801.
Receosa a ordem de ver o cabido em sua igreja, sendo esta transformada em catedral, pois servia provisoriamente de sé a Igreja do Rosário, suplicou ao Conselho Ultramarino um salvo conduto, que a livrasse dos cônegos; o aviso de 18 de maio de 1805 mandou ouvir a este respeito o vice-rei do Brasil, que enviou sua informação em 16 de setembro, à qual seguiu-se o aviso régio de 24 de dezembro, em virtude do qual alcançou a ordem a provisão de 30 de janeiro de 1806, declarando que o templo edificado pelos terceiros de São Francisco de Paula não poderia ter, sem seu consentimento, destino diverso daquele para que fora construído. Confirmou esta deliberação o aviso da secretaria de estado de ultramar de 8 de maio de 1806, concedendo a ordem o privilégio solicitado, isto é, que o cabido ou pároco não se pudesse introduzir na igreja erigida a São Francisco de Paula.
Para separar-se a capela-mor do corpo da igreja, que estava em construção, fez-se uma parede de tijolo, junto ao arco cruzeiro, com três portas; ficou estreita e escura a capela, mas apesar disso encerrava três altares, o principal e dois laterais, com as imagens da Senhora da Conceição e São Miguel. Ocupava a capela-mor o lugar da antiga ermida.
Progrediam as obras, não obstante ter a ordem pequeno rendimento, porque superavam todas as dificuldades a caridade e dedicação dos irmãos; cada um deles fazia um donativo; cada fiel deixava uma esmola; e ergueu-se assim esse templo, que é hoje considerado um dos melhores do Rio de Janeiro.
O artista Florêncio Machado foi longo tempo o carpinteiro das obras; e preparou os ornatos da capela-mor o artista Valentim da Fonseca e Silva.
Entre os irmãos que mais se esforçaram pela edificação da igreja, deve memorar-se o nome de João de Siqueira da Costa, que exerceu o cargo de síndico 31 anos deixando-o em l4 de julho de 1811, quando faleceu; contava então 78 anos de idade. Quando alguns desanimavam por não haver dinheiro para as obras, mostrava-se João de Siqueira tranquilo, e dizia aos que pareciam afrouxar:
– Tranquilizem-se, tenham fé nos prodígios do nosso santo patriarca. Mas, ocultamente, quando todos dormiam, um homem dirigia-se ao átrio da igreja, e aproximando-se da caixinha das esmolas, despejava ali o dinheiro, que trazia na carteira. No sábado, ao fazer-se a féria dos trabalhadores, ia-se à caixinha das esmolas, e encontrava-se dinheiro suficiente para o pagamento. Dava-se o prodígio, o dinheiro aparecia, porque um devoto, um homem, cujo nome os anjos hão de ter muita vez repetido, ia levá-lo nas horas ocultas da noite.
Siqueira da Costa fazia mais; considerava haver nos navios, que possuía, uma praça com o nome de Francisco de Paula, e pagava à igreja do santo da sua devoção a soldada desse marinheiro fictício. Construída pelo zelo religioso de nossos pais, pela caridade do povo ergue-se a Igreja de São Francisco de Paula ao lado direito do largo do mesmo nome. Subindo uma larga escadaria, que contava dez degraus, mas agora tem só oito, chega-se ao átrio lajeado de pedra, e cercado de grades unidas por pilastras de granito. Deu o risco da gradaria o artista Francisco Pedro do Amaral, e correu a despesa da obra por conta do capitão-mor Leandro José Marques de Carvalho. Outrora fora o átrio cercado com balaústres de mármore.
Dois fatos recordam-nos estas grades, um crime ou uma desumanidade e um roubo.
Encontrou-se em 5 de abril de 1857, envolvido em uma colcha, e ali pendurado, o cadáver de uma criança com indícios de morte violenta. Seria um infanticídio ou uma desumanidade, ter-se-ia abandonado um recém-nascido, ou um cadáver! Não sabemos se a polícia indagou do fato.
Na noite de 23 de agosto do mesmo ano, quando a cidade repousava, um ou mais ladrões encaminharam-se para esta igreja, saltaram às grades, e roubaram o cofre das esmolas cravado na parede junto às portas do templo. Não se descobriram os criminosos; mas, passados dois meses, esgaravatando um mendigo o lixo da Praia de Santa Luzia, encontrou enterrado na areia aquele cofre, sem apresentar tentativa de roubo, respeitado do tempo e das ondas; e aberto achou-se dentro dinheiro em papel, prata e cobre. Viu o povo neste fato um milagre, e desejando muitos, como relíquia, as moedas ali encontradas, deram por elas o dobro e mais do seu valor. O cofre foi pregado em seu antigo lugar.
A fachada do edifício é dividida em três corpos por quatro pilastras de ordem dórica romana; o corpo central, que constitui propriamente a igreja, apresenta três portas que tinham as vergas como as portas dos corpos laterais, lendo-se sobre a principal a palavra charitas. Era o pórtico de mau granito e acaçapado, mas atualmente é de mármore de Lisboa. Consta de duas colunas, uma de cada lado, junto às pilastras, as quais sustentam um entablamento e frontão; forma este corpo um alpendre, que cobre a porta, cuja verga é de arquivolta; sobre o alpendre corre uma balaustrada guarnecendo a janela do centro. Este pórtico, todo de mármore e da ordem compósita, tem ornatos apropriados aos do interior de templo.
Mudaram-se também as portadas de granito das portas laterais por portadas de mármore, tendo a verga de arquivolta. Seguem-se o entablamento, as três janelas do coro com grades de ferro, o frontão curvilíneo, e o tímpano com três aberturas semicirculares, e no centro um escudo com a palavra charitas e uma coroa de granito.
Os corpos laterais da frontaria constituem as torres. Há no primeiro pavimento uma porta com as portadas de granito; no segundo uma janela igual às do coro, o mostrador de um relógio, a abertura dos sinos; segue-se uma varanda quadrangular, de cujo centro ergue-se uma pirâmide cônica de forma particular, e que sustenta, em uma torre, a cruz e o galo, e em outra a cruz e uma águia. São altas e elegantes essas torres, e em uma delas há um relógio ofertado por Leandro José Marques Franco de Carvalho, tendo importado em 3:958$790. Nessa mesma torre há um sino grande, doado pelo irmão Manoel José, com a condição de dobrar somente no falecimento dos irmãos da ordem, do bispo e das pessoas da família real.
O boticário Manoel José era visto frequentemente ao balcão a quebrar pevides, trajando robe de chambre de chita com o hábito de Cristo pendente do peito; sepultou-se em uma das capelas do claustro do Convento de Santo Antônio.
Às dez horas dobram ao recolher os sinos da Igreja de São Francisco e do Mosteiro de São Bento. É também o sino daquela igreja, que anuncia os incêndios da cidade, determinando o número das badaladas a freguesia em que há o fogo; assim uma badalada indica a freguesia do Sacramento, duas a de São José, três a da Candelária etc. Dadas as badaladas dobra o sino e também o da igreja paroquial, em cuja freguesia dá-se o incêndio.
Outrora dobravam todos os sinos quando havia incêndio; mais tarde colocou-se no Morro do Castelo uma peça de artilharia, que ainda lá está, para dar um tiro na ocasião de incêndio, e um mastro onde se içava uma bandeira encarnada, se o incêndio era de dia, e uma lanterna da mesma cor, se era de noite; mas o tiro da peça amedrontava os moradores, abalava as casas, e estalava os vidros das vidraças; além disto, enquanto se subia a ladeira para levar a notícia, lavrava o fogo com violência.
Houve também a lembrança de construir-se um aparelho, que foi experimentado em 20 de dezembro de 1857, para tocar o sino sem subir-se à torre. Em 1875 pensou-se em colocar aparelhos elétricos nas ruas e casas para anunciar rapidamente os incêndios. Mas apesar de todos estes projetos, da criação de um corpo de bombeiros, que tem postos onde estacionam bombas, não há ainda inteira perfeição na extinção dos fogos; todavia vai melhorando gradualmente este serviço, e é de esperar que mereça do governo todo o cuidado e desvelo.
Convém aqui consignar que ultimamente se tem repetido incêndios na cidade, especialmente em casas de negócio. Parece ser este um meio de liquidação, ou de obter avantajado lucro pelo seguro das mercadorias; de qualquer modo comete quem pratica tão criminosa ação um atentado contra a fortuna e a vida de seu semelhante, e provado o delito, merece exemplar castigo.
Desabando na tarde de domingo 10 de novembro de 1861 sobre a cidade forte temporal, acompanhado de chuva de pedra, caiu um raio, que partiu a pedra sobre que se sustenta o galo da torre, na igreja que descrevemos; correu pelo telhado do edifício, e arrancou a claraboia da capela-mor, despedaçando-a de encontro ao telhado do hospital da ordem; na mesma tarde caiu outro raio em uma casa do Morro do Castelo, outro na casa n. 15-A da Rua de São Lourenço, e outro na tipografia do Jornal do Comércio.
Em 1 de fevereiro de 1868 estalou também sobre a cidade violenta trovoada, caindo um raio na torre do lado esquerdo desta igreja, o qual sem ofender o sino, desprendeu-lhe da cabeça a pesada guarnição de madeira, e do entablamento da torre arrancou uma pedra de cantaria de cerca de três palmos de comprimento, que foi arrojada no meio do largo.
Em 19 de janeiro de 1868 um pardo escravo, subindo a uma dessas torres para dobrar o sino grande, perdeu o equilíbrio e caiu, resultando dessa queda a morte instantânea para o infeliz.
Desejando ornar elegantemente o interior de seu templo, a ordem encarregou o artista Antônio de Pádua e Castro desse trabalho, que começado em 1856 concluiu-se em 1865, e em 2 de abril recebeu o elegante edifício a benção solene.
Erguem-se no interior dez colunas, cinco de cada lado, Com capitéis de ordem compósita, sustentando um entablamento ressaltado e quartelado. Ornam as colunas lindos festões e outros enfeites artísticos executados por Valentim da Fonseca e Silva, que faleceu quando trabalhava na obra de talha da igreja, deixando algumas peças acabadas, outras esboçadas e muitas em princípio; mas Antônio de Pádua e Castro restaurou esses ornatos, e colocou-os no meio dos seus trabalhos, ligando seu nome ao daquele mestre.
Eram os antigos altares, encerrados em pequenos arcos, junto às paredes, e entre pilastra de pedra; mas o artista Pádua, sem ofender a segurança do templo, rasgou arcos maiores e mais fundos, e desse modo transformou cada altar em capela funda, dando ao recinto religioso um aspecto sombrio e imponente. Substituiu à antiga gradaria que circulava os altares, deixando um corredor de cada lado, como é uso em nossas igrejas, por uma grade, que vai de coluna a coluna, e fecha cada altar.
Ocupam os seis altares as imagens da Senhora das Dores, da Conceição, São Miguel, São José, São João Baptista e São Francisco de Salles, sobressaindo entre elas a de São João como trabalho de escultura.
Sobre o entablamento, na direção de cada coluna, ergue-se a estátua de um apóstolo, e sobre cada altar há um painel em escultura memorando os passos principais da vida de São Francisco de Paula. Comemora o primeiro painel o nascimento do santo, que é visto nos braços de sua mãe, entoando os anjos, envolvidos em nuvens, hinos de glória.
No segundo painel despede-se o santo de seus pais e do mundo para encerrar-se em um claustro.
No terceiro o santo ressuscita o filho de uma mãe extremosa, milagre que extasia a um seu confrade.
No quarto atravessa sobre seu hábito o faro de Messina.
No quinto apresenta-se na corte de Nápoles, e no sexto morre entre os frades de seu convento.
Quatro destes painéis foram executados por Caetano dos Reis e Almeida, discípulo da Academia das Belas-Artes do Rio de Janeiro, e dois por Francisco Manoel Chaves Pinheiro, que também é o autor dos apóstolos que ornam as colunas.
As quatro portas do corpo da igreja, duas junto ao arco cruzeiro, e duas junto ao coro são arrendadas com sanefas salientes; as quatro tribunas ornadas com muito gosto, e são elegantes e primorosos os púlpitos abertos em uma das colunas.
O teto é coberto de florões dispostos com muita simetria e beleza, e do centro pende um lustre de cristal e bronze dourado para cento e vinte luzes.
Junto ao arco cruzeiro elevam-se duas mísulas, uma de cada lado, com lindos ornatos feitos por Antônio de Pádua.
O antigo coro era sem elegância e mal ornado, mas em 1856 recebeu nova forma, mimosos ornatos, lindas quartelas para sustentá-lo, vendo-se na parede fronteira diversos instrumentos executados por Pádua com muita perícia e arte.
O arco cruzeiro que foi elevado por ocasião das obras de 1856 a 1865 sustenta sobre a arquivolta um painel representando a apoteose do santo; São Francisco sobe ao céu entre nuvens, serafins e raios de luz, e inferiormente erguem-se as estátuas de Moisés e da caridade. Ideou o pensamento deste quadro o Dr. Antônio José de Araújo.
Antônio de Pádua elevou o teto da capela-mor, deu-lhe mais extensão, fazendo aparecer a terceira tribuna, que existia desde a fundação do templo, mas que os irmãos terceiros haviam-na ocultado, receosos de que os cônegos se agradassem dessa extensa capela; tornou elegante o trono, aumentou mais dois degraus aos cinco que tinha o presbitério; colocou a urna do altar sobre dois degraus, abriu um zimbório sobre o altar; conservou os ornatos feitos por Valentim da Fonseca e Silva, mas deu-lhes as proporções que deviam ter e colocou seis mísulas com belos ornatos, três de cada lado, para sustentarem o entablamento formado pela emposta do arco cruzeiro.
O presbitério é de mármore; o nicho do orago descansa sobre três degraus e o trono tem sete, vendo-se superiormente em um nicho com espaldar Cristo Crucificado.
Possui o orago um resplendor de ouro fabricado por Ignácio Luiz da Costa, e ofertado em 1834 por José de Lemos Magalhães. Conta-se que comprando José de Lemos um bilhete de loteria, prometeu fazer um donativo ao santo, se tirasse o maior prêmio, e tendo-o conseguido, cumpriu a promessa.
No corpo da igreja e na capela-mor há bancos para os fiéis.

Dois corredores, lajeados de mosaico, ladeiam o templo; no do lado direito existe o retrato de Antônio de Pádua e Castro, do qual verá o leitor a biografia no fim deste capítulo; segue-se o salão dos benfeitores com os seguintes retratos: do capitão-mor João de Siqueira da Costa, sepultado nas antigas catacumbas da ordem, o qual, além do que já havemos dito, legou a ordem 12:000$000; do ex-corretor Antônio Alves da Silva Pinto, que propôs a fundação do hospital e faleceu em 1855 legando a ordem 12:000$000; do ex-corretor Manoel Pinto da Fonseca, nascido em Portugal em 1804, e falecido em Paris em 20 de agosto de 1855; propôs a compra da chácara do cemitério, dando para esse fim 5:000$000; conseguiu por meio de uma subscrição introduzir água no hospital, e legou a ordem 10:500$000 do ex-corretor Conde da Estrela: do ex-síndico Manoel Machado Coelho, que exerceu esse cargo 38 anos, fez muitos donativos à ordem, e faleceu em fevereiro de 1862, com 74 anos, tendo sepultura no cemitério de Catumbi; do ex-corretor graduado José Machado Coelho; do irmão benfeitor Antônio Ernandes, cujos ossos estão em um jazigo preparado pela ordem; do ex-corretor Visconde de Meriti, sepultado no cemitério de Catumbi, que doou uma banqueta para o altar-mor, e em testamento 20 apólices provinciais; do ex-corretor e definidor perpétuo Marquês do Bom Fim, que deixou 40 esmolas de 30$000 cada uma para serem distribuídas por meio de sorteio pelas irmãs pobres; do irmão benfeitor Francisco de Figueiredo.
Comunica-se o salão dos benfeitores com a sacristia, que é espaçosa, tem uma porta e janelas para o jardim, uma capela com as imagens do Senhor da Cana Verde, de São Gaspar e São Nicolau; tendo outrora além destas, as da Senhora do Carmo e da Glória, em competentes nichos; assim como nos altares da igreja havia em diversos nichos várias imagens, pois era costume outrora servir cada altar para muitos santos. Há ali um arcaz, um esguicho de mármore, e dois lindos painéis, um da Senhora da Conceição, e outro de São Francisco; não sabemos, porém, quais os autores desses painéis, porque a indiferença ou ignorância dos nossos antepassados sepultou no esquecimento essas lembranças históricas.
Sobre a sacristia está o consistório com o altar do Senhor dos Passos, e os retratos dos bispos Dom frei Antônio do Desterro e Dom José Caetano da Silva Coutinho.
Este prelado assinou 1:000$000 na subscrição promovida em 1826 para a fundação de um colégio de órfãos, que a ordem tencionara estabelecer, e em quanto viveu concorreu anualmente com 200$000 para o mesmo fim.
O corredor do lado oposto vai ter à capela do Noviciado, cujo orago é a Senhora da Victoria. Começou o noviciado em 1 de maio de 1771, pois até então, como hoje se pratica, professava o irmão no mesmo dia, que alistava-se na ordem. Benzida a imagem da Virgem no palácio episcopal, em 16 de setembro de 1772, foi conduzida no dia 19 para a Igreja do Hospício, donde saiu em procissão no dia 21, tendo ido buscá-la a imagem de São Francisco, o clero, o cabido, e diversas confrarias; e, colocada no altar-mor da igreja, houve festividade no dia seguinte com missa cantada e sermão.
Por não estar concluída a capela que era-lhe destinada, esteve a imagem na sacristia até 21 de fevereiro de 1779, em que recolheu-se à sua capela, havendo missa cantada e sermão.
Vasta, elegante, e com ornatos de talha dourada preparados pelo mestre Valentim, guarda esta capela as imagens da Senhora da Victoria, de São Francisco e São Miguel; tem no teto um painel representando a Virgem entre anjos e nuvens, e nas paredes seis painéis dos milagres de São Francisco, os quais foram pintados pelo artista Manoel da Cunha, do qual verá o leitor ligeira notícia nas últimas páginas deste capítulo; junto desta capela está o quarto do irmão mestre.
No corredor fronteiro vê-se do lado esquerdo uma porta, donde começava um passadiço, que conduzia às catacumbas, construídas em 1805 a 1806, e concluídas em 1810; tendo havido antes antigas sepulturas na igreja, e em um subterrâneo, que se estendia da capela-mor até ao salão, ocupado atualmente pelos retratos dos benfeitores.
Desprezando preconceitos, velhos hábitos, prejuízos infundados, não atendendo a interesses particulares, e só à conveniência pública, foi a Ordem de São Francisco de Paula a primeira que cuidou em fundar um cemitério extramuros. Sendo corretor Manoel Pinto da Fonseca propôs se comprasse uma chácara em Catumbi para cemitério; pediu-se licença ao governo, e ouvida a academia de medicina, veio a licença em 30 de março de 1849.
Agenciada em dois dias por Manoel Pinto da Fonseca uma subscrição, que elevou-se a 42:100$000: comprou a ordem a chácara n. 22 em Catumbi a Dionísio Oriost; em 19 de outubro aprovou o governo a planta e regulamento do cemitério.

Aparecendo em 1850 a febre amarela no Rio de Janeiro, tornou-se o flagelo truculento, a cidade cobriu-se de dor e de luto, encheram-se os jazigos das igrejas, elevando-se a mortalidade em quatro meses a três mil trezentos e quinze indivíduos. Para melhorar o estado doentio da cidade, tratou o governo de afastar os enterramentos do centro da povoação. Em 5 de março oficiou o chefe de policia à Ordem dos Mínimos, pedindo-lhe desse sepultura no seu cemitério naquele mesmo dia, se fosse possível, aos cadáveres ali apresentados; três dias depois recebeu a ordem do ministério do império outro aviso semelhante. Em 30 de março solicitou o chefe de polícia, que construísse a ordem em seis dias uma capela provisória no cemitério, para serem ali encomendados os defuntos. Prestou-se a ordem a estas requisições, abriu seu cemitério, que tornou-se público, e desde 26 de março de 1850 cessaram os enterramentos no centro da povoação. Mas foi preciso que uma epidemia lembrasse essa medida que a razão e a higiene já deviam ter feito compreender há mais tempo. Já em 1811 aparecera no Rio de Janeiro uma memória sobre o perigo das sepulturas dentro das igrejas; assim reclamava a ciência há longo tempo esse melhoramento, que só realizou-se em 1850.
Benzido o cemitério, em 19 de março de 1850, já no dia seguinte descansavam ali 19 cadáveres; construiu-se a capela provisória em seis dias, porém mais tarde elevou-se no mesmo lugar melhor edifício com um altar, para a imagem de Cristo, doada pelos frades carmelitas; o cemitério ocupa uma alta colina, tem muitas ruas, elegantes túmulos, capelas mortuárias, e outros monumentos com que a vaidade dos homens procura ataviar a morada dos mortos.
Estabelecido esse recinto de mortos reclamou o vigário de Santa Anna por serem as encomendações feitas ali, estando o cemitério em sua paróquia, mas o bispo, Conde de Irajá, decidiu a questão em favor dos privilégios e prerrogativas da ordem. Julgando o provedor José Clemente Pereira que o cemitério de Catumbi, por sua aproximação à cidade, era inconveniente e prejudicava aos outros cemitérios em seus interesses ponderou em 1850 ao governo a necessidade de removê-lo para a Ponta do Caju; mas os irmãos terceiros representaram, e depois de longa discussão encetada no senado, conseguiram conservar no mesmo lugar o seu campo santo; convém, porém, observar que seria melhor terem-no removido dali em 1850, pois pela extensão, que tem tido a cidade, está hoje essa habitação de mortos no meio da povoação.
Apesar de dever ao seu síndico mais de nove contos, deliberou a mesa, por proposta do irmão secretário Antônio Alves da Silva Pinto, construir em 1813 um hospital para os irmãos pobres da ordem.
Em 2 de abril de 1814 lançou-se a pedra fundamental do edifício, e juntamente um pergaminho com o nome do papa Pio VII, da rainha D. Maria I, do príncipe regente seu filho, do bispo do Rio de Janeiro Dom José Caetano, do pró-comissário Januário da Cunha Barbosa, e dos irmãos que então exerciam cargos. Fizeram os irmãos terceiros subscrições, alcançaram esmolas, e assim edificaram o hospital que abria-se em 21 de dezembro de 1828; e os irmãos pobres, que então eram recolhidos a Misericórdia, ou pereciam à míngua, tiveram um hospital cômodo e vasto, onde encontraram remédio, dieta, médico e muita caridade. Da palavra charitas, gravada no hábito do orago da ordem, rutilaram novos raios de luz, de esperança e vida para os irmãos terceiros.
Propôs em 5 de julho de 1829 o corretor Joaquim José Cardoso Guimarães que a mesa subscrevesse a quantia de 4:870$000, para sustentação do hospital; assim resolveu-se, e desde então cada definidor encarrega-se da despesa mensal dos doentes que se em 1830 era de 10$000 excede atualmente a 1:000$000.
E há 47 anos que os irmãos definidores cumprem tão penosa tarefa; há 47 anos que esse gasto é feito por eles, e durante esse longo período tem a ordem encontrado homens que, aceitando o piedoso cargo de definidor, abrem seus cofres para pagar remédio, dieta e médico aos doentes pobres do hospital.
E dizem que não há caridade entre nós, que o povo não atende ao clamor da pobreza! Praticam-se esses atos e outros semelhantes, mas ficam ocultos, não há quem deles fale, quem os comemore e louve. Atiram-se flores à ostentação, à vaidade, mas a verdadeira caridade passa despercebida.
Eis uma das razões que incitou-nos a escrever estas crônicas; para que no futuro se avalie melhor a geração que passou, e sirvam as boas ações de exemplo e incentivo a nossos filhos.
Acha-se o hospital ao lado direito do templo, tendo uma face voltada para o largo, outra, mais extensa, para a Travessa de São Francisco de Paula, e a última para a Rua Sete de Setembro; consta de dois pavimentos. A face que olha para o largo divide-se em três corpos; o central tem uma porta larga e duas janelas de peitoril no primeiro pavimento, e três janelas com uma grade inteiriça no segundo, os laterais apresentam duas janelas de sacada no segundo pavimento, não havendo no primeiro simetria no número de portas e janelas.
Coroa o corpo central um frontão reto, lendo-se no tímpano a palavra charitas, e sobre a janela do meio, gravado na pedra, o dístico Hospital da Ordem Terceira dos Mínimos MDCCCXIII.
Era nesta face a portaria, mas em 1844 a 1845 mudaram-na para a face da travessa.
Ocupa esta face toda a extensão da travessa, e tem um corpo central e dois laterais; o central com uma porta larga e duas janelas de peitoril no primeiro pavimento, três janelas com uma grade corrida no segundo, um frontão, e no tímpano a palavra charitas. Nos corpos laterais há 18 janelas de sacada no segundo pavimento, em cada um, e diversas portas e janelas no primeiro, que é ocupado por casas de negócio e de moradia. A face da Rua Sete de Setembro tem no segundo pavimento quatro janelas de peitoril e uma de sacada e no primeiro três portas e duas janelas.
Não há elegância, nem beleza neste edifício não tem arquitetura os frontões, que são desproporcionados, patenteando a ignorância de quem deu a traça de semelhante obra. Entre nós ainda se atende pouco a isso que se chama beleza de construção; qualquer carpinteiro transforma-se em arquiteto, e produz esses aleijões de pedra e cal, que dão uma ideia desvantajosa de nossa civilização e gosto artístico.
Convém, porém, declarar que, há quatro ou cinco anos, nota-se entre os particulares mais cuidado e gosto na edificação dos prédios, que vão dando à cidade aspecto mais alegre e elegante.
O vestíbulo do hospital é lajeado de mármore, e tem no fundo três portas fechadas com grades de ferro, e de cada lado duas portas, dando as do lado direito para a secretaria, preparada pela administração da ordem de 1844 a 1845 [1].
Das portas da face da frente partem duas escadas, que unem-se em um patamar, donde começam outras duas em sentido oposto. A porta central entre as escadas vai ter ao quarto do porteiro.
Ao subir o segundo lanço de escadas leem-se nas paredes laterais as palavras fraternidade e beneficência e na parede fronteira veem-se as figuras da fé e da esperança.
A ordem abriu o hospital a seus irmãos que, ao transporem essa casa, devem ter fé e esperança; eis o que significam esses dísticos e essas figuras.
As escadas terminam em um corredor central, vendo-se logo em frente à sala do receituário, onde está o retrato do capitão-mor Leandro José Marques Franco de Carvalho, falecido em 24 de setembro de 1838, e sepultado nas catacumbas da ordem. Este homem que ocupara os cargos de definidor, procurador, vice-corretor e corretor, deu a esmola de 400$000, quando abria-se o hospital e logo depois uma apólice de conto de réis. Até falecer usou de calções.
Há três corredores, estando no central os quartos dos doentes que são 44, e todos têm janelas para os corredores laterais; os do lado da travessa servem para as moléstias internas, e os do oposto para as externas.
Finda o corredor do meio em dois salões, servindo o do lado direito de capela com a imagem da Conceição, doada pelo ex-secretário Antônio Lopes Rodrigues, vendo-se ali dois painéis, um da ressurreição de Lázaro, e o outro apresenta São Francisco a receber de São Miguel o emblema charitas.
O salão do lado esquerdo é chamado sala de respeito; tem os retratos do Imperador e da Imperatriz, e uma mobília de mogno ofertada por Francisco José Gonçalves Agra; comunica-se com a igreja por uma escada.
Há uma sala de operações, o salão do refeitório onde veem-se dois quadros, que mostram Cristo em casa de Maria e Martha, e São Francisco na corte de Fernando, rei de Nápoles, que oprimindo o povo com pesados tributos, procura o santo aconselhá-lo e, praticando em presença do rei o milagre de verter sangue de uma moeda, diz-lhe: – Senhor, este sangue que sai das entranhas desta moeda é o sangue dos pobres vassalos; e assim não pode ser do agrado de Deus o método com que V. M. se tem conduzido no seu reinado.
Junto do refeitório estão a despensa e a cozinha lajeada de mármore, e com as paredes cobertas de azulejo; tendo sido a administração de 1844 a 1845 que edificou o refeitório, reformou a cozinha, e construiu no pavimento térreo uma casa forte para os doentes alienados.
Entre o hospital e a igreja há um pátio para recreio dos doentes, um jardim, na parte posterior do templo, o qual é fechado com muro do lado da Rua Sete de Setembro.
Em 10 de maio de 1840 propuseram os irmãos Manoel Pinto da Fonseca e Francisco José Ramos que se introduzisse água no hospital; para realizar esse melhoramento abriu Manuel Pinto uma subscrição, que elevou-se a dez contos; e concedendo o governo duas penas d’água, encarregou-se de trazê-las ao jardim, à sacristia e ao hospital o carpinteiro José Antônio da Trindade que, por ter prestado esse serviço gratuitamente, assim como por ter assentado as grades do adro e o mármore da igreja por debaixo do coro sem exigir paga de seu trabalho, deu-lhe a ordem, e também à sua mulher, o diploma de irmãos.
O hospital é iluminado a gás, e para usar-se desse melhoramento forneceu o acessório necessário o Dr. Isidro Borges Monteiro.
A administração de 1847 a 1848 deu muito impulso às obras deste edifício; por meio de subscrições construiu mais dez quartos, o salão da capela, estando esta outrora no salão oposto, e no sótão do hospital preparou alguns quartos, que são ocupados, quando há maior número de doentes. Concluíram-se então as obras desse edifício, dando-se a coincidência de ser corretor naquele ano o Dr. Antônio Alves da Silva Pinto, filho do corretor, que propusera há 35 anos, a fundação de tão pio estabelecimento.
Visitam-se os doentes as terças, quintas e domingos das 9 horas da manhã ao meio-dia, e das 3 as 5 da tarde.
Outrora, no dia da festividade do orago, era exposto ao público este edifício, ornavam-se com cortinas os leitos dos doentes, cobriam-se de folhas e flores aromáticas as enfermarias, os salões, os corredores, e uma multidão inquieta e curiosa percorria os aposentos perturbando o sossego, e aumentando os sofrimentos dos enfermos, a agonia dos moribundos; transformava-se o hospital em casa de festa, de luxo, de vaidade e tumulto; mas no dia seguinte desaparecia tudo, e mostravam-se as enfermarias simples e despidas; e se já se não ouviam as vozes, os risos dos visitantes, percebiam-se gemidos, que pareciam mais dolorosos.
Reconheceu a Ordem dos Mínimos a necessidade de suprimir essa festa de ostentação; de feito em 1854 houve a última visitação.
No ano compromissal de 1829 a 1830, primeiro do exercício desta casa pia, entraram 53 irmãos doentes, saíram curados 46, faleceram 3 e ficaram 4.
Não há enfermarias para mulheres; porém, são socorridas em seus domicílios pelos médicos da ordem.
A primeira receita, que teve a ordem, proveio da venda de uma escrava, doada pela mulher de um mercador em 4 de novembro de 1757, a qual foi vendida por 64$000; atualmente consta seu patrimônio de 26 prédios, e de 200 apólices, além de 233 que pertencem ao hospital, e 157 ao colégio dos órfãos.
Com a primeira festa do orago, no ano compromissal de 1757 a 1758, despenderam-se 23$360.
Desde 1856 distribuem-se nesta solenidade nove esmolas de 40$ pelas viúvas e meninas pobres irmãs da ordem, instituídas por Ignácio Joaquim Theodoro Madeira, que para esse fim legou 10 apólices de 1:000$000, sendo 4 para a ordem, e 6 para aplicar-se os juros àquelas esmolas. Theodoro Madeira faleceu em 1 de setembro de 1854, e estão seus ossos em um jazigo preparado pela ordem.
Além destas esmolas distribuem-se sete de 25$714 legadas por D. Luiza Clara de Oliveira, falecida em fevereiro de 1870, e doze de 60$000 pelo conselheiro Alexandre Maria de Mariz Sarmento.
Também em 28 de outubro de cada ano, dá a ordem cinco esmolas de 50$000 legadas por D. Henriqueta Amália Barbosa dos Santos.
Dá esmolas mensais a seus irmãos pobres, despendendo anualmente mais de l6:000$000.
Festeja anualmente seu orago, a Senhora da Victoria, e da Conceição, certos atos da semana santa, e em 1838 instituiu a procissão de Enterro, que aboliu em 1866.
Nesta igreja executou o Senado da Câmara em 21 de janeiro de 1816 pomposa solenidade pela elevação do Brasil a reino em 16 de dezembro de 1815.
Montados a cavalo saíram os almotacéis com criados seus conduzindo cavalos à destra, acompanhavam-nos muitos criados da casa real; e precediam-nos, e seguiam-nos duas bandas de música e uma escolta de cavalaria de polícia.
Chegados em frente do paço, leu o pregoeiro o edital da festividade em presença das pessoas reais, repetiu-o em outras ruas, e ao mesmo tempo era o edital afixado nas esquinas, ao som da música e ao ruído dos foguetes. No dia 21 postou-se no Largo de São Francisco de Paula uma guarda de honra; às 10 horas chegou o Senado da Câmara, acompanhado de muitos cidadãos vestidos a corte, com as capas bandadas e chapéus com plumas, precedendo o estandarte conduzido por um cidadão. O templo regurgitava de gente, estando presentes o bispo, o corpo diplomático, e pessoas de hierarquia. Trazendo quatro batedores com as espadas em punho, saíram do paço o príncipe regente e seus filhos em carro puxado a seis; seguiam-se a guarda de cavalaria, o coche de estado e mais dois tirados a seis cavalos conduzindo os gentis-homens e guarda-roupas.
Ornavam as janelas e portas das casas das ruas Direita e Ouvidor sanefas de seda de diversas cores; um monsenhor disse a missa, orou o padre mestre Sampaio, e regeu a música da missa e do Te-Deum o padre José Maurício.
Em maio de 1822 houve nesta igreja um solene ofício fúnebre em sufrágio das vítimas de 17, 18 e 19 de fevereiro desse ano na Bahia; esteve presente o príncipe real Dom Pedro, e orou frei Sampaio.
Em 25 de março de 1831 celebrou o povo neste templo um Te-Deum em festejo do aniversário do juramento da constituição. Tinha havido Te-Deum na Capela Imperial, cortejo no paço e parada no Campo d’Aclamação, comandando Pedro I a tropa. Ao anoitecer começou o Te-Deum em São Francisco de Paula, onde repentinamente apareceu o imperador, sem ser esperado e convidado; de pé acompanhado de seus semanários, assistiu ao ato religioso, tendo recebido uma vela acesa, que ofereceram-lhe.
Quando chegara, fora saudado com vivas – enquanto constitucional, aos quais respondera:
– Sou e fui sempre constitucional.
Orou o padre mestre Monte Alverne; tendo-se construído no largo um coreto, no qual cantou-se um hino composto para esta ocasião, glosando alguns vates o seguinte mote:
Pelo Brasil dar a vida, Manter a constituição Sustentar a independência É a nossa obrigação.
Em 6 de outubro de 1831 declarara-se uma insurreição no corpo de artilharia de marinha estacionado na fortaleza da ilha das Cobras; mas prontas foram as providências do governo; enviou à ilha 600 homens, guardas municipais, e o batalhão de oficiais soldados, assestou uma bateria no adro do Mosteiro de São Bento, dispôs convenientemente os navios de guerra, e investiu contra os rebeldes; o tenente-coronel Jacinto Pinto de Araújo Corrêa, escalando as muralhas, penetrou na praça; seguiram-no outros oficiais e soldados, e intimada a rendição, sujeitaram-se os revoltosos. Mas, no assalto da fortaleza, uma bala atravessou o pescoço do guarda municipal Estevão de Almeida Chaves, que no dia 8 foi sepultado com grande pompa na igreja de São Francisco de Paula, sendo o ataúde do finado conduzido da Rua de São Pedro à igreja pelo comandante geral das guardas municipais, e juízes de paz; atopetavam o largo mais de cinco mil pessoas; os regentes, os ministros de Estado e outras pessoas de hierarquia achavam-se no templo, que estava ornado de preto, muito iluminado, com um catafalco no centro, e orquestra no coro. Jamais presenciara o Rio de Janeiro ato fúnebre tão solene, pelo sentimento e pela concorrência do povo; e tudo foi pago por uma subscrição popular.
Ordenou o governo que a Câmara inscrevesse no livro, destinado a transmitir à posteridade os grandes acontecimentos, o nome do cidadão Estevão de Almeida Chaves [2].
Em 7 de maio de 1826 propôs o irmão secretário Antônio José Ribeiro da Cunha que se fundasse um colégio para os filhos dos irmãos pobres da Ordem dos Mínimos, aprovou-se unanimemente a ideia, que passou em mesa conjunta de 18 de março de 1827; tendo, porém, a ordem de erguer o hospital, não pôde dar princípio ao edifício do colégio. Em mesa conjunta de 8 de março de 1846 pugnou o Dr. Antônio José Coelho Louzada pela realização de tão útil instituição; e para esse fim abriu-se uma subscrição, que elevou-se a mais de 18:000$000, que foram empregados em apólices. Em 1855 opinaram alguns irmãos, para que em vez das obras da igreja se desse começo ao asilo, que seria construído ao lado esquerdo do templo, onde existe uma casa antiga com uma porta no primeiro pavimento e três janelas no segundo, a qual serve de moradia do sacristão; mas assim não se decidiu, e o colégio ainda não foi começado.
A Ordem dos Mínimos tão humanitária, e que por emblema tem a palavra caridade, ela que ampara seus irmãos indigentes, dá-lhes um leito na doença, um jazigo no cemitério, senão deve esquecer dos meninos desamparados, filhos daqueles, que foram seus irmãos, que alistados na mesma confraria, esforçaram-se por engrandecer a religião de Cristo, e propagar as virtudes do santo ermitão da Calábria.
Educar o órfão, fazer do menino desvalido um cidadão útil, é praticar uma ação sublime, e a Ordem de São Francisco de Paula, que tantas vezes repete nas frontarias de seus edifícios a palavra charitas, deve dar a esta expressão todas as significações sublimes, que ela pode ter; exprima esse vocábulo no pórtico da igreja religião, – na portaria do hospital misericórdia, – nos umbrais do cemitério – piedade, e no frontão do colégio – instrução.
Notas
- Agradecemos ao Senhor escriturário Luiz José da Rocha a bondade com que facilitou-nos os documentos relativos à ordem de São Francisco de Paula.
- Veja na Revista do Instituto Histórico, tomo 34, pág. 276 a memória intitulada Sedição Militar na ilha das Cobras em 1831 pelo Dr. Moreira de Azevedo.
Fonte
- Azevedo, Manuel Duarte Moreira de. O Rio de Janeiro: Sua História, Monumentos, Homens Notáveis, Usos e Curiosidades. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1877. 2 v. (É a segunda edição do “Pequeno Panorama” 1861-67, 5 v.).
Livro digitalizado
- Internet Archive – Primeiro Volume (pág. 229)
Mapa – Igreja e Cemitério de São Francisco de Paula