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Jardim Botânico, por Spix e Martius

Saracura do Mato no Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Saracura do Mato no Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Algumas vezes tomávamos pela rua da Praia de Botafogo, na direção da Lagoa Rodrigo de Freitas, uma hora distante, onde está a real fábrica de pólvora e uma escola de plantação para vegetais estrangeiros, que é chamada Jardim Botânico. O caminho ora segue na encosta da montanha de granito, por entre moitas floridas de Murtas, Tournefortias, Securidacas e Paulíneas, em cujos ramos vimos pela primeira vez vivo um escaravelho brilhante [1], ora coleando pela beira-mar, coberto de altas samambaias, capins tropicais e Orquidáceas, oferecendo a maior variedade, e quase nunca está deserto, porque muita gente da cidade possui neste lugar as suas casas de campo. A praia forneceu-nos ali, na verdade, alguns exemplares de estrelas-do-mar, ouriços, diversas conchas, insetos e ervas marinhas; somente aqui nos ocorreu uma observação, que se confirmou por toda parte, no prosseguimento da nossa viagem, isto é, que esses animais e plantas, tão abundantes nas costas dos mares do norte, são menos numerosos na zona quente, e sobretudo no Brasil ainda são mais raros do que na Índia Oriental. Parece que esses organismos noturnos e incompletos existem em número maior nos climas frios, e, pelo contrário, as formas mais perfeitas são abundantes nos climas quentes. Talvez também a profundidade do oceano nas costas do Brasil, que é muito mais considerável do que as dos mares da Índia Oriental, seja o motivo da maior raridade dos habitantes do mar.

A fábrica de pólvora e a residência do Sr. João Gomes Abreu, Coronel do Corpo de Engenheiros, um amável e ilustrado brasileiro, de Minas Gerais, diretor da Fábrica e do Jardim Botânico, estão circundadas, de um lado com rochas cobertas de matas, do outro pela Lagoa Rodrigo de Freitas, que se leva mais ou menos meia hora a atravessar, num sítio onde pairam o mais perfeito silêncio e sossego.

Thomas Ender – Fábrica de pólvora
Thomas Ender – Fábrica de pólvora

Atrás das casas está situado o dito Jardim Botânico. Diversas belas alamedas de árvores do pão do Oceano Pacífico (Artocarpus incisa), itós de folhagem cerrada (Guarea trichilioides) e mangueiras cortam a plantação, dividida em quadrados regulares, cujo mais importante objeto de cultivo é o arbusto do chá chinês. Até agora estão plantados seis mil pequenos pés, a três pés de distância um do outro, em filas. O clima parece ser favorável ao seu crescimento; floresce nos meses de julho até setembro, e as sementes amadurecem perfeitamente. Também este exemplo confirma, além de outras tentativas da cultivação de plantas asiáticas na América, que sobretudo a igualdade da latitude convém à prosperidade das mudas. O chá é deste modo tão perfeitamente cultivado, como na própria China, plantado, colhido e torrado. O governo português dedica especial atenção à cultura desse vegetal, cujo produto da China é anualmente transportado para a Inglaterra no valor de um milhão de escudos. O Ex-Ministro, Conde de Linhares, mandou vir uns cem colonos chineses, a fim de tornar conhecida a vantagem do cultivo e do preparo do chá. Esses chineses não eram os tais habitantes da costa, que por miséria se exilam da pátria para Java e as ilhas vizinhas, e ali, como os galegos da Espanha e Portugal, procuram trabalho; eram gente escolhida do interior, perfeitamente a par do cultivo do chá. A maioria desses chineses não mora atualmente no Jardim Botânico, porém nos arredores da Fazenda Real, de Santa Cruz, a não serem uns poucos, que, sob a direção do Cel. Abreu, são empregados no cuidado das mudas de chá e na colheita e preparo das folhas. A colheita é feita três vezes por ano, as folhas são levadas a fornos de barro, de calor pouco intenso, onde secam e são enroladas. O diretor do estabelecimento deu-nos para provar chá de diferentes espécies. O sabor era forte, porém, longe de ser tão finamente aromatizado como o das melhores espécies chinesas, era um tanto áspero e terroso. Esta desagradável propriedade não deve, entretanto, desanimar de todo esse ramo da incipiente cultura, pois é natural consequência da aclimação ainda não completada. Além da árvore do chá, mostraram-nos ainda diversas plantas da Índia Oriental, a caneleira (Laurus Cinnamomum), o craveiro da Índia (Caryophyllus aromaticus), a pimenteira (Piper nigrum), o gneto (Gnemon Gneton), a noz-moscada (Mirystica moschata), a caramboleira (Averrhoa Carambola), cujas frutas ácidas têm muito bom sabor na sopa, etc. Embora parte destas árvores tenha apenas um ano de idade, já a maioria deu frutos. Cuidadoso e perseverante trato fará aclimar aqui todas essas plantas, pois o Novo Continente foi preparado pela natureza para hospedar os produtos de todos os climas e aperfeiçoá-los tais como eram na sua pátria de origem.

A fábrica de pólvora existente na vizinhança do Jardim Botânico é a única no Brasil, além de um pequeno estabelecimento particular em Minas que foi igualmente criado por privilégio real. A sua produção não pode entretanto orgulhar-se de ser como a boa mistura que se importa da Europa, porém que aqui é quase proibida. Presume-se que tal aconteça devido em parte à natureza, não correspondente a este clima, do salitre que vem das colônias portuguesas da índia Oriental e das cavernas do Rio São Francisco para o Rio; e devido também em parte à qualidade do carvão empregado no fabrico da pólvora. Nós não sabíamos que carvão se preparava aqui; porém na viagem ao interior, onde a compra da pólvora da costa é muito difícil e cara por causa dos consideráveis impostos sobre a pólvora estrangeira, asseguraram-nos alguns sertanejos, que para o seu uso particular preparavam uma pólvora bem resistente conforme a conhecida mistura com carvões de diversas espécies da Corindiúva (Celtis). Todavia é proibido aos naturais o preparo de qualquer pólvora, embora muito inferior à inglesa em força e resistência.

Nota

  1. Curculio imperialis.

Fonte

  • Spix, Johann Baptist von; Martius, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil. Tradutora d. Lucia Furquim Lahmeyer, bibliotecária do Instituto; Revisores, o dr. B.F.Ramiz Galvão e o prof. Basílio de Magalhães, que foi também o anotador. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938. (Tradução brasileira promovida pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro para a comemoração do seu centenário).

Livro original

Veja também

Mapa - Jardim Botânico do Rio de Janeiro