Monumento a Dom João VI, por Diário de Notícias
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D. João VI, vigésimo sétimo rei de Portugal, segundo filho da rainha D. Maria e de D. Pedro III, nasceu em Lisboa no ano de 1767. Reinou de 1816 a 1826, tendo exercido a regência desde 1792 até o falecimento de sua mãe; nos períodos mais agitados da história portuguesa. A guerra de Roussilon, em 1793, a guerra com a Espanha e o tratado de paz de Badajoz, que lhe pôs termo (1801), marcam os primeiros tempos da regência. Em 1807, Napoleão Bonaparte, imperador dos franceses, assina em Fontainebleau, com a Espanha, um tratado que suprimia o reino de Portugal da carta política da Europa e dividia o território português em três Estados. Um exército comandado por Junot invadiu Portugal em 1807. Na véspera da sua entrada em Lisboa, isto é, em 29 de novembro, a família real, a corte e muitos outros fidalgos haviam embarcado para o Brasil, conduzindo riquezas consideráveis. Enquanto o povo português lutava heroicamente para expulsar do seu solo o invasor, na guerra peninsular, o príncipe regente ocupava-se de administrar e desenvolver o Brasil, onde a sua ação era mais desafogada e o campo muito mais vasto para a sua habilidade política e para as suas concepções administrativas. Em que pese o julgamento da personalidade tão discutida de D. João VI, como homem e como soberano, envolvendo a sua memória, através de mais de um século, foi ele o criador de uma obra afortunada e o fundador do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Estabelecendo a corte no Rio de Janeiro, D. João publicou no dia 1 de maio um manifesto de guerra à França, escrevendo nesse documento as seguintes palavras: “A Corte levantará a sua voz do seio do novo império que vai criar”. Em seguida, mandou uma expedição de 900 soldados, sob o comando do coronel Manuel Marques, atacar a Praça de Caiena (Guiana Francesa), cuja guarnição capitulou em janeiro de 1809, tendo sido esta colônia mais tarde, 1817, restituída à França.
Foi muito proveitosa para o Brasil a permanência aqui da família real, pois D. João VI fundou, além de todas as repartições necessárias à nova capital da monarquia, o Banco do Brasil, a Imprensa Régia, a Biblioteca Pública, a Academia de Marinha, a Escola Médico-Cirúrgica, a Escola de Belas Artes, servida por profissionais franceses de reputação e de talento, o Jardim Botânico, a fábrica de pólvora e várias outras instituições civis e particulares. Os progressos marcados nessa época foram de tal sorte que o Brasil passou, de colônia que era, a país quase independente, sendo elevado, no dia 26 de dezembro de 1815, à categoria de Reino Unido ao de Portugal e Algarves. Em março de 1816, tendo falecido no Rio de Janeiro a rainha D. Maria I, a “Piedosa” ou a “Louca”, o príncipe regente tomou o título de rei, passando a assinar-se D. João VI. Sempre manifestou o soberano grande estima pelo Brasil, tanto assim que, tendo cessado os motivos que determinaram a fuga para o Brasil, continuou ainda durante muito tempo a viver neste país. A administração do reino, em Portugal, estava a cargo de uma regência, que Beresford dominava completamente. A revolução de 1820 substituiu a regência por uma junta provisória e convocou as cortes. Estas redigiram uma constituição, que D. João VI, quando ela chegou ao seu conhecimento, declarou aprovar e querer também aplicar ao Brasil, já então elevado a Reino. Partiu em seguida para Portugal, em 25 de abril de 1821, deixando o seu filho D. Pedro como príncipe regente do Brasil. Chegado a Lisboa, jurou a constituição, que sua mulher D. Carlota Joaquina se recusou a reconhecer, sendo, por isso, exilada para a quinta do Ramalhão, onde, com seu filho, o infante D. Miguel, promoveu, em 1823, uma contrarrevolução, que restabeleceu o absolutismo. A esse tempo, o príncipe D. Pedro havia já proclamado a independência do Brasil e aceitado o título de Imperador (setembro de 1822). Em 1824, O movimento que ficou conhecido sob o nome de “Abrilada” obrigou D. João VI a recolher-se a bordo de uma nau inglesa. Este novo ato de ingratidão e revolta de seu filho (D. Miguel) afetou profundamente o velho monarca, cuja saúde muito se ressentira já do dissabor que lhe causara a perda do Brasil.
D. João VI faleceu em 1826, deixando o reino confiado a uma regência, presidida por sua filha, a infanta D. Isabel Maria.
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A inauguração do monumento a D. João VI ocorreu na tarde do dia 13 de junho de 1908, quando se comemorava o centenário do Jardim Botânico. O Dr. Barbosa Rodrigues, então diretor do Jardim, querendo dar justo relevo a essa comemoração, organizou para o ato uma expressiva solenidade, a que assistiram o presidente Afonso Pena, altas autoridades do país e pessoas de representação social e política. O chefe do Governo fazia-se acompanhar do Sr. Miguel Calmon, Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, e dos membros de suas Casas Civil e Militar. Na mesma ocasião chegavam ao Jardim Botânico os alunos do Instituto Profissional Masculino, precedidos da respectiva banda de música, e os alunos do Internato do Ginásio Nacional, tendo à frente uma banda de música do Exército e outra do Batalhão Naval, acompanhada por vinte praças da mesma unidade.
Ao som do Hino Nacional, o Presidente da República encaminhou-se para o local do monumento, que estava ornamentado com escudos e bandeiras, lembrando as diversas fases do governo que tem tido o país, isto é, Brasil Colônia, Brasil Reino, Brasil Império e Brasil República. Os empregados do Jardim Botânico, uniformizados e empunhando os instrumentos de trabalho, rodeavam o monumento. Nos quatro ângulos do pedestal do mesmo, prestavam a guarda de honra quatro praças do Batalhão Naval. O diretor Barbosa Rodrigues convidou o Presidente da República e o Ministro da Viação a inaugurarem o busto de D. João VI, que foi descoberto sob aplausos dos presentes, enquanto se ouvia o Hino Nacional.
O diretor do Jardim Botânico usou da palavra, então, para enaltecer a obra realizada no Brasil por D. João VI, muito especialmente referindo-se ao ato que criou o Jardim Botânico, ao interesse e à dedicação que o mesmo sempre revelou por aquele campo de aclimação e de desenvolvimento do cultivo das plantas.
Em seguida, foi distribuída entre os presentes a “Memória Histórica do Jardim Botânico”, encerrando-se a cerimônia.
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O monumento a D. João VI, que se ergue no Jardim Botânico, está localizado em frente à “Palma Mater”[1], plantada pelo soberano em 1808, circundado por um gradil de ferro, tendo ao pé uma placa de mármore com a seguinte inscrição: – “Jardim Botânico. Oreodoxa Oleracea. Mart. Palma Mater – das de sua espécie cultivadas no Brasil. Plantada por D. João VI em 1808”. O monumento é simples, mede 5 metros de altura e apresenta o busto, em bronze, de D. João VI assentado sobre um pedestal de granito trabalhado. Numa das faces foi incrustado um bronze reproduzindo os brasões do soberano, tendo abaixo a seguinte inscrição: “D. João VI, fundador deste jardim”.
Outras homenagens evocativas do Governo de D. João VI estão assinaladas em vários edifícios públicos desta capital, onde se encontram bustos em mármore e em bronze, do monarca português. Entre outros, destacam-se os existentes na Escola Nacional de Belas Artes, na Biblioteca Nacional e no saguão da Associação Comercial.
Notas
- ↑ Palma Filia: Palmeira Imperial Roystonea oleracea (Jacq.) O. F. Cook (Palmae) Originária da região do Caribe. Plantada em substituição a Palma Mater, fulminada por um raio em 1972, a Palma Filia é oriunda de uma semente da palmeira original.
Fonte
- Publicado na edição de 20 de agosto de 1944 do jornal Diário de Notícias.
Mapa - Monumento a Dom João VI no Jardim Botânico do Rio de Janeiro