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Rua São Pedro, por Noronha Santos

PIANTA della cittá di S. Sebastiano di Rio de Janeiro. Nápoles [Itália]: Real Litografia Militare, 1844. Acervo digital da Biblioteca Nacional.
PIANTA della cittá di S. Sebastiano di Rio de Janeiro. Nápoles [Itália]: Real Litografia Militare, 1844. Acervo digital da Biblioteca Nacional.

RUA SÃO PEDRO – Tão antiga quanto as ruas da Alfândega e do Sabão, na parte compreendida entre o litoral e a Rua dos Ourives, já estava cordeada antes de 1620 e um dos primeiros nomes com que a crismaram foi Antônio Vaz ou Antônio Vaz Viçoso, no trecho entre o mar e a Rua da Quitanda. Viçoso obteve em 23 de maio de 1642 uma dada de terras de sobejos em Campo Grande e residia nesse ano na rua que é objeto destas anotações.

Uma das mais antigas correições dos ouvidores do Rio de Janeiro – a do desembargador João de Souza de Cardena, de 16 de abril de 1624 (Correições – de 1624 a 1699 – pág. 9), faz referência às terras de Aleixo Manuel – o velho – da ponte de Álvaro Pires até São Pedro. Este registo, publicado em 1894 por Melo Morais Filho no 1.º volume da revista – Arquivo do Distrito Federal (pág. 402), concorreu para estabelecer, durante te algum tempo, certa confusão acerca da localização da Igreja de São Pedro. A ponte de Álvaro Pires ficava junto ao Convento do Carmo e o São Pedro, de que trata a correição, não pode ser outro senão o da capela da irmandade de São Pedro Gonçalves, onde se vê atualmente o templo da Cruz dos Militares.

Em suas preciosas Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro (Revista do Instituto Histórico – tomo 95 – Ruas Antigas – II), o douto Vieira Fazenda cita uma escritura de 9 de outubro de 1682 – pela qual Domingos Garcia vendera a Joana Corrêa uma casa na Rua João Mendes – o caldeireiro – que partia de uma banda com casas de Sebastião e Joana Dias e de outra se encontrava com quintais e uma capela da Igreja da Candelária.

Desde aquele ano a esquina da Rua da Candelária ficou conhecida por canto de João Mendes – o caldeireiro.

Antônio Carneiro ou o licenciado Antônio Carneiro, deu o nome ao trecho do começo até a Rua da Quitanda. Cirurgião do Hospital da Misericórdia, nomeado pelo provedor Inácio de Andrade Souto Maior (1699-1701), com o ordenado anual de 32$, fora um dos mais importantes moradores da rua. Em documentos que alcançam a metade do século XVIII, encontra-se com frequência aquela denominação.

Edificada a Igreja de São Pedro, a partir de 1742 teve o logradouro um só nome – o do príncipe dos apóstolos, embora permanecessem bem vivas na tradição oral as antigas nominações de – João Mendes, Antônio Carneiro e até a de Antônio Vaz – que fora a primeira crisma na era seiscentista. Tal a tradição arraigada na linguagem do povo, que em requerimento de José de Azevedo e sua mulher, datado de outubro de 1781, pediam eles, ao Senado da Câmara, licença para edificar na antiga rua de Antônio Vaz Viçoso.

O prolongamento da Rua São Pedro compreendeu duas porções distintas; da vala da cidade até o caminho do Valongo (no trecho desaparecido com o novo traçado da Rua do Sacramento, atual Avenida Passos) e daquele caminho até o Campo de Sant’Ana – quando se retalhou a chácara de Manuel Casado Viana, foreira ao Senado da Câmara, e cujos herdeiros mantiveram célebre demanda com a Edilidade, terminando o pleito judicial em 1818.

Da vala para o Campo de Sant’Ana, outras denominações foram conhecidas: caminho que vai para o cemitério dos mulatos, por motivo da pequena necrópole da irmandade de São Domingos – e caminho da forca – quando o patíbulo era levantado na Praça Nova, que depois se tornou mercado do capim ou Praça do Capim, entre as ruas São Pedro e do Sabão.

Projetos de melhoramentos – Em 1790, Francisco de Oliveira obtinha do Senado da Câmara um mandado de pagamento da quantia de 848$, por obras de aterro que fizera nessa rua e em outras, que, de 1800 a 1816, foram novamente beneficiadas, executando trabalhos de maior amplitude Joaquim José Rodrigues. Em meados de 1821, o alfaiate José Vieira Leão reclamava providências imediatas, para que se fizesse o aterro de um charco, que dava lugar a que, por vezes, as seges e os carros perdessem os animais. Em 1824 estava completamente aterrado esse charco, nas proximidades do campo, mas os entulhos impediam o tráfego regular de veículos – como se depreende da portaria do Ministro Clemente Ferreira França, de 4 de junho, dirigida à Municipalidade.

No Jornal do Comércio, de 19 de abril de 1839, figura uma reclamação de negociantes que eram obrigados a transitar pela rua, em direção à estiva da Alfândega e à mesa do Consulado. Queixavam-se eles da péssima conservação das calçadas e solicitavam do presidente da Câmara Municipal medidas administrativas, que fizessem cessar os inconvenientes apontados.

Desde 1801 cuidara-se, no entanto, com certo interesse, das obras das calçadas, tendo nesse ano construído muitas braças de passeios o empreiteiro Francisco Xavier de Matos Pimentel. Muito mais tarde, em 1837, procedeu-se na extensão de 897 braças o calçamento regular – da Rua dos Ourives para o campo, mas feito de forma a dar lugar a inúmeras reclamações dos moradores.

A portaria do Ministério do Império, de 3 de novembro de 1840, determinou à Câmara Municipal fizesse consertar e calçar a rua – “por onde tem de passar Sua Majestade o Imperador no dia 2 de dezembro”. De 1844 a 1852, incumbiram-se das obras de calçamento Manuel Gomes dos Santos, José Quintela e Rafael M. de Melo. Para o calçamento aperfeiçoado, aprovou o governo imperial em 25 de junho de 1853 o ato da Municipalidade que mandara contratar cinquenta calceteiros em Portugal.

De 1854 em diante, o recalçamento da Rua São Pedro, como de outras do centro comercial da cidade, ficou a cargo dos empreiteiros Antônio Soares de Moura e Joaquim José de Melo Carrão, engenheiros Carlos Rivière e Cristóvão Bonini (contratos celebrados em 1860 para a pavimentação a paralelepípedos).

Entre a Rua Primeiro de Março e Visconde de Itaboraí executou-se, em 1896, o calçamento pelo sistema pavimento sanitário fluminense, invenção de José Simão da Costa. Posteriormente, construiu-se sob a gestão administrativa do prefeito Passos, o calçamento, a asfalto, que tem sido renovado em diferentes épocas.

A 14 de novembro de 1891 considerou o governo federal (decreto n. 665) de utilidade pública a desapropriação de prédios e terrenos compreendidos na área formada pelas ruas São Pedro, Núncio, General Câmara e Praça da República, para ampliar o edifício da Prefeitura, acomodando melhor todas as suas repartições. A ocupação da aludida área, com o aumento do edifício, só foi iniciada, porém, na administração Passos.

Dentre os prédios que desapareceram, estava uma velha habitação, na Rua do Núncio, esquina da de São Pedro, e a qual se refere Escragnolle Dória, na revista Eu sei tudo, de dezembro de 1919, sob o título A casa dos Morcegos.

Expansão predial – a primeiro lançamento para a cobrança da décima urbana, em 1808, coletou 335 prédios na velha Rua São Pedro – dos quais 162 estavam situados do lado direito e 173 do lado esquerdo. Eram das mais antigas habitações, uma morada de casas de sobrado, que haviam pertencido aos padres da Companhia de Jesus, avaliada na época da confiscação de bens desses religiosos em 3:000$ e adquirida, a 26 de novembro de 1801, na Junta da Real Fazenda, pelo tenente Joaquim Ribeiro de Almeida, por 2: 609$. (Bens dos jesuítas – Cópias autênticas). Nas imediações do sobrado de Ribeiro de Almeida, registemos outra casa, também de dois pavimentos, comprada a 3 de julho de 1816 por Antônio de Almeida Carvalho, pela quantia de 500$, por se achar arruinada.

Na esquina da Rua da Quitanda, João Pedro Ferreira da Veiga e seu irmão Evaristo Ferreira da Veiga – o grande publicista da Regência e redator principal da Aurora Fluminense – instalaram em 1823, livraria que, em pouco tempo se tornou num dos centros irradiadores da oposição ao primeiro reinado. No excelente livro de Veiga Miranda – O Panfletário do Primeiro Reinado, encontrará o leitor minudentes informes relativos à histórica livraria – a cujas portas chegou a orgia do foguetório e das manifestações brasilófobas, na célebre noite das garrafadas, a 14 de março de 1831.

O autor de Notices of Brazil [1], assinala em 1828 para a antiga Rua São Pedro da Cidade Velha, e para a que lhe ficava fronteira, na face do Campo de Sant’Ana – onde começava o Aterrado – 655 prédios (incluindo neste número os imóveis da atual rua Senador Euzébio).

No mesmo ano, vendeu Francisco Rosa das Chagas, por 2:500$, uma morada de casas, avaliada quatro anos antes por 1:800$ e a João da Costa Passos coube por partilha dos bens deixados por Antônio da Costa Passos – uma morada de casas avaliada por 5:000$ – como se vê de um registro do tabelião José Pires Garcia, datado de 12 de dezembro de 1828.

Curvelo Cavalcanti em sua Nova Numeração da Cidade, dá-nos dos 324 prédios existentes em 1877, a seguinte discriminação: térreos – 148; assobradados – 129; de dois pavimentos – 42 e de três – 2. Vinte nove anos depois, o recenseamento municipal de 20 de setembro de 1906 registava 262 imóveis, dos quais eram de um pavimento – 33; de dois – 165; de três 58 e de quatro pavimentos – 6.

Em 1903 desapareceram alguns prédios para o prolongamento da Rua do Sacramento e a abertura da Avenida Central. Com o alargamento da Rua Uruguaiana desapropriaram-se os imóveis de numeração antiga 115 a 123 e 134 a 138. O censo federal de 1920 (1 de setembro) encontrou 255 prédios nessa rua, com a seguinte discriminação: térreos – 10; de dois pavimentos – 178; de três – 62; de quatro – 5.

Pelo arrolamento predial de 1933, procedido pelo Departamento Nacional de Estatística, existiam nesse ano 253 imóveis na Rua São Pedro: eram térreos – 5; de dois pavimentos – 170; de três – 66; de quatro – 10; de cinco – 1 e de mais de cinco pavimentos – 1.

Sirvam estas anotações de bem reduzido histórico do velho logradouro, que dentro em breve desaparecerá da nomenclatura das vias públicas cariocas. Para a abertura da Avenida Getúlio Vargas estão sendo demolidos os prédios do lado da numeração ímpar.

Até março de 1943 já estavam derribados todos os imóveis que se levantavam da Rua Uruguaiana à Avenida Tomé de Souza. No número dos desapropriados, que ainda não foram demolidos – contava-se a Igreja de São Pedro, cujas paredes ruirão dentro de pouco tempo.

Notas do Editor

  1. WALSH, R. (Robert), 1772-1852 – Notices of Brazil in 1828 and 1829 – London, F. Westley and A. H. Davis – 1830

Fonte

  • Anotação de Noronha Santos na introdução do livro Memórias para Servir à História do Reino do Brasil

Imagem destacada

  • PIANTA della cittá di S. Sebastiano di Rio de Janeiro. Nápoles [Itália]: Real Litografia Militare, 1844. 1 planta, col., 42,1 x 64,5. Acervo digital da Biblioteca Nacional.

Mapa - Rua São Pedro, incorporada à Avenida Presidente Vargas