Canal do Mangue, por Noronha Santos
![PIANTA della cittá di S. Sebastiano di Rio de Janeiro. Nápoles [Itália]: Real Litografia Militare, 1844. Acervo digital da Biblioteca Nacional. PIANTA della cittá di S. Sebastiano di Rio de Janeiro. Nápoles [Itália]: Real Litografia Militare, 1844. Acervo digital da Biblioteca Nacional.](/img/bn/bn-Pianta-della-citt%c3%a1-di-S.-Sebastiano-di-Rio-de-Janeiro-cart326111-Aterrado.jpg)
CANAL DO MANGUE – A necessidade de sanear grande área da Cidade Nova, foco de mosquitos e infecções, propiciou a ideia de se construir no governo de D. João VI, um canal navegável – do rossio pequeno à Ilha de João Damasceno ou dos Melões, alargando-se a vala que, ainda em 1820, servia à navegação de barcos e balsas. Nada se fez nesse sentido naquela época, levantando-se, porém, sobre o mangue uma ponte para a passagem do monarca e sua comitiva, da Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, para o paço real na cidade.
Por decreto de 16 de junho de 1835⁽¹⁾ ficou a Municipalidade autorizada a demarcar no mangue da Cidade Nova o local para um canal, mercados e abertura de praças e ruas, nos terrenos de marinhas reclamados do governo do Império. Anteriormente àquela data, lavrara-se na Câmara Municipal, a 27 de setembro de 1833, um termo de alinhamento e demarcação de terrenos, junto às ruas do Sabão – (Visconde de Itaúna), e São Pedro da Cidade Nova ou do Aterrado (Senador Euzébio), de acordo com o plano e parecer do vereador Francisco Alves de Brito, que só foram aprovados a 3 de março de 1838. A esse tempo, mais ou menos, voltava à baila da discussão antigo projeto do Juiz de Fora, presidente do Senado da Câmara, José Clemente Pereira, a respeito de um canal que fosse ter à Rua Direita.
Dos projetos mais exequíveis, em condições de melhor servirem ao interesse público, registemos o de Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, futuro Visconde de Sepetiba, em 1838 – e que facultaria ampla drenagem do canal a construir. Araújo Viana, numa de suas crônicas publicadas na A Notícia (24 de dezembro de 1901) discrimina a proposta apresentada naquele ano e pela qual os possuidores de terrenos no mangue de um e outro lado da Rua do Aterrado ou São Pedro da Cidade Nova, ficariam obrigados a aterrá-los no prazo de dois anos, e se o não fizessem perderiam a posse deles.
O governo municipal trataria de aforar os demais terrenos devolutos a quem os quisesse tomar sob aquelas condições. Aconselhava o proponente que se desse princípio a um canal paralelo à Rua do Aterrado, ligando-o ao mar, terminando na praça ou rossio pequeno – e tendo um braço que se estenderia ao local destinado à casa de correção. Seriam arborizadas as alamedas do canal, erguidas nas ruas laterais casas de morada e pontes de acesso de uma à outra margem.
Em 1853, o vereador Haddock Lobo solicitou à Câmara Municipal representar ao governo imperial sobre a utilidade do melhoramento planejado pelo conselheiro Aureliano Coutinho e a 26 de novembro de 1855 participava o ministro do Império, conselheiro Luiz Pedreira do Couto Ferraz (posteriormente Visconde do Bom Retiro), que Irineu Evangelista de Sousa (mais tarde Barão de Mauá) se encarregara de construir, por administração, 50 braças do canal. Lançou-se a pedra basilar da importante obra a 21 de janeiro de 1857, retardando-se a aprovação do respectivo contrato, que só foi decretado a 6 de março do ano seguinte, no ministério presidido pelo Marquês de Olinda.
Em 1861, a lei de 14 de setembro autorizou a despesa de 310:000$ com a construção – que se elevaria a 1.378:000$, porquanto, obras suplementares, das quais se não haviam cogitado e deixaram de ser orçadas, exigiram maior dispêndio. O engenheiro inglês William Gilbert Genty, que acompanhou Mauá em vários empreendimentos, construiu, como diretor técnico, as primeiras quatro pontes sobre o canal, ligando as duas ruas paralelas. Transcorridos três anos do início das obras, a 7 de setembro de 1860, inaugurou-se o Canal do Mangue – coincidindo a solenidade, que foi muito concorrida, com a do término da construção do gasômetro, com frente para a Rua do Aterrado.
Realizava o grande Irineu Evangelista de Souza mais um dos muitos empreendimentos do seu gênio construtivo. Acerca desse sempre lembrado precursor de notáveis melhoramentos que demarcaram novos rumos à civilização brasileira, acaba de divulgar Cláudio Ganns – seu ilustre descendente – a Autobiografia do Visconde de Mauá, trabalho de raro merecimento e exaustivamente documentado (2.ª edição da livraria Zelio Valverde – 1943).
Em 1869, o industrial João Eduardo Lajoux propunha-se a prolongar o canal até o mar e rearborizar as suas alamedas – conforme as indicações ministradas pelo Dr. José Pereira Rego (Barão de Lavradio).
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A comissão de melhoramentos do Rio de Janeiro, constituída pelos engenheiros Francisco Pereira Passos, Jerônimo Rodrigues de Morais Jardim e Marcelino Ramos da Silva, opinava em seu relatório de 1875, que se fizesse uma galeria coberta e se prolongasse o canal, de um lado em direção ao mar e de outro, até o Bairro do Andaraí – de modo a converter em realidade o primitivo projeto que aconselhara a sua abertura. De algum modo, o parecer da comissão de melhoramento refletia a proposta que, a 4 de março de 1871, apresentara à Câmara Municipal o vereador Manuel Joaquim Fernandes Eiras.
Em maio de 1876, de acordo com o contrato de 12 de fevereiro, iniciou-se o assentamento do gradil para fechar as duas margens e desobstruir o lodo, “cujas exalações envenenavam a atmosfera”.
Para o ativamento de aterro dos pântanos próximos ao canal e prolongamento deste, várias propostas foram aceitas pelo governo imperial, salientando-se as referidas nos decretos n. 7.181, de 8 de março⁽²⁾ e n. 7.302, de 24 de maio de 1879⁽³⁾ A primeira dessas concessões pertencia ao Dr. Possidônio de Carvalho Moreira – autorizado a arrasar o Morro do Senado e a aterrar os pântanos, terrenos de mangue e acrescidos, compreendidos na área entre aquele morro e as ruas Conde d’Eu, Estácio de Sá e Visconde de Itaúna e daí, pela Rua São Cristóvão até o mar. A segunda concessão foi dada ao engenheiro Luiz Rafael Vieira Souto e outros, autorizando-os a aterrarem a área compreendida entre as ilhas dos Melões e das Moças – e a arrasarem a nível os morros existentes nas referidas ilhas e parte do Morro do Pinto – rodeando com um cais essa parte do litoral. Regularizariam, além disso, o curso do Canal do Mangue – até o Hospital dos Lázaros. A execução desses melhoramentos, durante algum tempo, ficou adiada em consequência de litígio entre os concessionários.
Ponderava em 1884 o engenheiro Antônio de Paula Freitas em sua memória acerca do saneamento da cidade, sobre o plano de continuação do canal, que deveria ser refeito e melhor estudado, em virtude da canalização dos rios que nele desembocavam, afim de não se repetirem as inundações como as de fevereiro de 1882 e de 1883. Aconselhava, portanto, obras de engenharia que reunissem num só, os leitos dos rios originários do Rio Comprido, da Tijuca e do Andaraí – o Iguaçu dos antigos ou Rio Comprido, o Maracanã e o Joana.
No relatório do engenheiro Jules Jean Rèvy, apresentado a 28 de julho de 1886, ao ministro do Império, conselheiro Barão de Mamoré sugeria o ilustre profissional outros planos em torno do saneamento do canal.
A 31 de outubro de 1891, o Ministério do Interior e Justiça remeteu à Municipalidade vários projetos que em diferentes épocas haviam sido submetidos à deliberação do governo e, entre esses, os seguintes:
Arrendamento do canal – para nele serem construídos um estabelecimento balneário, habitações e dormitórios higiênicos – (Dr. Manoel Leocadio Cordeiro – 1885);
Avenida – que da Praça da República alcançaria o canal, daí partindo dois boulevards – um para Tijuca e outro para Cascadura (Dr. Antônio Neves da Rocha);
Mercado – à margem do canal (Dr. Antônio Ferreira Pontes) e
Boulevard – compreendendo as alamedas do canal e estabelecimento de um grande mercado, ocupando as duas margens (Morris Kohn).
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Julgava o Ministério do Interior imprescindível para adoção de qualquer desses projetos, o compromisso dos proponentes de realizarem os melhoramentos indicados pelo engenheiro Rèvy, citados pelo aviso do Ministério do Império, de 27 de junho de 1887, dirigido à Câmara dos Deputados; devendo, sobretudo, respeitarem os proponentes os direitos da Empresa Industrial de Melhoramentos e a concessão contida no Decreto n. 849, de 11 de outubro de 1890⁽⁴⁾.
A utilização das alamedas marginais, lembrada pela imprensa em fins de 1897, para desafogar o tráfego de veículos pelas ruas Senador Euzébio e Visconde de Itaúna, foi adotada pelo engenheiro Silva Teles, diretor das obras municipais, como se verifica de seu relatório, referente ao ano de 1898, no qual, tratando da improficuidade dos planos e pareceres divulgados, acrescentava: “O Canal do Mangue continuará a ser mantido por uns sonolentos enxadões, que de hora em hora, mergulham à cata do lodo e este continuará a ser o único ornamento dessas alamedas de belas palmeiras…”
No quadriênio presidencial do Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, remodelada a cidade, o antigo projeto de prolongamento do canal até o mar foi incorporado ao plano das obras custeadas pelo governo federal e, em junho de 1903, a comissão dos melhoramentos do porto do Rio de Janeiro estudou a modificação a executar num plano anterior, que consistira apenas no calçamento das alamedas e na remoção do gradil de ferro para as bordas canal, pequenos melhoramentos que se iniciaram a 8 de setembro de 1902.
A 1 de maio de 1905 inauguraram-se as obras de um trecho do canal, referidas numa crônica da revista Kósmos daquele mês e ano.
A 12 de outubro de 1907 trafegaram no viaduto erguido sobre o canal, os primeiros comboios da Estrada de Ferro Central do Brasil.
O prolongamento do Canal do Mangue até o cais do porto, projetado e começado sob o governo de Rodrigues Alves, foi uma das grandes realizações do Ministro da Viação, Lauro Müller. “Em quatro anos de governo – escreve Gastão Pereira da Silva – Rodrigues Alves fez mais que o segundo Império em meio século.
E quando mais nada fizesse, bastaria o saneamento para o colocar entre as primeiras energias do Brasil e dentre aqueles que souberam amar, no sentido mais puro da expressão, a terra do Brasil.” (Rodrigues Alves e sua época).
Notas do editor
- Decreto nº 5, de 16 de Junho de 1835 – Concede à Câmara Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, para o estabelecimento de mercados, praças e logradouros públicos, os terrenos de marinha que ela tem reclamado; e autoriza a mesma Câmara para mandar demarcar no mangue da cidade nova o local para um canal, e as ruas que forem precisas, podendo aforar o restante do terreno para edificações.
- Decreto nº 7.181, de 8 de Março de 1879 – Concede ao Dr. Possidonio de Carvalho Moreira autorização para, por si ou por uma empreza, arrazar o morro do Senado e aterrar os pantanos da cidade do Rio de Janeiro.
- Decreto nº 7.302, de 24 de Maio de 1879 – Autoriza o Engenheiro Luiz Raphael Vieira Souto, Francisco José Gonçalves Agra Filho e Filadelpho de Souza Castro a aterrarem a área comprehendida entre as praias dos Lazaros e Formosa e as ilhas dos Melões e das Moças, e bem assim a executar outros melhoramentos.
- Decreto n.º 849, de 11 de Outubro de 1890 – Concede á Empreza Industrial de Melhoramentos no Brazil autorização para construcção de um caes de atracação entre a ponta do Arsenal de Marinha da Capital Federal e a da Chichorra e dahi á ponta do Cajú, com os onus e vantagens da lei n. 1746 de 13 de outubro de 1869.
Fonte
- Anotação de Noronha Santos na introdução do livro Memórias para Servir à História do Reino do Brasil
Imagem destacada
- PIANTA della cittá di S. Sebastiano di Rio de Janeiro. Nápoles [Itália]: Real Litografia Militare, 1844. 1 planta, col., 42,1 x 64,5. Acervo digital da Biblioteca Nacional.
Veja também
- Sub-bacia hidrográfica do Canal do Mangue, por PCRJ
- Canal do Mangue, por C.J.Dunlop
- Canal do Mangue, por Moreira de Azevedo
Mapa - Canal do Mangue