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Chafariz das Saracuras, por Magalhães Corrêa

Chafariz das Saracuras na Praça General Osório.
Chafariz das Saracuras na Praça General Osório.

Foi depois da abertura da Avenida Rio Branco e demolição do Convento da Ajuda, localizado outrora na atual Cinelândia, que se conheceu o chafariz.

Pois viveu ele sempre ignorado no solitário ambiente das freiras da Ajuda, longe dos olhares profanos, no rigor da clausura.

Eram essas freiras muito estimadas dos cariocas, pois pelas noites de Natal distribuíam doces, sendo especialistas em bolo de Mãe Benta, pastéis de Santa Clara e alvos suspiros.

Sempre zelosas, aumentaram o convento e restauraram a igreja, que muito sofreu com a revolta de 1893. Aí existia a N.S. da Piedade, que figurou na Exposição de Munique, obra do grande artista Sylvius Eberle.

A essas freiras faltava a água, que pediram e obtiveram do Vice-Rei D. José Luiz de Castro, Conde de Rezende.


Chafariz das Saracuras, por Magalhães Corrêa
Chafariz das Saracuras, por Magalhães Corrêa

Cabe a Vieira Fazenda, historiador da cidade e patriota carioca, a honra de ter descoberto aos nossos olhos o monumental e artístico chafariz que denominou das “Saracuras”, que se erguia outrora no pátio central do mesmo convento.

Construído de pedra, eram de mármore o brasão e a cartela, e de bronze as saracuras, cágados, cruz e bicas, fundidos. na Casa do Trem[1].

Representa esse chafariz à gratidão das freiras para com o Vice-Rei, Conde de Rezende, que, em 1799, canalizou água da Carioca para o referido convento. Por quatro escadas de quatro degraus, sobe-se ao embasamento, que é amplo e circular, e sobre o qual pousa uma grande taça de pedra de um metro e oitenta de alto, de cujo interior se ergue um corpo cilíndrico arrematado por uma moldura, que serve de base a uma pirâmide quadrangular, de três metros, em cujo ápice está uma cruz de bronze. Numa das faces dessa pirâmide está o brasão do Conde de Rezende, sobre e uma cartela lapidar.

Nas arestas e sobre a base da pirâmide estão quatro saracuras de bronze, que lançavam pelo bico na taça cristalina água que desaparecia misteriosamente para ser lançada, de novo, pelas bocas dos cágados, que despejavam o líquido em quatro pias de pedra, colocadas no interior do embasamento, no lado posterior dos grandes tanques; estes, de uma só bica, eram destinados à lavagem de roupa e se acham simetricamente construídos entre as escadas, formando com estas a base circular do chafariz.

A cartela tem a seguinte inscrição:

“Feito com a proteção do Illmo. e Exmo., Sr. Conde de Rezende, Vice-Rei do Estado do Brasil, sendo atual abbadessa a sóror Anna Cherubim de Jesus – Anno de 1799.”

Demolido o convento da Ajuda, foi o chafariz desmontado e oferecido à Municipalidade, que o colocou no centro da Praça General Osório, em Copacabana (sic), e sobre o cilindro que pousa a pirâmide do chafariz, está uma placa de bronze, em que se lê o seguinte:

“Este chafariz doado à municipalidade pelo Exmo. Sr. Cardeal Arcebispo D. Joaquim Arcoverde, foi removido do convento da Ajuda para este local em dezembro de 1911, sendo prefeito do Distrito Federal o Exmo. Sr. General Bento Ribeiro”.

Com carinho tratou esse prefeito o chafariz, há dezenove anos, mas hoje já está tudo mudado; das saracuras, que eram quatro, uma foi roubada e as outras, para não o serem, foram recolhidas ao depósito da I. Matas e Jardins pelo Sr. Viana. Dos quatro cágados de bronze, dois lá estão, um foi roubado por um jovem, filho de distinta família que mora à rua Visconde Silva e que prometera ao guarda restituir, mas até hoje não apareceu para devolver aquilo que levianamente se apossou, o quarto está no abrigo do encarregado do jardim, agarrado à sua base de pedra, sob a manga de irrigação, pois parece que até a pedra em forma de meia lua, pesando uns sessenta quilos, com o cágado incrustado, ia também para algum recanto colonial.

A taça de pedra, que se acha ao centro ao chafariz está cheia, não do precioso líquido, mas, de areia, posta pela Saúde Pública para evitar mosquitos, processo prático da teoria do menor esforço.

Façam funcionar, para dar vida a esse recanto tão pitoresco do Rio, pois fontes foram feitas para jorrarem água e não para reservatório de areia!

Essa velha fonte, joia de valor do tempo do vice-reinado, está seca, enquanto que as suas “melindrosas” irmãs se regalam em plena canícula pela abundância de seu principal elemento – a água.

Abandonada, apareceu espoliada de seus bronzes de um século de existência, entregue à guarda do povo de Copacabana, bairro de elite, mas nem assim escapou aos vândalos… talvez por falta de vigilância municipal ou por falta de policiamento.

Nota

  1. Em 1762, o Conde de Bobadela manda erigir a Casa do Trem, ao lado do Forte de Santiago, destinada à guarda dos armamentos (trem de artilharia). Atualmente A Casa do Trem faz parte do conjunto arquitetônico do Museu Histórico Nacional.

Fonte

  • Corrêa, Armando Magalhães. Terra Carioca - Fontes e Chafarizes. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1939. 214 p. Ed. do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (Reimpressão feita pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Coleção Memória do Rio, vol. 4).

Veja também

Mapa - Chafariz das Saracuras