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Chafariz das Marrecas, por Magalhães Corrêa

Chafariz das Marrecas desenhado por Magalhães Corrêa – 1935 – Livro Terra Carioca – Fontes e Chafarizes.
Chafariz das Marrecas desenhado por Magalhães Corrêa – 1935 – Livro Terra Carioca – Fontes e Chafarizes.

O aqueduto que liga o morro de Santa Tereza ao de Santo Antônio, num lance de trezentos metros, foi denominado, pelo povo, “Arcos da Carioca”; depois de ligar-se a Santo Antônio, bifurcava-se em um conduto de pedra e cal, levando água da Carioca ao “Chafariz das Marrecas”, que se achava na encosta do mesmo morro, no alinhamento da Rua dos Barbonos, hoje Evaristo da Veiga.

Este foi construído por Mestre Valentim, no governo de D. Luiz de Vasconcellos, em frente ao Passeio Público, separado dele pela rua das Belas-Noites, depois Marrecas, Barão de Ladário; mas, felizmente, voltou a ser rua das Marrecas.

Foi ele a página histórica do Passeio Público, sem o qual não se conheceria nada a respeito do jardim, de que é o complemento, e que, no entanto, foi destruído.

Por que?

A melhor descrição feita deste chafariz deve-se ao padre Luiz Gonçalves dos Santos, em suas memórias.

Diz ele:

“Esta fonte (das Marrecas) é elegante, em semicírculo a sua figura, cuja corda fica ao correr da rua (dos Barbonos), onde estão dois tanques, com bocas de leão vomitando água, para neles beberem as bestas; no plano superior, está outro tanque com “cinco marrecas de bronze”, que nele lançam água pelos bicos; na fachada desta fonte se vê uma grande inscrição lapidar e, no alto, sobressaem as armas de d. Luiz de Vasconcellos: perpendiculares aos tanques e escada de oito degraus, estão dois balcões de ferro, os quais pegam em duas pilastras de pedra lavrada, que estão nas extremidades do semicírculo e sobre as quais estão duas figuras de metal que representam o “Caçador Narciso” e a “Ninfa Eco”.

Triste sorte teve este chafariz; como um traidor, esquartejado, por que razão, não sei; talvez, por ser histórico ou por ser uma obra prima de Valentim!

Ninfa Eco do Chafariz das Marrecas
Ninfa Eco do Chafariz das Marrecas

As estátuas identificadas, não como o “Caçador Narciso” e “Ninfa Eco”, mas sim, como “Diana Caçadora” e “Ninfa Naiade”, foram recolhidas ao Jardim Botânico pelo dr. Barbosa Rodrigues, onde até hoje se encontram no parque, sobre pedestais com inscrições, dizendo serem as primeiras fundidas no Rio de Janeiro por mestre Valentim.

Das marrequinhas, que eram cinco, duas estão no Arquivo Público, uma na Bahia e as outras bateram asas…

Da pedra lapidar, com as inscrições em latim, ninguém sabe o destino.

Os tanques, dizem terem sido aproveitados para os animais do Quartel de Polícia, mas nada de positivo encontrei a respeito.

Com o alargamento do Quartel dos Barbonos, desapareceu o chafariz, colocado entre este e a “Roda” das crianças abandonadas.

O melhoramento do quartel redundou na morte do monumento mais interessante da época de Luiz de Vasconcellos.


Em forma de exedra, foi propositadamente feito para dali d. Luiz de Vasconcellos, mestre Valentim da Fonseca e Silva, Xavier dos Pássaros, Xavier das Conchas e Leandro Joaquim, como ponto de vista, observarem a perspectiva do Passeio Público, nessa época em que os artistas eram os que sentiam e apreciavam o que era belo, numa natureza que tudo suplantava.

Com documentos que possuo procuro dar uma pálida idéia do chafariz desaparecido há muitas décadas, fazendo a sua reconstituição, para que se possa avaliar, mesmo vagamente, o que foi a obra do mestre Valentim, feita para o nosso patrimônio artístico.


A inscrição que existia no chafariz era a seguinte:

“MARIA – PRIMA ET PETRO – TERTIO – REG–
“NANTIBUS. PESTIFERO – QUONDAM – EXSICCATO –
“LACU ET – IN – AMBULATIONIS – FORMAM – RE–
“DACTO. INGENTIS – MURO –MARINIS – PROPULSATIS
“– AQUIS. FONTANIS – INDUCTIS – VOMENTI – AERE
“PARIETIBUS – RUPTIS – IN – VIAM – CONVERSO –
“HORTO – DOMIBUS – MIRABILI – SYMMETRIA –
“CONSTRUCTIS. ALOISIO VASCONCELLOS DE SOUZA –
“PROREGI – CUJUS AUSPICIIS – HAEC – SUNT –
“PERPETRATA. FLUVII – JANUARII – POPULUS –
“GRATI – ANIMI ERGO. PRIDIE – KALENDAS – AU–
“GUSTI – AN.

MDCCLXXXV

Segue-se a versão com o caráter da época, feita especialmente para este trabalho, pelo dr. Padberg-Drenkpol, do Museu Nacional.

“Durante o reinado de Maria I e Pedro III.
Secou-se um lago outrora pestífero.
E converteu-se em forma de passeio.
Repeliram-se as águas do mar por ingente muralha.
Aduziram-se fontes em jorrantes bronzes.
Derribados os muros, transformou-se o horto em rua,
Construíram-se casas em admirável simetria.

Ao vice-rei Luiz de Vasconcellos de Souza, sob cujos auspícios foi tudo isso realizado.
O povo do Rio de Janeiro, em sinal de grato ânimo.
No dia 31 de julho do ano de 1785.”

Como acabamos de ver, o chafariz das Marrecas era a chave do Passeio Público, pela qual sabemos que antes dele existia um “horto”, do qual Luiz de Vasconcellos mandou botar abaixo o muro, para abrir uma rua (Belas Noites) construindo casas, em admirável simetria.

De forma que anteriormente ao Passeio Público havia um horto, que, arruado, foi ampliado com o aterrado da Lagoa do Boqueirão, dando origem ao atual jardim, obra de mestre Valentim da Fonseca e Silva.

Fonte

  • Corrêa, Armando Magalhães. Terra Carioca - Fontes e Chafarizes. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1939. 214 p. Ed. do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (Reimpressão feita pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Coleção Memória do Rio, vol. 4).

Mapa - Chafariz das Marrecas