Chafariz da Praça 11 de Junho, por Magalhães Corrêa

Sendo necessário o aterro do caminho que ia da cidade à Quinta do Elias, depois Imperial Quinta da Boa Vista, para a passagem da carruagem do Príncipe Regente até ao Paço, e ao mesmo tempo para embelezar o caminho, construiu-se um Rocio em quadratura, conhecido pelo nome de praça de São Salvador, mas substituído pelo de Rocio Pequeno, e nele, no começo de Século XIX, plantaram-se árvores exóticas: “casuarinas”.
O Rocio estava à beira da rua do Aterrado, outrora das Lanternas e, hoje, Senador Euzébio. O nome de Aterrado veio em virtude do aterro e o de Lanternas, por ser o caminho em que D. João VI em companhia de seus pagens, passava nas noites escuras, com lanternas luminosas, dando a ideia de marcha “aux flambeaux”.
Era esse caminho movimentado por cadeirinhas, berlindas, carruagens e cavaleiros, a estrada do todo poderoso da terra.

No ano de 1846, governando Pedro II, deu-se começo à construção de um chafariz no centro da praça, projeto de Grandjean de Montigny, circundado por vinte e uma casuarinas, e cercada a praça por frades de pedra ligados por correntes de ferro.
Não executaram o chafariz da Praça 11 de Junho, rigorosamente, de acordo com o desenho do mestre. Durante o andamento da obra, a infração levantava protesto no seio dos professores da Belas Artes; a 22 de Outubro de 1858, o diretor da extinta Academia reunia a congregação, convocada para, em ofício ao ministro, protestar contra o procedimento da Inspeção das Obras Públicas, a qual, em virtude do Aviso de 16 de Janeiro de 1849, estava obrigada a recorrer à Academia, em caso de dúvida na execução do chafariz.
A fonte, segundo o desenho, seria elemento estético da praça, e relevante serviço teria prestado o Poder Público se nessa época o completasse, assim como lhe dando a necessária função que não teve, tornando-se esquecida.

O chafariz era de pedra e os elementos decorativos de bronze; sobre uma base circular, de um só degrau, elevava-se a bacia também circular, cujo perfil era composto de retas e curvas de belo efeito; sobre esta uma outra bacia circular predominando a reta em seu perfil, terminada por uma cornija, tendo oito carrancas de leão, que jorravam sobre a primeira; da segunda erguia-se o corpo central composto de uma taça que transbordava o líquido sobre a segunda bacia e, do centro da taça, surgia um elemento floral, em forma de pinha estilizada, que projetava, como repuxo, a água, que, caindo nos três lances, produzia um efeito extraordinário.
Mas o construtor não executou o projeto, suprimiu a segunda bacia, transformando-a em corpo maciço em vez de oito carrancas, executou quatro e a pinha ficou reduzida a quase cópia do fruto. Nas partes laterais da base, compôs dois tanques em quarto de círculo, tendo na parte superior gradis de ferro, como balaustrada, no mesmo nível da base do projeto e duas escadarias também em quarto de círculo, compostas de cinco degraus, colocadas opostamente, dando acesso ao chafariz; e esta nova base assente em uma calçada de um só degrau. Assim ficou o chafariz até 1928.
O governo pensou, em 1854, em utilizar a terreno onde é hoje a Escola Benjamin Gonstant, para a construção de um mercado, mas a ideia morreu ao nascer.
Em 4 de Julho de 1865, passou de Rocio Pequeno à denominação de Praça 11 de Junho, em comemoração da batalha do Riachuelo.
A companhia Rio de Janeiro Street ofereceu em 1870 a quantia de cinco contos de réis, para ajudar a arborização da rua Visconde de Itaúna. Que belos tempos!
O projeto do mercado ressuscitou em 1876, dizendo o proponente que em nada prejudicaria a soberba e majestosa vegetação do centro na praça; ofereceu pavilhões octogonais que colocaria nos ângulos da praça, e, em cada lado dos portões de entrada do jardim, galerias de chalés, iguais aos que existiram no largo do Capim; construiria também uma rotunda com entradas correspondentes às do jardim circunscrito ao circulo das casuarinas contornando a praça, onde se achava o grande chafariz de modo a não prejudicar as mesmas, Teve parecer favorável da Diretoria de Obras Municipais da Corte, mas voto contrário do vereador Thomaz Coelho, com o qual concordou a Câmara Municipal.
Manuel Joaquim Cascão, negociante da praça 11 de Junho, propôs ornar a praça com chalés para botequins de café e bebidas, mas a Câmara Municipal negou a licença.
Os frades de pedra, com correntes sustentadas por argolões presos às mesmas, foram substituídos, em 1883, par portões e gradis de ferro batido.
As centenárias casuarinas, que vieram do tempo da Metrópole viram, o Príncipe Regente, o primeiro Imperador e o segundo, entraram na República, com a sua esguia elegância e finíssima folhagem.
Teve, na época do encilhamento, a Companhia Floricultura Brasileira incumbência de zelar pelo jardim, tendo o Visconde de Saint-Leger colhido os mais belos exemplares de orquídea, hoje gênero catleia, escolhida coma símbolo da flor brasileira, pelo professor A. Sampaio.
Anos depois foram abaixo as grades e portões.
Mas sempre belo em sua arborização, tipo de jardim tropical, foram na atual administração destruídas as vinte e uma casuarinas centenárias, cortadas a machado, sob o pretexto de estarem carcomidas pelo cupim!
Eu, como sempre, protestei pelas colunas de “O Globo”: os jornais falaram; houve um consolo: a reprovação foi geral.
O chafariz subiu três degraus de cantaria, mas pavimentaram de pedra lioz nacional o patamar dos mesmos; não posso compreender um monumento clássico com calçada de pedrinhas de lioz.
Mas quem sofreu as consequências fui eu, que obtendo o premio da “Cidade” no XXXV Salão de Belas Artes, na importância de 15:000$000, pelo trabalho intitulado “Mãe Preta”, deixaram de me pagar.
Partindo para São Paulo o Senhor prefeito no dia 25 de Março de 1929, e terminando a 31 do mesmo mês o exercício findo, ficou sem autorização o pagamento do meu prêmio.
Vejam quanto custa amar as tradições!
Fonte
- Corrêa, Armando Magalhães. Terra Carioca - Fontes e Chafarizes. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1939. 214 p. Ed. do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (Reimpressão feita pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Coleção Memória do Rio, vol. 4).
Mapa - Praça Onze de Junho (Avenida Presidente Vargas) e Praça Afonso Viseu (Alto da Boa Vista)