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Aniversário de Cabo Frio, por Vieira Fazenda

Forte de São Mateus do Cabo Frio.
Forte de São Mateus do Cabo Frio.

Passa amanhã, 13 de novembro, uma data memorável para os povos de Cabo Frio e suas adjacências.

Trata-se da definitiva fixação dos Portugueses, em grande parte não aproveitada da capitania de Martim Affonso de Sousa.

Refiro-me à fundação de um núcleo colonial, povoação, depois vila, e mais tarde a antiga e nobre cidade de Cabo Frio.

Constituiu-se ela, em princípios do século XVII, cabeça de vasta zona que passou ao domínio direto da Coroa.

Minúcias sobre tão importante acontecimento encontram-se em vetusto documento. Citá-lo ipsis verbis tem o sal da oportunidade, mesmo porque Cabo Frio foi, é e será a terra das salinas. Diz assim:

“Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil seiscentos e quinze, aos treze dias do mez de Novembro da dita éra, neste logar chamado a Casa de Pedra, vinte leguas do Rio de Janeiro, junto ao Cabo Frio, tendo o Capitão e Governador Constantino de Meneláu botado desta casa cinco naus engrezas com muita gente e artilharia e queimado casas de faxina que em ella tinhão já em terra feito para guarda da carga do páu brazil que começavão a carregar que de tudo tinha avisado a ele o general da Bahia Gaspar de Souza por uma carta que teve de Sua Magestade, cuja lhe mandou em a qual o avisava da vinda das dictas cinco naus Engrezas e da fortaleza que determinava fazer na dita costa. Pelo que lhe ordenou que fizesse esta povoação e fortaleza com artilharia e soldados pagos á custa da Fazenda Real e assim tratasse de conquistar por paz ou guerra o gentio Goytacaz que estavam entre a capitania do Espirito Santo e a do Rio de Janeiro, que não se tinham ainda adourado com grande prejuizo das embarcações que nesta costa faziam naufragio, tratando com estrangeiros em prejuizo da Real Fazenda do páo, sendo os ditos Indios vassallos de Sua Magestade de sua repartição. O que visto elle logo capitão Governador Constantino de Meneláu, com alguns portuguezes e morado Rio de Janeiro e com quatrocentos Indios da Aldêa de Sapetiba se unio a dita costa, indo elle pessoalmente por mar com muito risco de sua pessoa e visto todos os sitios daquella Costa escolheu por melhor fazer uma fortaleza no logar da Casa de Pedra, que já dissemos estava vinte leguas do Rio de Janeiro para a parte Leste, chamado assim este logar por terem os Francezes antigamente feito neste logar uma casa de pedra de grande fabrica para o commercio do páu brazil que os Indios lhes davam: a qual casa eIle capitão e Governador Constantino de Meneláu logo mandou derrubar por voto de todos os que o acompanhavão; escolheu por melhor e mais conveniente logar de toda aquella costa assim por ter uma barra muito formosa que podem entrar nella navios de 200 toneladas e não haver naquella costa outra barra, onde os navios se possam recolher para escapar dos muitos corsarios que ao cheiro de páo brazil e navios do Rio da Prata nella vão, e por entrar pela dita barra o mar quasi doze leguas pela terra dentro e de huma e outra banda haverem terras excellentes para mantimentos, cannaviaes e gado em proveito a Sua Magestade que com as disimas que della podião tirar, ficará sua Fazenda accrescentada, principalmente sendo todos aquelles mattos de uma e outra banda cheios de páo brazil, não haver junto outra barra aonde se possa com segurança carregar de mar e inimigos, si não este logar da Casa de Pedra, em que a dicta fortaleza com sete peças de bronze ficou posta, chamando-lhe a fortaleza de Santo Ignacio.

Convento Nossa Senhora dos Anjos em Cabo Frio
Convento Nossa Senhora dos Anjos em Cabo Frio

“E visto o donatario destas terras, o conde de Vimieiro não tratar dellas tomou logo posse EI-Rey Felippe Terceiro, que então governava Portugal e fez o dito nestas terras esta povoação e lhe poz o nome de Santa Elena e a demarcação foi para a parte de Oeste para a de Eriditiba, que serão doze leguas pouco mais ou menos e para a parte do Norte até os Goytacazes, que o dito governador conquistou indo até ao rio dos Bagres, que está adeante da ilha de Sant’Anna e para a parte do sertão que tivesse esta povoação tudo aquillo aonde chegar a repartição da costa de Portugal e tambem ordenou o dito governador assentar aldêa de lndios na parte dos Buzios duas leguas da dita fortaleza para a parte do Nordeste.”

Justifica este antigo documento a frequência com que estranhos, sobretudo os franceses, conquistada a amizade dos indígenas, carregavam navios de pau-brasil e vendiam na Europa por bom preço.

O nosso porto e de Cabo Frio eram exatamente os maiores centros desse trabalho mercantil.

Que desde os primeiros tempos os franceses tinham perfeito conhecimento de nossa costa, demonstra entre outros o mapa de Jacques de Vasconcellos (1579), representando a baía de Geneuve e du cap de Frie.

Negociando por própria conta, sem auxílio ostensivo de seu governo, os franceses auferiram grandes resultados. Não pagavam impostos aduaneiros, como acontecia aos navios portugueses, que, voltando do Brasil, ao abicarem ao reino, tinham de dar o manifesto, as mercadorias e satisfazer os competentes impostos nas alfândegas.

Segundo Anchieta, já na era de 1504, vieram os franceses ao Brasil – a primeira vez ao porto da Bahia e entraram em Paraguaçu. Fizeram seus resgates e tornaram com boas novas à França, donde vieram mais tarde três navios, e estando no mesmo lugar em resgate entraram quatro naus da armada de Portugal e queimaram-lhe duas e a outra lhe tomaram.

“Os Franceses, continua o grande Jesuíta, não desistiram do commercio do Brasil, e o principal foi no Cabo Frio e Rio de Janeiro, Terra de Tamoios, os quaes, sendo dantes muito amigos dos Portuguezes, que levantaram contra elles por grandes aggravos e receberam os Francezes, dos quaes, nenhum aggravo tinham e iam e vinham e carregavam suas naus de pau brasil, pimenta, passaros, bugios e outras cousas da terra, e davam roupas e todo o genero de armas aos lndios e os ajudavam contra os Portuguezes e deixavam moços na terra que aprendiam a lingua e homens que fizessem ter prestes as mercadorias para quando viessem as náos”.

Para diferençar o francês do português, os primitivos íncolas do Brasil aos primeiros chamavam mairs, e aos segundos perós. O fato de ser francês era título de recomendação. Para escapar da morte, o alemão Hans Staden se dizia por vezes mair. Mais tarde, o inglês Antônio Knivet recomendava aos seus patrícios quando viessem ao Brasil se declarassem súditos do rei de França e procurassem imitá-los nos seus modos folgazões.

Além das madeiras de tinturarias, os franceses levavam especiarias, pimentas, peles de animais, papagaios, macacos e saguis.

Segundo Gaffarel, muitos animais eram vendidos por bom preço. Os saguis principalmente eram procurados como objetos de luxo. Tornavam-se mais raros porque grande parte deles morria na viagem. E tudo isto à custa de bagatelas. Era o que se poderia chamar verdadeiro negócio da China!

Malgrado as derrotas e perseguições infligidas por Mem de Sá, Estácio, Salvador Corrêa, Cristóvão de Barros, Martim de Sá e Antônio Salema, os contrabandistas voltavam à carga e, não podendo já comerciar no Rio de Janeiro, se encontravam em Cabo Frio, aproveitando-se da distância desse ponto à nascente cidade de São Sebastião.

Chegou, enfim, a mostarda ao nariz da metrópole. Não era possível continuar tão triste estado de coisas. Além da inconveniência, a presença de estrangeiros era ameaça constante e um perigo para as povoações do Sul.

Receava-se, a cada momento, a renovação da empresa burlada de Villegagnon e de seu sobrinho Bois le Comte.

Os terrenos, de que se apossou a Coroa, faziam parte da Capitania de São Vicente, de que fora dono Martim Affonso de Sousa. Os herdeiros deste em litígio com os de Pedro Lopes de Sousa nada podiam fazer na defesa de territórios tão extensos. A necessidade impunha-se. Era preciso de vez expulsar estranhos, que já haviam levantado uma casa forte e se julgavam donos do território abandonado pelos sucessores do donatário.

Eis porque o dia 13 de novembro de 1615 marca mais uma data memorável nos anais da integralização do nosso vasto território.

Os de Cabo Frio, pois, devem ser gratos a Constantino de Menelau, que governou o Rio de Janeiro desde 1613 a 1617 com prudência e zelo pelo serviço público.

Como é sabido, a povoação ereta com o nome de Santa Helena foi, pouco tempo depois, denominada de Nossa Senhora da Assumpção.

Augusto de Carvalho disse-me, por vezes, que Constantino de Menelau, pela primeira inovação, quisera honrar o nome de sua esposa. Tal razão não é procedente.

O governador do Rio de Janeiro foi casado uma só vez. A mulher chamava-se Margarida; faleceu aqui e foi sepultada na igreja do Convento de Santo Antônio, como se lê no testamento de Diogo Martins Mourão, cuja cópia existe no Arquivo da Misericórdia.

Domingo, 12 de novembro de 1911.

Fonte

  • Fazenda, José Vieira. Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (t. 86, v. 140, 1919; t. 88, v. 142, 1920;t. 89, v. 143, 1921; t. 93, v. 147, 1923; t. 95, v. 149, 1924).

Mapa - Cabo Frio