Nova Friburgo, por Hermann Burmeister

Quando o tempo melhorou, saí para visitar a cidade e procurar as pessoas que devia conhecer. Minha compleição, bastante delicada, não me permitia manter grande círculo de relações e, como devia dedicar-me a pesquisas científicas, era ainda obrigado a reduzi-las o mais possível, a fim de não desperdiçar tempo. Acresce que, durante minha jornada no Brasil, não conhecia suficientemente o português para manter uma conversação fluente nessa língua. O fato de ter sido recomendado à família do Sr. Sinimbu, Juiz de direito da Província, foi-me muitíssimo agradável, pois não somente encontrei nesse círculo sobremodo amável e culto costumes genuinamente europeus, como também pude conversar em francês, inglês e até em alemão. O Sr. Sinimbu conhecia a Alemanha, sendo sua esposa de origem alemã, sua sogra escocesa de nascimento, e seu sogro, que também vivia em Nova Friburgo, fora, por muito tempo, comerciante em Lisboa. As horas agradáveis que me fora dado passar na convivência dessa família contam-se entre as mais belas que vivi no Brasil. Além disto, visitei somente o diretor do grande Instituto de Educação de Nova Friburgo, o Sr. John Heinrich Freese, cujo estabelecimento fica à altura dos melhores existentes no país. O grande conjunto de edifícios do mesmo está situado um pouco fora da cidade, ao pé de uma colina coberta de mato, que lhe pertence. É formado por uma série de construções em redor de um espaçoso pátio, onde se encontram as moradias dos professores, as salas de aula e os dormitórios dos alunos. As salas destinadas às reuniões e exames, o oratório e mais dependências do instituto não ficam a dever nada, quanto às instalações, às suas congêneres europeias. Durante minha estada em Nova Friburgo, o colégio, que já antes tivera 80 alunos, contava então com 60, pois a instalação de outro instituto semelhante em Petrópolis fizera com que sua frequência diminuísse. As matérias ministradas eram o grego, latim, inglês, francês, alemão e português; religião, matemática, geografia, história, história natural, física, astronomia em geral, desenho, contabilidade e cálculo etc. O curso era de seis anos ou classes das quais a superior corresponde à segunda nos nossos ginásios. O grego ensina-se somente no último ano, latim desde o quarto, o inglês desde o segundo e o francês e o alemão nos dois últimos. Quanto às outras matérias, religião, português e matemática, ensinavam-se em todos os anos letivos, sendo esta última ministrada apenas em seus rudimentos, no primeiro ano. Geografia ensinava-se somente nos quatros anos superiores e história nos dois últimos. As outras matérias eram divididas entre certas classes ou secções equiparadas. Havia nesse colégio, além do diretor, cinco professores, todos eles portugueses, com os quais, aliás, não tive maior aproximação. O diretor Freese teve a gentileza de mostrar-me as instalações todas, informando-me do andamento e do progresso do instituto por meio de boletins, que mandava imprimir de tempos em tempos. A rica biblioteca que mantinha foi de grande interesse para mim. Encontrei nela várias obras de história, geografia e ciências comerciais em francês e inglês. O próprio Sr. Freese organizara alguns livros didáticos sobre estas matérias, as quais ele igualmente ensinava no instituto. O que ele escrevera sobre ciências comerciais teve várias edições, originalmente em inglês, e foi introduzido em diversas escolas dos Estados Unidos da América do Norte. (56)
A cidade de Nova Friburgo (57) (Vila de Nova Friburgo) é de origem recente, não estando indicada ainda em muitos mapas, como no de Stieler. A vila foi fundada por D. João VI, que lá mandou construir, perto de uma pequena queda d’água, uma casa campestre. Em 1820, fixaram-se junto a essa propriedade alguns colonos suíços, principalmente dos cantões de língua francesa. Mais tarde, chegaram ainda outros, esses alemães das províncias do Reno. A localidade tem, presentemente, cerca de 100 casas e 1.000 habitantes. Consiste da cidade, com seus três pequenos subúrbios, e de 20 agrupamentos menores nas redondezas, a uma distância de até 2 léguas, cuja fundação se deve ao governo, que mandou entregar terras gratuitamente aos colonos.
Essas colônias chamam-se, até hoje, “números”. A terra, aí e nos arredores, é pouco fértil, pedregosa, com densas florestas e tão desnivelada que poucos são os lugares apropriados para roça. Por isso, a vida dos colonos era bem pobre no começo e mesmo hoje em dia poucos há que se possam considerar em boa situação. A banana e o café não chegam a amadurecer nessa altitude e as laranjeiras não medram; o milho e o feijão são os produtos essenciais e a criação de gado uma das principais fontes de renda, devido à indústria de laticínios. Os legumes europeus dão bem, mas há dificuldade em dispor-se deles. O transporte da manteiga para o Rio é bastante difícil e, por outro lado, não existem pastos bastante extensos para a manutenção de gado para a matança. Por estes e outros motivos, o lugar nunca poderá florescer e continuará com o seu aspecto triste e medíocre de agora.
A cidade tem a forma de um retângulo comprido e assenta abaixo da confluência do rio das Bengalas com o ribeirão do Cônego, na margem direita, a leste, e não, como o indicam alguns mapas, na margem esquerda. Nesse retângulo estão as melhores casas, como o opulento edifício do Sr. Antônio Clemente Pinto, no meio de um dos lados maiores e cujos jardins se alastram até a beira do rio. No lado oposto, a estrada desemboca numa praça, onde há casas de ambos os lados. Essa é a estrada que vai do Rio de Janeiro a Cantagalo. A cidade ainda não possuía igreja, mas durante minha estada lá lançaram, a 20 de março de 1851, a pedra fundamental de uma. Os ofícios religiosos eram realizados na Casa da Câmara, funcionando esse mesmo edifício como templo, palácio de Justiça, salão de baile e sala de exames para a juventude. Ao mesmo tempo que lançavam a pedra fundamental da igreja, construíam também a cadeia local, que geralmente é uma das primeiras construções a ser feitas nas vilas brasileiras. O fato de Nova Friburgo não possuir ainda sua cadeia era a mais evidente prova de sua pouca idade. O lugar, como as demais vilas brasileiras, tem duas escolas públicas, uma para meninos e outra para meninas, com professores pagos pelo governo, existindo portanto instrução gratuita. Ensinam as crianças a ler, escrever e fazer cálculos e dão-lhes noções de religião e de geografia. As meninas aprendem também trabalhos manuais. A instalação de escolas livres, isto é, a instituição do ensino gratuito, data da abdicação de D. Pedro I e representa uma grande medida, cuja adoção foi obtida já na primeira reunião constitucional. Atualmente, não se encontra, no Brasil, nenhum moço ou moça sem alguma instrução; todos sabem ler e escrever, mesmo os pretos livres, aos quais assiste igual direito de frequentar as escolas que têm os brancos e os mulatos. Em Nova Friburgo, há ainda duas farmácias e três médicos, um francês e dois alemães. Não encontrei outras instituições de importância e não vale a pena mencionar as numerosas lojas e vendas, que existem em qualquer localidade mesmo sem importância. Uma hospedaria para pessoas de destaque tinha grande renome nessa vila, sendo que ali se realizavam bailes com finalidades filantrópicas. Recebi dois convites para tais reuniões, mas devido ao estado de saúde de meu filho não pude aceitá-los. Havia ainda uma espécie de “ressource” local, alugada, que possuía um bilhar e que geralmente era muito bem frequentado.
Além do juiz de Direito, há ainda as autoridades locais e federais; que contam com oito soldados montados da Polícia (permanentes). A população compõe-se, além dos comerciantes, de um certo número de artesãos, cujos trabalhos garantem à cidade e aos seus arredores o necessário conforto. Plantações maiores, além das hortas e pomares pertencentes às habitações particulares, não as vi nos arredores da cidade. O maior dos subúrbios encontra-se um tanto afastado da cidade, na confluência dos rios acima citados, numa esplanada triangular, que se eleva em forma de terraço. Os protestantes aí possuem seu templo, ao lado do qual reside o pastor, e foi aí também que encontrei a casa em que residi, no meio dos meus patrícios, em sua maioria localizados nesse ponto. Os dois outros subúrbios consistem apenas de algumas casas, situadas na margem do rio, abaixo da cidade, ficando um deles na estrada que leva a Cantagalo e o outro no lado oposto dessa estrada, para as bandas da antiga fazenda imperial. Esta fazenda já não era mais habitada havia muitos anos e achava-se em tal estado de ruínas que o governo pusera o edifício à venda, para o aproveitamento do material de construção, a quem mais desse, negócio esse que se realizou ainda durante minha estada naquela cidade.
Os edifícios de Nova Friburgo têm apenas o rés-do-chão (somente o hotel é um sobrado), mas quase todos têm vidraças. São eles construídos de madeira e barro, com exceção apenas da residência do Sr. Clemente Pinto.
Notas
- ↑ The Commercial Class-book, etc. por John Henry Freese, Baltimore, 1849.
- ↑ NOVA FRIBURGO. Sobre a fundação de N. Friburgo, diz M. de St. Adolphe:“… El rei D. João VI, no tempo em que residia no Brasil, mandou vir, com grandíssima despesa, 1.400 suíços, para povoar o sertão da província do Rio de Janeiro. Chegaram estes colonos ao Brasil no princípio de 1820, no primeiro ano todos eles receberam um subsídio de 160 réis por dia, entrando nesta conta as mesmas crianças de mama; distribuíram-se-lhes terras, havendo sido recebidos numa povoação feita por antecipação na serra do Morro Queimado, por ser esta a parte da Província, cujo clima se assemelhava mais com aquele em que tinham vindo ao mundo; no segundo ano deu-se-lhes metade do subsídio, o que não obstante muitos dos colonos dum e doutro sexo se derramaram pelo distrito de Cantagalo, pela cidade do Rio de Janeiro e até pela província de Minas Gerais. O pequeno número dos que perseveraram em cultivar as terras que lhes foram dadas foi aumentado alguns anos depois com colonos alemães mandados vir pelo governo Imperial. Estes novos colonos não receberam subsídio e por isso mesmo foram mais constantes e perseverantes no trabalho. Um alvará de 3 de janeiro de 1820 conferiu à colônia suíça o título de vila, assinalando-lhe por distrito parte do de Cantagalo, e ordenando que sua câmara seria formada metade de suíços e metade de portugueses ou brasileiros. Escolheu El Rei o santo de seu nome para padroeiro da vila, onde se estabeleceu com um mercado no princípio e meado dos meses, e uma feira de 3 dias por ano em 24, 25 e 26 de junho. Concedeu-se-lhe também uma escola de primeiras letras, que se abriu no princípio de 1837. Há também nesta nova vila um colégio inglês instituído por Mr. Freez, onde se fazem ótimos estudos”. (Dicionário geográfico histórico e descritivo do Império do Brasil, por J.C.R. Milliet de Saint Adolphe. E transladada em português do manuscrito inédito francês pelo Dr. Caetano Lopes de Moura, Paris J. P. Aíllaud, editor 1845), (R.)
Fonte
- Burmeister, Hermann. Viagem ao Brasil Através das Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais: Visando especialmente a história natural dos distritos auri-diamantíferos. Tradução de Manoel Salvaterra e Hubert Schoenfeldt. Nota Bio-Bibliográfica de Augusto Meyer. São Paulo: Livraria Martins, 1952. 341 p. (Biblioteca Histórica Brasileira, vol. XIX).
Livro original
- Deutsche Digitale Bibliothek - Burmeister, Th.: Reise nach Brasilien durch die Provinzen von Rio de Janeiro und Minas geraës, mit besonderer Rücksicht auf die Naturgeschichte der Gold- und Diamant-Districte
Mapa – O Colégio Anchieta foi fundado por padres e irmãos jesuítas vindos da Itália, no dia 12 de abril de 1886, ele começou a funcionar na casa-grande de uma antiga fazenda do Morro Queimado, chamado de “Château” (castelo, em francês) pelos colonos suíços. (Wikipédia)