Veículos Particulares, por Charles Julius Dunlop

DISSE certa vez o historiador Ferreira da Rosa que o que mais impressionaria alguém do tempo do Império, que hoje ressuscitasse, havia de ser, inquestionavelmente, a viação urbana. Que diferença entre o Rio de Janeiro do século XIX e o Rio de Janeiro do século XX!
De começo, não havia morador de fora da cidade que não se transportasse montado num cavalo, numa besta ou num jumento. E note-se que “fora da cidade” não era muito longe: era Mata-Cavalos (atual rua Riachuelo), era o Rossio Pequeno (praça Onze de Junho) e o Campo das Pitangueiras (largo do Machado).
Com o correr dos anos, foram aparecendo os diversos tipos de veículos a serviço dos particulares. Eis alguns:
As seges, ou melhor, as “seges de arruar” — como as chamavam os portugueses — eram viaturas ligeiras, de duas rodas grandes com um ou dois assentos no interior da caixa, bambeando sobre longas correias que faziam o papel de molas. Dois animais as puxavam: um entre os varais e outro por fora, montado pelo cocheiro, que vestia libré de jaqueta, chapéu alto de couro, botas e esporas. Numa das faces laterais, a sege ostentava pequena lanterna.
A traquitana era um veículo semelhante à sege, construído, porém, sobre quatro rodas e, em vez de varais, tinha uma lança. Dava-lhe o povo o apelido de “tipoia”, em recordação, talvez, das velhas redes do Brasil. Seges e traquitanas fizeram parte dos “trens” de D. João VI.
A caleça (do vocábulo francês “caléche”), também de quatro rodas, transportava seis a oito pessoas em dois bancos longitudinais. Puxava-a um só muar, guiado, em geral, por um pretinho, a pé. A primeira caleça que chegou ao Rio pertenceu a rainha Carlota Joaquina.
O “cabriolet” era um veículo leve, de duas rodas, tirado por um burrico, e usado indistintamente pela alta burguesia e por fidalgos. O cocheiro sentava-se na traseira, de onde guiava o animal, passando as rédeas por cima da pequena tolda. Definia-o o carioca galhofeiro como o carro em que o superior que vai no interior só vê a parte anterior do inferior que lhe vai superior…
Havia ainda os tílburis, precursores dos automóveis dos nossos dias; a vitória, assim denominada em homenagem à rainha da Inglaterra; o “timon_balancé”; o “phaeton”; o “fiacre”; a berlinda, o “landau”, etc.
A fotografia mostra um “coupé”, que foi no Rio de Janeiro a carruagem aristocrática, por excelência. Usavam-no os ministros de Estado, parlamentares e magistrados, em recepções, cortejos e passeios. Da alta governança evolveu às classes burguesas e as pessoas de grandes posses.
Viatura de quatro rodas — duas na frente, sob a boleia, e duas de maior diâmetro, na parte posterior — destinava-se a duas pessoas. As portas eram envidraçadas, dotadas de cortina de seda. Pequenos estribos de ferro em cada lado davam acesso ao interior do vistoso veículo, em sua grande maioria importado da França. Atrás da boleia, junto ao tejadilho, ficava a lanterna de cristal. A tração era a dois cavalos de linda estampa, selecionados entre a tropa da cocheira e aparelhados de arreios cuidadosamente envernizados. As ferraduras dos animais de encontro aos calçamentos de pedra, em ritmo certo, anunciavam o seu tráfego, espalhafatosamente. O cocheiro e o trintanário vestiam curiosa indumentária: sobrecasaca fechada, de cor “beije” ou marrom, com botões dourados, e culotes brancos, botas escuras e cartola com roseta.
Viajar de “coupé” foi, durante certa época, expressão de alto luxo no Rio de Janeiro.
Fonte
- Dunlop, Charles Julius. Rio Antigo. 3ª Tiragem ed. Rio de Janeiro: Editora Rio Antigo, 1963. (Composto e impresso na Gráfica Laemmert, Ltda.).
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