Último bondinho de burros, por Charles Julius Dunlop

POR INCRÍVEL que pareça, houve bondes puxados a burros, em plena Capital da República, até o ano de 1928. Pertenciam à extinta “Linha Circular Suburbana de Tramways” e faziam o percurso entre os subúrbios de Madureira e Irajá.
A primeira concessão fora outorgada ao engenheiro Manuel Antônio da Silva Reis, ao coronel Júlio Braga e ao Barão de Santa Cruz, pelo Decreto n.º 1.054, de 21 de novembro de 1905, sendo o respectivo contrato firmado com a Prefeitura a 28 de setembro de 1906.
No mês seguinte, os concessionários já estavam procurando negociar, no estrangeiro, a venda e transferência da concessão. Nesse sentido, firmaram, em 19 de maio de 1910, contrato com a firma “Atlas Investment Corporation Ltd.”, de Londres, pelo qual foi esta autorizada a organizar – como de fato organizou – uma companhia com o nome de “Rio de Janeiro Suburban Tramway, Limited”.
Conquanto não se tivesse verificado a transferência da concessão para esta empresa, nem tampouco houvesse ela obtido a indispensável autorização para funcionar no Brasil, conseguiu levantar no mercado europeu um empréstimo por debêntures no valor de £325.000.
A esse tempo, a empresa, por intermédio do “Banque Suisse pour le Commerce Étranger”, mandava para cá os empreiteiros Thompson-Houston, de Paris, para executarem as obras necessárias à inauguração do tráfego a que se obrigara a Linha Circular Suburbana de Tramways, a fim de evitar que a concessão caducasse.
Nesse ínterim, surgem várias questões possessórias propostas pela “Cia. Light”, fundadas no seu Contrato de Unificação de Bondes de 6 de novembro de 1907.
Mas, apesar de todos esses percalços e contratempos, construiu-se a linha de bondes num pequeno trecho de 5.700 metros, inaugurando-se o respectivo tráfego a 28 de setembro de 1911.
Nesse dia, às 2 horas da tarde, presente grande número de pessoas nas proximidades da Estação de Magno[1], da Linha Auxiliar da E.F.C.B., convidou-as o Barão de Santa Cruz, empresário do serviço, para tomarem lugar no bondinho, que era um dos da antiga Cia. de Carris Urbanos. Repleto o veículo, seguiu ele em direção à freguesia de Irajá e, após uma viagem de 40 minutos, chegava ao Largo da Matriz, de Irajá, garridamente enfeitado com bandeiras e galhardetes. Recebidos os convivas pelo vigário da freguesia, padre Januário Tornei, dirigiram-se todos para a sua residência, onde foi servida lauta mesa de doces. Ao “champagne”, o coronel José Ricardo de Albuquerque, em nome do “Comitê Central de Irajá”, brindou o Barão de Santa Cruz. Às 4 horas da tarde, regressou a comitiva a Madureira.
Seguiu-se a essa inauguração nova luta judiciária cheia de incidentes e imprevistos, que se prolongou por muitos anos.
Finalmente, a 28 de março de 1928, sendo transferida a concessão para a “Light”, tratou esta empresa de substituir a tração animal pela elétrica. Assim, no dia 26 de junho desse mesmo ano, inaugurou-se, em tempo “record”, o primeiro trecho eletrificado, do Largo de Madureira à Rua Lima Drummond, e no dia 12 de outubro, o trecho final até à praça de Irajá.
O melhoramento foi recebido com o maior entusiasmo pelos moradores dos subúrbios, pois os bondinhos de burros já não satisfaziam às necessidades do público. A linha estava em péssimo estado e, constantemente, os passageiros dos pequenos veículos, puxados por muares esqueléticos e famintos, tinham que saltar para repor os carros nos trilhos, de onde, com facilidade, saíam novamente…
A fotografia mostra um desses bondes, que foram os últimos de tração animal a desaparecerem do Rio de Janeiro.
Nota do Editor
- ↑ Atual Estação Mercadão de Madureira.
Fonte
- Dunlop, Charles Julius. Rio Antigo. 3ª Tiragem ed. Rio de Janeiro: Editora Rio Antigo, 1963. (Composto e impresso na Gráfica Laemmert, Ltda.).
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