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Rua Direita, por Charles Julius Dunlop

Rua Direita em 1905
Rua Direita em 1905

A TORTUOSA “rua Direita, que vai da Misericórdia para São Bento” (mais tarde, simplesmente “rua Direita”), desde o dia 1.º de março de 1870 passou a denominar-se “Primeiro de Março”, em memória da data da terminação da Guerra do Paraguai.

No começo do século XVII, nada mais era que um caminho à beira-mar, que ia “direito” do bairro da Misericórdia ao morro de São Bento.

Depois, foi o local preferido pelos mercadores de escravos, diante da comodidade no recebimento das cargas negreiras, que, saídas da Alfândega, ali aguardavam destino para os engenhos e fazendas.

Posteriormente, e até meados do século passado, foi uma das ruas mais movimentadas da cidade. Um viajante holandês, que publicou em Amsterdam o “Journal d’un voyageur sur les côtes d’Afrique et aux Indes d’Espagne”, afirmou que a rua Direita, no ano de 1705, constituía, por si só, metade da cidade do Rio de Janeiro.

A fotografia, tirada em 1905, mostra o trecho conhecido por “Carceller”, ponto inicial das linhas de bonde a tração animal da antiga Companhia de Carris Urbanos. Essa denominação originou-se da popular confeitaria do mesmo nome que aí existiu por volta de 1860, pertencente à viúva de José Tomás Carceller.

O estabelecimento fora, em 1843, o Hotel do Norte, do italiano Antônio Francioni (pioneiro dos sorvetes e precursor das “terraces” com pequenas mesas e bancos nas calçadas das nossas ruas), transformando-se, em 1875, no Hotel do Globo, famoso pelos banquetes que se realizavam no segundo andar.

Qualquer dos trés estabelecimentos foi, no seu tempo, o ponto “chic” da elegância carioca. Francioni, além da sua seleta freguesia, era fornecedor de sorvetes e refrescos à Casa Imperial; a Confeitaria Carceller, ponto obrigatário dos leões da moda, dos altos dirigentes da política e da administração pública e também de exibição do feminismo elegante, e o Hotel do Globo, local onde se realizavam, os mais concorridos banquetes e onde os homens mais notáveis nas ciências, letras, diplomacia, artes e indústrias preferiam fazer as suas refeições. Foi a cozinha mais afamada do Rio de Janeiro, ali comparecendo toda a elite da nossa sociedade pela época.

Do lado direito da fotografia, na esquina da rua do Ouvidor, vê-se a igreja da Santa Cruz dos Militares, antiga capela de Vera-Cruz, edificada sobre as ruínas do fortim de Santa Cruz, levantado em 1605 por Martim Corrêa de Sá para defesa da cidade.

O edifício de mármore contíguo à igreja dos Militares, ocupado hoje pelo Tribunal Eleitoral, é dos últimos dias do século XIX. Foi projetado pelo arquiteto Paulo Schroeder para servir de sede do Banco do Brasil.

Segue-se o casarão do Correio (na esquina da rua do Rosário), construído em 1878, segundo projeto do Dr. Antônio de Paula Freitas. Custou aos cofres públicos 1.688:000$000, inclusive desapropriações.

No canto à esquerda, nota-se a esfera do Hotel do Globo, suspensa na fachada do antigo prédio n.º 9.

“Foi nessa rua — escreveu o historiador Ferreira da Rosa — que o Rio de Janeiro viu traçadas as primeiras linhas da sua grandeza; aí se soletrou a história fortunosa do desenvolvimento desta metrópole; cada prédio atual é quarta, quinta ou sexta reconstrução da barraca primitiva; cada reconstrução foi levantada sobre ruínas de outra que, ao abater, sepultou em bolores e caliça as memórias cômicas e dramáticas da longa e agitada vida colonial”.

Fonte

  • Dunlop, Charles Julius. Rio Antigo. 3ª Tiragem ed. Rio de Janeiro: Editora Rio Antigo, 1963. (Composto e impresso na Gráfica Laemmert, Ltda.).

Veja também

Mapa – Rua Primeiro de Março – Antiga Rua Direita (começa na Praça XV de Novembro e termina na Ladeira São Bento)