Largo de Santa Rita, por Charles Julius Dunlop

O LARGO de Santa Rita, antigo sítio do Valverde ou do Vila Verde, foi outrora cemitério de escravos, conhecido pelo nome de “Cemitério dos Pretos Novos”.
No vice-reinado do marquês do Lavradio (1769-1779), foram terminantemente proibidos os sepultamentos ali. É que, já deficiente o seu espaço, abusavam alguns senhores de escravos, mandando abrir covas até fora do campo-santo, nelas lançando os cadáveres.
Durante alguns anos, uma guarda de soldados da tropa de linha fazia sentinela no cemitério, a fim de impedir tais abusos.

Narra o historiador Moreira de Azevedo que, certa noite, três homens de braço dado aproximaram-se do local e se ajoelharam. Depois de algum tempo, retiraram-se dois e um ficou de joelhos. A sentinela, vendo que este permanecia muito tempo naquela posição, aproximou-se e lhe ordenou que se levantasse. Não teve resposta. Fez-lhe nova observação. Nada. Bateu-lhe no ombro, mas com esse movimento o “devoto” rolou no chão, Examinando-o, verificou o soldado que se tratava de um cadáver que os dois embuçados haviam ali deixado…
Ainda a propósito de enterros em Santa Rita, contaram a Vieira Fazenda o seguinte episódio: um boticário da vizinhança possuía um macaco, notável por suas habilidades. Um dia morreu o símio e o seu dono, inconsolável, entendeu de sepultá-lo na igreja. A peso de ouro aliciou o sacristão e o sineiro e o animal foi sepultado, tal como se fosse gente, e, o que é mais, teve dobre de finados. Descoberto o engôdo, o povo alvoroçou-se, querendo “chegar a roupa ao corpo dos profanadores”. Interveio a polícia, o boticário fugiu e o macaco foi exumado e atirado numa carroça de lixo.
A fotografia destacada mostra o largo de Santa Rita, antes do alargamento da rua Visconde de Inhaúma (que se vê em frente), iniciado em 1904 e concluído em 1905. O prédio de dois pavimentos, na esquina dessa rua, foi onde João Soares Lisboa montou uma tipografia para imprimir o seu periódico “Correio do Rio de Janeiro”, substituído, em 1824, pelo “Spectador Brasileiro”.
A demolição à direita, no primeiro plano, é do prolongamento da avenida Marechal Floriano, desde a rua Uruguaiana, obra essa também executada na administração do prefeito Francisco Pereira Passos.
No centro desse largo existiu até 1825 um cruzeiro de pedra; depois, em 1842, um chafariz, que foi substituído em 1884 pela fonte de ferro que se vê a´ esquerda do quiosque.
Do passado, resta somente a vetusta igreja paroquial de Santa Rita de Cássia, construída, no começo do século XVIII. No chão desse templo dormem o sono eterno seus fundadores, o selador-mor da Alfândega, Manuel Nascentes Pinto, e sua esposa d. Antônia Maria Nascentes Pinto.
A Santa Rita que está no nicho dessa igreja é a antiga imagem venerada pelos Nascentes Pinto. É ela de roca e, segundo ainda Moreira de Azevedo, possuía uma cruz de ouro de grande valor, um resplendor também de ouro e uma palma com três corôas de pedras preciosas, indicando os três estados da Santa: solteira, casada e viúva. Todos os anos, a 13 de maio, a imagem ia para a casa dos Nascentes; as joias eram entregues a um ourives de confiança, para limpar, e, vestida a imagem, voltava ricamente adornada para a igreja no dia 21, a fim de assistir à última novena de sua festa. Mas, em certo ano, foram roubadas todas as alfaias da Santa.
Há na torre dessa igreja um sino, em cuja circunferência se pode ler a seguinte curiosa inscrição: “De Santa Rita fui — De Santa Rita sou — O Sr. Capitão Mor — Me reformou”. O capitão-mor que mandou consertar este sino chamava-se José da Mota Pereira.
Fonte
- Dunlop, Charles Julius. Rio Antigo. 3ª Tiragem ed. Rio de Janeiro: Editora Rio Antigo, 1963. (Composto e impresso na Gráfica Laemmert, Ltda.).
Veja também
Mapa - Largo de Santa Rita