Largo da Carioca, por Charles Julius Dunlop
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O LARGO da Carioca é um dos mais antigos logradouros da cidade. O local era antes um brejal em que viviam jacarés, conhecido pelo nome de Lagoa de Santo Antônio, que se estendia até ao Campo da Ajuda (hoje Praça Floriano, na Cinelândia).
“Esta lagoa – informa Alexandre José de Mello Morais – foi aforada em 9 de janeiro de 1610 por Antônio Felipe Fernandes, pela quantia de 1$500 por ano, onde seu pai, havia 35 anos, curtia couros, para nela lavar o seu pelame, pois estando toda devoluta, só servia para nela se banharem os gentios”.
A denominação “Carioca” provém do chafariz que ali existia, abastecido com as águas do rio Carioca. A palavra é de origem tupi, divergindo os autores sobre a sua etimologia, que para uns significa: “Casa d’água corrente”, “Casa da Fonte”, “Casa do Branco”; para outros, “Água corrente da pedra”, “Água saída do mato”, “Mãe d’água”, e ainda para outros, “Casa dos Carijós” e “Morada dos peixes acaris”.
Na encosta do morro de Santo Antônio, quase na esquina da atual Rua da Carioca, esteve outrora um forte, voltado para a baía, “para defender o povoado das invasões estrangeiras”. Houve também, nesse sítio, um cemitério de escravos.
A fotografia que apresentamos é de 1898. Vê-se, em frente, a esquina da Rua da Guarda Velha (hoje Treze de Maio) com a de Santo Antônio. Esta última desapareceu completamente, quando foi aberta a Avenida Rio Branco e construído o edifício da “Galeria Cruzeiro” (onde foi o Hotel Avenida), dando lugar à Rua Bitencourt da Silva, um pouco mais adiante.
Ainda em frente, vê-se o Chafariz da Carioca, com 40 torneiras (36 para barris e 4 para pipas), com uma capacidade de derrame de 1.540 pés cúbicos d’água por hora, suficiente para encher 20.870 barris por dia. Foi o terceiro chafariz levantado naquele local: o primeiro, com 12 bocas de bronze, foi construído em 1723, no governo de Aires de Saldanha; o segundo – provisório e de madeira, com 40 bicas – em 1830; e o último, todo de granito, sem qualquer motivo ornamental, mais parecendo uma pesada muralha ou casa de pedra, foi inaugurado no dia 2 de abril de 1834. Durou quase um século, pois foi demolido em 1925-1926, na administração do Prefeito Dr. Alaor Prata.
À direita, vê-se a fachada do casarão da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, cujo pavimento térreo era ocupado por diversas lojas e armazéns, e os andares superiores pelo Hospital da Penitência. Sua construção foi iniciada em 1748. O velho edifício sobreviveu até 1906.
A entrada do Hospital fazia-se por um portão que ficava próximo ao Chafariz, onde se erguiam duas pilastras, sobre as quais repousavam as estátuas da Fé e da Caridade, com 2,20m de altura. No portão começava uma escadaria que dava acesso ao Hospital e em cujo alto foi erigida uma coluna de mármore branco de Lisboa, em memória do modesto tamanqueiro Luiz de Figueiredo e de sua mulher, fundadores da Ordem Terceira no Rio de Janeiro, em 1619. A coluna, que foi inaugurada no dia 9 de julho de 1876, ainda lá se encontra.
No fim da escadaria, seguindo-se para a esquerda, ia ter-se ao Convento de Santo Antônio (unido à Igreja do mesmo Convento) e à Igreja de São Francisco da Penitência.
Em baixo, junto ao portão de entrada do Hospital, ficava uma casa de duchas, o necrotério e o frequentadíssimo “Bar do Necrotério” ou “Chopp dos Mortos”, como era conhecido.
Àquele tempo, faziam a volta no largo da Carioca os bondes da Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico, que ali mantinha uma pequena estação-depósito, em cuja porta um “agente” dava saída aos carros por meio de apito.
Fonte
- Dunlop, Charles Julius. Rio Antigo. 3ª Tiragem ed. Rio de Janeiro: Editora Rio Antigo, 1963. (Composto e impresso na Gráfica Laemmert, Ltda.).
Mapa – Largo da Carioca