Iluminação a Óleo de Baleia, por Charles Julius Dunlop

EM 1763, quando o Rio de Janeiro se tornou capital do Brasil e residência dos Vice-Reis portugueses, em substituição à cidade do Salvador, na Bahia, a sua iluminação era precaríssima. Consistia, unicamente, nos lampadários suspensos na frente de alguns edifícios religiosos, bem como nos nichos e oratórios murais que ornavam as esquinas das ruas, em que se acendia, à noite, um candeeiro de óleo de baleia ou uma vela de cera, e diante dos quais os devotos rezavam o “terço” e a “ladainha”’, até começarem as rondas dos quadrilheiros.
Era lúgubre, pois, o aspecto das ruas, nas noites em que não houvesse luar. O povo recolhia-se cedo e, ao anoitecer, fechavam-se quase todas as casas. Sendo as vias de comunicação tortuosas, estreitas, escuras e sem calçamento, tornava-se mesmo perigoso o trânsito noturno, especialmente nos logradouros desprovidos dos lampiões dos nichos. Quem tivesse necessidade irremediável de sair em noite que não fosse de luar, se possuísse escravos, destacava um para, de archote em punho, alumiar o caminho.
Passaram-se os anos e, apesar das novas ruas abertas ao trânsito público e da maior aglomeração humana na capital da Colônia, não cogitava o Governador, nem o Senado da Câmara, de dar iluminação condigna à cidade.
Somente em 1794, no vice-reinado do Conde de Rezende, é que este melhoramento veio a ser subsidiado pelos cofres públicos: cem lampiões a azeite de peixe foram instalados para iluminar a parte da cidade compreendida entre a rua Direita (atual Primeiro de Março) e o Campo de Santana (praça da República).
Mas tal sistema de iluminação era deficientíssimo, não só pela fraqueza da luz, como pelo grande espaçamento entre os lampiões — quatro nas ruas de maior movimento e dois nas de menor importância.
Em 1808, quando a Corte portuguesa se transferiu para o Brasil, criou-se aqui o lugar de Intendente Geral de Polícia, tal como existia em Portugal. A primeira nomeação recaiu no desembargador e ouvidor-geral do crime, Paulo Fernandes Viana, que tratou de dotar a cidade com os melhoramentos que a tornassem digna da categoria política a que o destino a elevara.
A iluminação pública, que também lhe estava afeta, tornou-se, desde logo, objeto de sua atenção, por ser de grande importância para o policiamento. Procurou, assim, melhorar este serviço, circundando de lampiões o Paço Real (atual edifício dos Correios e Telégrafos, na praça Quinze de Novembro) e o palácio da Quinta da Boa-Vista, distribuindo-os, além disso, pelas principais praças e ruas da cidade, inclusive no Caminho do Aterrado, que conduzia a este último palácio. Por este logradouro, levantou umas colunas de pedra distantes cem passos umas das outras, nas quais foram suspensos grandes lampiões por varões de ferro. Daí a denominação de “Caminho das Lanternas”, como, durante muitos anos, ficou também conhecida a antiga rua Senador Euzébio.
Mas era assaz imperfeito o sistema de execução desse serviço. Os vidros dos lampiões, embaciados e turvos, mal refletiam uma luz mortiça e avermelhada do óleo de baleia. Acendiam-se tarde e apagavam-se cedo os lampiões. Os acendedores eram escravos que dormiam ao relento, pelas calçadas, trazendo o corpo e a roupa sempre besuntados de óleo, o que constituía um dos mais tristes espetáculos da cidade. Quando a folhinha anunciava luar, ainda que chovesse ou a noite se apresentasse escura e negra, não havia iluminação. Conservavam-se apagados os lampiões e a cidade ficava em trevas, porque ninguém queria saber se a lua afinal aparecera ou não…
A fotografia mostra o oratório que iluminava a esquina das ruas da Alfândega e Regente Feijó. Relíquia dos tempos imemoriais da cidade, contava quase dois séculos, quando foi demolido em 1906.
Fonte
- Dunlop, Charles Julius. Rio Antigo. 3ª Tiragem ed. Rio de Janeiro: Editora Rio Antigo, 1963. (Composto e impresso na Gráfica Laemmert, Ltda.).
Mapa – Esquina das ruas da Alfândega e Regente Feijó