Antigos Cais e Largo do Valongo, por Charles Julius Dunlop

No dia 23 de julho de 1843, quando os fiéis súditos do Imperador Dom Pedro II se apinhavam no Paço (atual depois edifício do Departamento dos Correios e Telégrafos e atual Paço Imperial, na Praça Quinze de Novembro), “para depositar aos pés do trono as suas leais e fervorosas homenagens pelo solene aniversário da maioridade de Sua Majestade”, entrou no porto um paquete inglês, trazendo a bordo um emissário com importantíssima notícia: o casamento do nosso monarca com Dona Teresa Cristina Maria de Bourbon, filha de Francisco I, Rei das Duas-Sicílias e irmã mais moça do Rei de Nápoles e da Grã-duquesa de Toscana. O contrato de casamento fora assinado, por procuração, em Viena, aos 30 de maio, respondendo pelo noivo o Príncipe Dom Leopoldo de Bourbon, Conde de Siracusa.
No ano seguinte, a 5 de março, partia para Nápoles a fragata “Constituição”, a fim de buscar a Imperatriz do Brasil.
A sua chegada ao Rio de Janeiro, no dia 3 de setembro de 1843, foi um acontecimento memorável:
À tardinha, quando a “Constituição” apontou na barra, seguida por três corvetas e uma nau, salvaram todas as fortalezas e vasos de guerra nacionais e estrangeiros surtos no porto.
Assim que fundearam os navios, Dom Pedro II compareceu a bordo para beijar a mão daquela que já era sua mulher, retirando-se às 8 horas da noite.

Na manhã seguinte – conta Roberto Macedo – a baía do Rio de Janeiro apresentava imponente aspecto. Embarcações embandeiradas, repletas de curiosos, formavam alas, desde a esquadra até o cais de desembarque.
Às 10h15min, uma corveta brasileira anunciou, por meio de um tiro de canhão, que Dom Pedro e sua irmã Dona Januária acabavam de partir do Arsenal para receber a Imperatriz.
Dona Teresa Cristina desembarcou com alguma dificuldade – é ainda Roberto Macedo quem informa – porque um defeito apenas perceptível (ligeiro arqueamento das pernas) não lhe permitia locomoção fácil.
No cais, tudo festivo. Flores, folhagens, retratos dos augustos noivos, arcos artísticos, povo em quantidade e alas de tropas, que começavam ali e iam terminar no Rossio Pequeno (atual Praça 11 de Junho).
A Imperatriz e Dona Januária seguiram na frente, em ricas carruagens; depois o Imperador e seu cunhado, irmão de Dona Tereza, Dom Luiz de Bourbon, Conde de Áquila (mais tarde consorciado com Dona Januária), e imenso cortejo de fanfarras, piquetes, arautos, vereadores, coches, ao longo da Rua do Valongo (atual Rua do Camerino), em direção à Capela Imperial (Catedral)[1], onde o bispo capelão-mor procedeu à cerimônia da benção. A seguir, recepção na sala do trono do Paço da cidade. Finalmente, novo cortejo até o palácio da Quinta da Boa Vista.
A fotografia destacada, tirada por Augusto Malta, mostra os antigos cais e largo do Valongo, onde desembarcou Dona Teresa Cristina. O modesto largo fora, pouco antes, embelezado por Grandjean de Montigny, transformando-se na primeira praça monumental do Rio de Janeiro. Vê-se, ao centro, o velho chafariz, formado de uma coluna de granito sustentando no ápice as armas da cidade. O cais (onde é hoje o Armazém 3, na Avenida Rodrigues Alves) fora ornado com quatro estátuas de mármore e dois golfinhos de metal.
Após o desembarque, tanto o cais como o largo passaram a se chamar “da Imperatriz”, nome que se estendeu à atual Rua do Camerino.
Com o correr dos anos, desapareceu o jardim, o chafariz em torno da coluna e o próprio cais. O largo ficou sendo a Praça Municipal, mudada depois para Praça Barão de Tefé e, desde 1925, incorporada à avenida deste nome.
Como lembrança, resta ali unicamente, a velha coluna de pedra, triste e abandonada, sem uma inscrição, sem uma data sequer.
Nota do Editor
- Atual Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé.
Fonte
- Dunlop, Charles Julius. Rio Antigo. 3ª Tiragem ed. Rio de Janeiro: Editora Rio Antigo, 1963. (Composto e impresso na Gráfica Laemmert, Ltda.).
Mapa - Cais do Valongo