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Sabará e Morro Velho, por Hermann Burmeister

Mina de Ouro Morro Velho : Município de Nova Lima, de Domingues, Alfredo José Porto; Jablonsky, Tibor, 1954. Acervo digital do IBGE.
Mina de Ouro Morro Velho : Município de Nova Lima, de Domingues, Alfredo José Porto; Jablonsky, Tibor, 1954. Acervo digital do IBGE.
Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, S. John Del Rey Mining Company, Morro Velho,
Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, S. John Del Rey Mining Company, Morro Velho, Disponível na Brasiliana Fotográfica Digital

Até Agostinho de Campos a estrada seguia a margem leste do Rio das Velhas, passando depois para a oposta. Deste lado, tivemos de atravessar um terreno bastante pantanoso e perigoso em conseqüência dos transbordamentos do rio. No fim dessa planície, o caminho afastava-se do rio, que nesse lugar descrevia uma grande curva para leste, passando após por um monte muito alto e íngreme.

A marcha até o alto era bastante penosa, mas valia a pena pela bela vista que de lá se tinha: descortinava-se o arraial de Congonhas, com os grandes edifícios de um branco imaculado pertencentes à companhia inglesa de Morro Velho. Não me lembro de vista mais bela sobre um núcleo de habitações humanas em todo o Brasil, e seria superior ainda à própria vista de Mariana se o largo Rio das Velhas banhasse a paisagem. Mas o rio ficava atrás da montanha, em cima da qual nos achávamos, e a meia légua de Congonhas. Descemos vagarosamente até a aldeia e, ao pé da montanha atingimos as primeiras casas, que ficavam à sombra de magníficas macaúbas. Já no vale, transpusemos o ribeirão de Congonhas, de águas espumejantes. Do outro lado do rio, as casas apresentavam muito melhor aspecto. Alcançamos a praça principal, onde havia uma igreja de madeira, e foi numa das casas dessa praça, na residência do Sr. Florentino de Oliveira, que encontramos hospitalidade.

Congonhas, que ainda conserva o nome de Sabará, a fim de diferenciar-se de Congonhas do Campo, na estrada entre Ouro Preto e São João Del Rei (123), é um dos poucos lugares de Minas que não estão em decadência, mas antes em pleno florescimento, o que se deve à companhia inglesa sediada em suas vizinhanças. A aldeia tem perto de 1.500 almas e entre elas algumas famílias brancas muito respeitáveis, as quais cheguei a estimar bastante durante a estadia de três meses que, mais tarde fui forçado a fazer nesse lugar. Além da matriz, existem ainda duas capelas, uma a de Nossa Senhora do Rosário e outra a de Santa Luzia; a primeira fica no alto de uma colina, enquanto que a última se encontra ao lado da ponte que se atravessa para entrar na aldeia. A importância do lugar acentua-se pela existência de uma farmácia, duas lojas, onde se compra toda espécie de mercadorias, e grande número de vendas. Os habitantes fazem comércio local, que, devido ao grande número de operários da companhia inglesa, é bastante movimentado. Entre os trabalhadores, encontrei cinco alemães, todos eles muito amáveis e atenciosos, que, durante minha prolongada estada em Congonhas, me cumularam de atenções e gentilezas. Não devo deixar de mencionar aqui os nomes desses meus compatrícios, movido pelo desejo de lhes dar público testemunho de minha gratidão e da lembrança afetuosa que deles guardo; são eles os Srs. Joseph Hausberger e Jacob Praxmeier, do Tirol; Karl Gehricke e Joseph Bergershausen, do Harz, todos os quatro mineiros a serviço da companhia, e, finalmente, o jardineiro Heinrich Siebenhaar, de Posen, que ali se encontrava havia pouco. Aos dois primeiros devo muitos favores pelos serviços com que souberam aliviar minha dolorosa situação, mostrando sempre, com seus gestos altruísticos, o quanto me souberam estimar.

Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, English Village, Morro Velho,
Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, English Village, Morro Velho, Disponível na Brasiliana Fotográfica Digital

Conheci o Sr. Hausberger logo após minha chegada a Congonhas, num dos passeios pela localidade. Fui até Morro Velho, que distava cerca de meia hora dali e onde se encontrava, ao lado dos edifícios da companhia, a verdadeira mina, e tive ocasião, nesta visita, de observar detidamente todas as instalações. Meu companheiro deu-me as necessárias informações durante a visita e serviu-me de guia através do estabelecimento, na medida em que sua posição permitia. O Sr. Hansberger era fiscal-mor de uma das usinas e, conforme ouvi de seus superiores, era também homem de grande competência. Em companhia do Sr. Praxmeier, que trabalhava, noutra dependência, passei muitas horas entretido em agradáveis conversações, todas elas sobre a mina e seus trabalhos, palestras essas que iam até altas horas da noite.

Morro Velho fora uma pequena fazenda pertencente a D. Ana Correia da Silva, no tempo em que von Eschwege viveu no Brasil e ocupava já nessa ocasião sete trituradores com ótimos resultados. (124) A propriedade passou depois às mãos do padre Freitas (125), que a vendeu à companhia inglesa, que se estabeleceu nessa região quando adquiriu as minas de Gongo Soco, as quais, entretanto, não deram de começo, resultados satisfatórios. (126) Mas a atual propriedade compensou plenamente as perdas iniciais e a sociedade anônima hoje existente, cujas ações estavam a 10£ quando lá cheguei, já as vendia a 21£ quando eu ainda estava em Congonhas, o que provava a grande prosperidade e a eficiência dos trabalhos, pois a cotação das ações ao se iniciarem os trabalhos era de 7£ apenas. As instalações todas estão na vertente sul de uma montanha a cujos pés corre o ribeirão do Morro Velho (127), que se junta ao ribeirão de Congonhas, afluente do Rio das Velhas. Como já disse, é na elevação entre estes dois ribeirões que se assenta o arraial de Congonhas, mas este ocupa somente uma parte dela. Uma grande extensão da vertente norte da montanha, suavemente inclinada para o ribeirão do Morro Velho, é ocupada pelos edifícios da companhia e pelo grande pomar que a mesma possui. Neste, encontramos os mais belos espécimes de legumes europeus, prova de que no Brasil se poderia cultivar esses legumes em grande abundância, desde que se dispensassem o devido cuidado e tempo a esta tarefa.

Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, Entrada da mina do Morro Velho,
Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, Entrada da mina do Morro Velho, Disponível na Brasiliana Fotográfica Digital

No dia seguinte, visitei o diretor da companhia, o Sr. G. D. Keogh, um irlandês, que me recebeu com grande amabilidade e convidou-me para almoçar, deixando-me bastante constrangido, pois meu traje não era apropriado para esta circunstância. As senhoras da família, a esposa e três filhas, não tiveram, por certo, a melhor das impressões de minha pessoa quando me viram entrar com meu chapéu cinzento de feltro, terno azul-claro de viagem e uma camisa, que, embora limpa, não era muito própria. Mas como eu já lá estava, não tive outra coisa a fazer senão aceitar o convite e tomar parte na farta refeição, que, à moda inglesa, consistiu de uma variedade de carne fria, pastéis, chá e café. Esperei com ansiedade o fim da refeição. Não deixa de causar sensação curiosa o fato de uma pessoa encontrar-se, depois de vários meses de contacto com a classe baixa da população brasileira, na convivência de uma família inglesa, que vive rodeada de todo o conforto. Confesso que me senti um tanto deslocado e que minha conversa não deve ter sido das mais interessantes, o que explico, em parte, pela precariedade do meu inglês, bastante para me fazer compreender, mas nunca para manter uma conversação contínua e atraente, capaz de agradar às senhoras. Pediram-me notícias da Alemanha e perguntaram-me o que se passava com os alemães, que, de pacíficos e ordenados, como sempre o foram, se achavam transformados em turbulentos revolucionários. Seria muito difícil explicar a um inglês, que ignora a pressão sob a qual se vive em nossa pátria – pois os ingleses desconhecem por completo a situação que pesa sobre a Alemanha – as causas da rebelião de 1848, e por isso limitei-me a dizer que a calma e a ordem imperavam novamente na Alemanha e que nada havia que constituísse ameaça à segurança da Europa.

As instalações da mina do Morro Velho, que visitei acompanhado do inspetor, Sr. Candiland, são as melhores que existem e constituem um padrão de organização e trabalho racional. Antes, porém, quero referir-me brevemente à situação geognóstica do ouro aí. A mineração do Morro Velho é feita sobre uma base de micaxisto de ferro aurífero, que se encontra acamada no Itacolumito, argilosa e de cor castanho-avermelhada. Esta camada atinge uma profundidade de 7 a 8 braças e inclina-se, como todas as formações rochosas dessa região, num ângulo de 45.° para sudeste. O depósito é muito forte e consiste principalmente de micaxisto misturado em proporções diferentes com pirita, pirita magnética, quartzo e ouro. Uma tonelada de minério contém, em média, quatro oitavas de ouro. Em muitos lugares aparecem espaços vazios na rocha, recobertos de grandes cristais de espato calcário ou de siderito e aglomerações de cristais menores de pirita magnética, micaxisto, etc. O depósito é explorado em três poços bem escavados, os de Saú, Cachoeira e Gambu, cada um com várias galerias. A principal delas segue a inclinação da camada e dispõe de um plano inclinado. O primeiro poço tem a profundidade de 1.200 pés, encontrando-se sob o leito do ribeirão do Morro Velho; o segundo tem 800 pés de profundidade o terceiro 600. O minério é transportado mecanicamente pelos planos inclinados sendo depois conduzido por outro até a boca do poço, onde entra na casa dos pilões, para aí ser trabalhado por escravos, que dão aos blocos a forma conveniente para entrarem nos pilões.

Quando visitei as usinas, havia em ação, nas três diferentes casas, 84 pilões acionados por enormes rodas d’água. Captada nos vales vizinhos, a água corre por uma adutora assentada sobre grandes colunas de ferro. Cada pilão pesa 200 libras e dá de 60 a 70 socos em cada 3 minutos, tratando, assim, 2-1/2 toneladas de minério por dia. Uma vez moído, o minério passa por uma peneira de cobre colocada em frente ao almofariz, sendo depois conduzido pela água por sobre um plano forrado com couros de vaca, couros esses que são substituídos de 2 em 2 horas para a lavagem em grandes baldes. A massa residual, que contém pouco ouro, é captada noutro lugar e concentrada em grandes montões até possuir a necessária porcentagem do metal para a amalgamação. O minério tirado dos couros é logo levado aos amalgamadores. Ali, vêem-se 8 grandes barris, que giram sobre si mesmos, montados num eixo comum, cuja contínua rotação é assegurada por uma roda. Em cada barril colocam-se 16 pés cúbicos do minério vindo dos pilões e cerca de 80 libras de mercúrio, iniciando-se em seguida o movimento de rotação, que dura 30 horas e, se o amálgama não ficar perfeito, mais 10 ou 12 horas ainda. Depois disso, a massa é retirada dos barris, separando-se o amálgama pelo simples processo de decantação em recipientes apropriados. Seguem-se várias operações de limpeza, durante as quais o mercúrio é separado do ouro, que, peneirado, vai ao forno para a fundição. As barras assim obtidas são entregues ao diretor e, cada mês, remetidas em tropas especiais, sob a devida segurança, para o Rio de Janeiro.

Depois de ter visto todas as instalações, inclusive a ferraria, que fornece as brocas e demais ferramentas; a grande carpintaria, onde se constroem as armações, e mesmo o estábulo, instalado à moda inglesa, com grandes tanques para o banho dos animais, indaguei da produção da mina. O lucro mensal montava em 5.000£. No ano de 1850, tiraram-se 2.580 libras-peso de ouro, sendo que o ano então em curso começara prometendo maior quantidade, pois somente os 4 primeiros meses já haviam produzido 1.013 libras-peso. Tal prognóstico, entretanto, não se cumpriu inteiramente, pois as perfurações posteriores deram em muitos lugares vazios do minério desejado ou mesmo ocos, o que diminuiu a produção nos meses seguintes. Os pilões batiam, por mês, 6.000 toneladas de minério, devendo produzir, de acordo com os cálculos da produção anterior, 188 libras-peso de ouro. A média dos 4 primeiros meses referidos, de 253 libras-peso de ouro cada um, não foi, portanto, normal, mas sim extraordinária.

Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, Congado dos Pretos em Morro Velho,
Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, Congado dos Pretos em Morro Velho, Disponível na Brasiliana Fotográfica Digital

O estabelecimento todo está sujeito a um diretor que o rege com plenos poderes dentro das normas da companhia. Seguem-se-lhes, em hierarquia, o tesoureiro, o gerente geral, o padre e o médico, dispondo todos eles de casas amplas e arejadas. Os demais funcionários, tais como inspetores, feitores, fiscais e chefes das diversas instalações e secções, não recebem casa da companhia, mas têm ótimo salário, e a maioria deles era de ingleses ou europeus, que se contavam de 90 a 100 pessoas. Como diaristas, trabalhavam ali uns 300 brasileiros, ocupados não nas minas, mas em vários outros trabalhos à luz do sol. A mina era toda trabalhada por ingleses auxiliados por escravos, o mesmo acontecendo nas várias usinas e oficinas. A companhia possuía perto de 1.000 escravos e escravas, que moravam no alto do morro, em longas filas de casas. Para as suas necessidades espirituais e físicas nada lhes faltava. Tinham capela própria, com um padre católico, cemitério, hospital e farmácia, e banhos públicos, tudo tão bom como num centro europeu adiantado. Os demais funcionários e operários contavam também com serviços médicos e farmacêuticos gratuitos. Mais tarde, tive ocasião de conhecer o médico de Morro Velho, homem muito instruído e afeito ao trabalho e que por várias vezes me visitou durante a minha estadia de três meses em Congonhas.

Às duas horas terminei minha visita à mina e despedi-me do diretor Keogh, recusando agradecido seu convite para o jantar, e continuei minha viagem para Sabará às 3 horas. Passando o ribeirão do Morro Velho, o caminho galgava a montanha rica em ouro em cuja encosta se encontrava Congonhas. De cima, via-se a região dos campos, sendo o fundo constituído pelo morro do Marmeleiro com sua densa floresta. Seguimos pela direita, sempre envoltos em densa nuvem de poeira, pois o movimento aí era intenso, e, a cada passo, encontrávamos uma carreta de bois ou uma tropa, transportando lenha para a mina e para os habitantes dos arredores. Depois de uma hora, chegamos à planície e avistamos, ao lado de um pequeno rio, uma bela fazenda, cuja casa era enfeitada de venezianas verdes, e, mais tarde, uma venda, um rancho e uma ferraria. Estávamos a meio caminho de Sabará e aí a região mudava repentinamente de fisionomia. Entramos, já ao pé do morro do Marmeleiro, nas matas através das quais passava o nosso caminho para atingir as margens do Rio das Velhas. Rente à estrada, havia uma pequena capela. Do outro lado do rio, onde o terreno se apresentava colinoso, estava situada uma aldeia de aspecto muito alegre, com sua igreja branca rodeada de altas macaúbas. A estrada continuava pela margem e, depois de meia hora de viagem, já avistávamos a cidade, disposta como um anfiteatro, alastrando-se atrás do rio volumoso e tendo como fundo os maciços de grandes montanhas. Um quarto de hora antes de atingirmos Sabará, passamos por uma grande fazenda, que, segundo me disseram, pertencia a um médico. Os subúrbios da cidade ficavam já aquém do Rio das Velhas, e eram bem pobres. Uma ponte comprida e em bom estado de conservação levava até a cidade. Parei aí alguns instantes à espera dos meus companheiros, que haviam ficado para trás, e gozei o belo espetáculo do Rio Sabará, que aí se vinha juntar ao das Velhas. A cidade toda, incluindo-se as culturas adjacentes, estendia-se muito mais ao longo das margens do Rio Sabará do que das do Rio das Velhas.

Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, Congonhas de Sabará,
Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, Congonhas de Sabará, Disponível na Brasiliana Fotográfica Digital

A Vila Real de Sabará foi elevada a tal dignidade em 1717. Ao que parece, já existia como uma espécie de colônia, desde 50 anos atrás, quando, em companhia de seu sogro Fernando Dias Paes, que andava à cata de esmeraldas, Manoel Borba Gato se instalou nesse lugar. O ouro foi então encontrado não só aí, mas em toda a Província de Minas. Nunca, porém, Borba Gato admitiu que o grande número de aventureiros que afluiu a essa região nela entrasse e, quando na impossibilidade de assim proceder, ocultou os lugares onde descobrira o ouro e escondeu suas ferramentas. É que, por ocasião da chegada dos paulistas sob as ordens do intendente real Rodrigo de Castelo Branco, surgiu logo uma forte contenda com Borba Gato, que matou aquele funcionário numa briga, fugindo, em seguida, para o Rio Doce, onde se instalou no meio dos índios. Em vão tentaram, após, descobrir o ouro; nada acharam. Resolveram então chamar de volta o fugitivo, prometendo-lhe o lugar de fiscal geral, se indicasse os lugares das minas. Borba Gato aceitou a proposta e, para contento de todos, foi descoberta uma grande quantidade do precioso metal, que logo atraiu grande número de forasteiros, fundando-se assim o primeiro povoado, que hoje tem o nome de Sabará.

Consiste a vila, atualmente, em duas partes: a cidade velha, no vale do Rio Sabará, e a cidade nova, no ângulo da confluência deste com o das Velhas. A primeira é mal construída e habitada por gente de cor; na segunda, a população é mista e as construções são boas, havendo aí grande número de lojas e vendas e bastante movimento. Calcula-se em 6.000 almas e existem cerca de 900 casas. A parte velha é formada por uma longa rua em cujo centro fica a praça principal com a Matriz de Nossa Senhora da Conceição – uma construção antiga, que parece datar do tempo da igreja do mesmo nome existente em Ouro Preto, e profusamente decorada com ouro. Os altares laterais são instalados em pequenas capelas, o que muito aumenta o aspecto agradável e a beleza do conjunto, único do gênero no Brasil inteiro. As telas nela existentes são atribuídas por Saint-Hilaire ao mesmo artista que decorou a igreja de Ouro Preto. Testemunham elas o apurado gosto do seu autor, sendo muito superiores às obras de arte congêneres existentes nas demais igrejas do país. Numa colina ao oeste da parte velha, vê-se o edifício da antiga Intendência Real do Ouro, onde se entregava o quinto de todo este metal ao fisco e onde se fazia a derrama. A ninguém era permitido vender ouro em pó, e unicamente as barras emitidas pelo governo tinham livre circulação, medida essa que visava evitar o contrabando ou facilitar a descoberta do mesmo. Tais restrições, porém, não vigoram hoje em dia. Ninguém pensa em entregar ao controle do fisco o ouro encontrado, que atualmente é vendido ao bel-prazer de cada um. O governo recebe unicamente o imposto do ouro explorado em instalações próprias e os dois por cento da taxa de exportação cobrada aos particulares – prova evidente da decadência da mineração. Abaixo do edifício mencionado, ergue-se a igreja do Carmo, construção de belo aspecto e otimamente situada. Na parte nova (Vila Nova da Barra) existem três igrejas, nenhuma das quais causa impressão ao viajante. Entre elas, há uma cuja construção não foi terminada, chegando apenas à altura dos vãos das janelas. Esta parte da cidade é boa, embora suas ruas sejam tortuosas e bastante íngremes. Foi aí que estive como inquilino de um mulato, dono de uma grande e espaçosa casa e que parecia ser homem de posses. Em frente, numa esquina, havia uma loja que pertencia ao homem mais rico do lugar, um tal Sr. Joaquim José de Meireles Freire, agraciado, durante minha estada naquela cidade, com o título de barão de Curvelho. Outra grande loja, mais para baixo, pertencia ao Sr. Caetano José Coutinho da Fonseca, de quem comprei, mais tarde, a liteira para a minha viagem de volta. Ambos esses homens eram os comerciantes mais importantes da região e importadores de produtos de proveniência européia.

Sabará é a capital da Comarca do Rio das Velhas, que abrange 6 Distritos na região central do rio que lhe dá o nome. Os centros desses Distritos são as cidades de Santa Luzia, Pitangui, Patafúfio, Curvelho e Caeté, com 56 matrizes, das quais apenas uma em Sabará. Ao sul, começa a Comarca do Rio das Pedras, que fica vizinha à de Ouro Preto, e a leste está a de Rio Piracicaba, com a cidade de Mariana. É esta uma das regiões mais populosas de Minas antes de se penetrar no interior, onde a influência européia não se faz sentir. Além da Comarca de Sabará começa o sertão, onde não se encontra nenhuma cidade, mas apenas fazendas esparsas e, raramente, uma aldeia ou povoação sem nenhuma importância. Os lugares mais conhecidos e importantes do norte de Minas, como Diamantina (Tejuco) e Vila do Príncipe (Bom Sucesso), estão fora da cadeia de montanhas, para o leste, e pertencem à região das matas. O sertão é para o brasileiro o que o “far-west”, além do Ohio, é para o norte-americano. A terra incógnita é por ele imaginada através da ignorância e considerada um deserto árido e abandonado, para o qual somente iria em caso de extrema necessidade. O que de lá vem nada significa e quem lá mora não se pode considerar verdadeiramente mineiro. O verdadeiro mineiro, porém, esse sim, pertence aos primeiros povos do mundo – segundo firmemente acreditam nessa Província. Sabará causa, em geral, uma boa impressão, Mais limpa e risonha que Ouro Preto, as casas apresentam-se em melhor estado, sendo mesmo de aspecto elegante, tanto por fora como por dentro. Ao lado das escolas comuns, existia um colégio de latim sob a direção de um homem bastante erudito, a quem Saint-Hilaire já conhecera. Encontrei em Congonhas, como dono de uma loja, o filho desse diretor.

Sabará tem fama de possuir ótimos artífices, especialmente seleiros e peleiros. Eu mesmo possuo um par de botas que lá mandei fazer; o trabalho e acabamento são excelentes, não obstante o couro empregado ser inferior ao europeu, pois é demasiado permeável.

Os arredores de Sabará são mais variados que os de Ouro Preto, o que se deve, em parte, ao rio que os atravessa. (128) Atrás da cidade, levanta-se a alta serra da Piedade, com 5.121 pés (5.460, segundo von Eschwege) acima do nível do oceano. Trata-se de uma cadeia rasa e despida de vegetação, que corre de nordeste para sudoeste até atingir o rio, tomando, de lá em diante, a direção das serras do Curral Del Rei, dos Três Irmãos e Negra, até o Rio São Francisco. Sabará está situada ao pé daquela serra, numa altitude de 2.156 pés (2.295, segundo von Eschwege), ou seja, 200 pés mais baixo do que Mariana e 1.400 mais do que Ouro Preto, sendo a sua temperatura mais elevada e a vegetação mais rica. Em vez das coníferas, há muitas palmeiras, que estendem suas folhas por cima do telhado das casas, e, nas margens das estradas, vemos “Fourcroya gigantea s-foetida” e a “Agave vivípara” a pita ou piteira, com suas folhas grossas e duras e seus caules de 30 pés de altura, cujo verde, sempre vivo, se destaca agradavelmente da terra roxa e da grama de aspecto queimado. Estas plantas enfeitam as encostas secas e quentes com suas coroas de folhas e seus enormes espinhos voltados para todos os lados. Os caules, muito compridos e retos, com suas espigas gigantescas, cuja fibra é muito utilizada, emprestam à paisagem um ar pitoresco, e os cavaleiros são obrigados a desviar-se das pontas de suas folhas, que marginam a estrada. Não é fácil encontrar a planta no meio do campo, sendo, porém, comum, nessa região, perto das habitações humanas. (129)

Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, Morada do Dr. Lund em Lagoa Santa,
Riedel, Augusto, 1836 – ca. 1877, Morada do Dr. Lund em Lagoa Santa, Disponível na Brasiliana Fotográfica Digital

A noite de 11 para 12 de maio foi muito tempestuosa. Depois da meia-noite, uma forte tempestade desabou sobre a cidade e, na manhã seguinte, às 8 horas, chovia ainda. Iniciamos nossa viagem somente às 10 horas, estando o solo já bastante seco. A estrada para Santa Luzia acompanhava o Rio das Velhas e tocava somente no lugar conhecido sob o nome de Vila Nova da Barra. A segunda estrada principal dessa localidade saía em direção nordeste e, passando pela cidade velha, continuava pelo vale do Rio Sabará – cujos tributários cobriam uma área elíptica, entre as serras da Caraça e da Piedade – indo atingir Caeté, onde se bifurcava; o ramo do norte levava a Piedade, Lima, Itabira do Mato a Dentro, etc., para o lado dos tributários do Rio Doce; o do sul, vindo de Congo Soco, seguia para São João do Morro Grande, até Santa Bárbara, localidade essa por onde passava a grande estrada para o norte, que, vinda de Ouro Preto, Mariana, Inficionado (130) e Catas Altas, continuava, passando por Cocais, até Vila do Príncipe e Diamantina. Em Lima, esta grande via encontrava o ramo norte da estrada de Sabará. Se houvesse sido meu desejo ir ao Distrito dos Diamantes, eu teria tomado por esse caminho que levava a Lima; mas eu queria ir a Lagoa Santa, onde morava o Dr. Lund, e, por isso, tomei a estrada de Santa Luzia.

Notas

  1. Auguste de Saint-Hilaire observa, com muita razão, que o nome de Congonhas do Mato a Dentro, usado por von Spix e von Martius (Vol. II, p. 417) não é geralmente adotado.
  2. Pluto Brasiliensis, tabela, p. 308.
  3. Von Spix e von Martius, “Viagem”, II, p. 417.
  4. Pluto Brasiliensis, p. 49 e seg. e p. 311.
  5. No “Jornal Ilustrado”, tomo 12, p. 72, de 1849, encontramos uma descrição superficial, tirada de um jornal inglês, destas minas. Na ilustração principal, vê-se a entrada e várias outras instalações.
  6. Um aspecto da parte sul da cidade encontramo-lo na Prancha 23 da “Viagem” de Rugendas, I Parte. O desenho, que não é completo, mostra-se bastante inexato. Não existem, por exemplo, as barcas do Rio das Velhas, pois no sul de Minas não encontramos navegação de vela.
  7. Emprega-se o cerne mole do caule, integrado por espessos feixes de vasos, para limpar facas. Os índios das Índias Ocidentais escavavam o caule e utilizavam-no para fumar (pitar), e daí o nome de “pita”; com a seiva preparavam eles a sua olorosa bebida denominada “pulque”.
  8. Inficionado. Segundo Ayres do Casal, deve essa paróquia o nome que tem “à quebra do seu ouro, que sendo a princípio mui súbito era ao depois inferior, de sorte que ficou chamando-se ouro inficionado”. (Moreira Pinto, Dicionário Geográfico do Brasil, 2.º, 182). (R.)

Fonte

Veja também

Mapa - Sabará e Morro Velho