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Soneto II

Ao triste estado.

Passa por este valle a primavera,
As aves cantam, plantas enverdecem,
As flores pelo campo apparecem,
O mais alto do louro abraça a hera;

Abranda o mar; menor tributo espera
Dos rios, que mais brandamente descem,
Os dias mais fermosos amanhecem,
Não para mim, que sou quem dantes era.

Espanta-me o porvir, temo o passado;
A magoa choro d’hum, d’outro a lembrança,
Sem ter já que esperar, nem que perder.

Mal se póde mudar tão triste estado;
Pois para bem não póde haver mudança,
E para maior mal não póde ser.

Fonte

  • Cruz, Frei Agostinho da. Obras de Frei Agostinho da Cruz: Conforme a edição impressa de 1771 e os códices manuscritos das bibliotecas de Coimbra, Porto e Évora. Com prefácio e notas de Mendes dos Remédios. Coimbra: França Amado, 1918. 466 p. Subsídios para o estudo da História da Literatura Portuguesa XXI.