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Praça do Comércio, por Moreira de Azevedo

Praça do Comércio - Rua Direita, por P. G. Bertichem - Lithographia Imperial de Eduardo Rensburg, Rio de Janeiro, 1856.
Praça do Comércio - Rua Direita, por P. G. Bertichem - Lithographia Imperial de Eduardo Rensburg, Rio de Janeiro, 1856.

A carta régia de 28 de janeiro de 1808 abriu os portos do Brasil ao comércio das nações; e esse decreto, o primeiro assinado pelo rei de Portugal nos domínios da América, marca o primeiro passo dado pelo Brasil para sua liberdade política.

Já não deviam dirigir-se unicamente a Portugal os navios que saíssem dos mares do Brasil; podiam tocar em outras partes da Europa, permutar os gêneros, e negociar livremente; tinham livres os mares e livre o comércio, que desde então criou asas, e estendeu-se; negociantes estrangeiros vieram estabelecer-se no Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Maranhão e Pará, e cresceram a importação e a exportação.

Se a carta régia de 28 de janeiro libertou o comércio, o alvará de 1 de abril do mesmo ano sancionou a liberdade da indústria, e não estando mais fechados os portos da colônia portuguesa, nem havendo proibição de indústria, podia essa colônia prosperar e enriquecer.

O alvará com força de lei de 23 de agosto de 1808 criou a real junta do comércio, agricultura, fábricas e navegação, para regularizar e favorecer a marcha do comércio e da indústria; e por edital de 27 de julho de 1809 foi esse tribunal autorizado a conceder prêmios às pessoas que aclimatassem nos domínios portugueses árvores de especiaria da Índia, introduzissem a cultura de outros vegetais quer indígenas, quer estrangeiros, úteis à pátria e a terapêutica, e a honrar com medalhas àqueles que se distinguissem em qualquer ramo industrial, ficando isentos do recrutamento para a tropa de linha, e do serviço das milícias.

Em 1800 contava a Praça do Rio de Janeiro 84 negociantes; em 1807, 126; em 1811, 207 portugueses e 65 ingleses, e em 1817 278 portugueses, 105 ingleses e 8 franceses.

Casa França Brasil no prédio da Praça do Comércio
Casa França Brasil no prédio da Praça do Comércio

Crescendo o número dos negociantes se aumentara o movimento comercial, o giro das transações, e havendo necessidade de um edifício, onde os comerciantes se reunissem, deu-se começo, em 11 de junho de 1819, a uma Praça de Comércio, de cujo desenho encarregou-se o arquiteto Grandjean de Montigny, e da administração da obra o comendador José Marcelino Gonçalves.

Rápida correu a construção, de sorte que em menos de um ano estava quase concluído o edifício, que abriu-se em 13 de maio de 1820, no aniversário natalício de Dom João VI.

Em 14 de julho o rei, acompanhado de seus filhos, visitou a praça; desembarcando de sua galeota em uma ponte de madeira, que se construíra para esse fim, percorreu todo o edifício que estava iluminado com profusão, e com guarda de honra à porta; aceitou uma refeição que os negociantes lhe ofereceram, e ausentando-se, negociantes e convidados fizeram, ao som da música, muitos brindes ao comércio, ao monarca e a família real.

Foi um dia de festa, de regozijo, e de alegria; porém decorridos pouco mais de nove meses, houve nesse mesmo recinto uma cena de tumulto, e de sangue.

Se em 14 de julho negociantes e povo receberam o rei ao som de vivas e aclamações, mostrando-se humildes e submissos, em 20 de abril de 1821, nesse mesmo lugar, o povo e os eleitores procuraram resistir às ordens da realeza; e em vez da tranquilidade, do prazer e da harmonia de 1820, houve agitação, anarquia e despeito.

Publicaram-se em 7 de março de 1821 o decreto anunciando a volta de Dom João VI para Portugal e as instruções para a eleição dos deputados às cortes de Lisboa.

Até então haviam os Portugueses tomado a precedência nos acontecimentos políticos, mas, tratando-se de eleição, julgaram os Brasileiros que deviam reagir.

Causara sensação na cidade a notícia do regresso da corte para os domínios europeus, e a câmara dirigira ao trono uma representação dos negociantes e proprietários da cidade pedindo a ficada de Dom João VI que, em aviso dirigido à municipalidade em 31 de março, agradeceu declarando que não era possível com a maior mágoa de seu coração anuir ao desejo dos representantes.

Concluída a eleição paroquial o desembargador ouvidor da comarca convocou os eleitores, na Praça do Comércio, em 20 de abril, sábado de aleluia, para lhes comunicar o decreto de 7 de março.

Na manhã do mesmo dia houvera no salão do Teatro de São João, hoje de São Pedro, uma reunião de tropa da primeira e segunda linha, que jurara amor e obediência ao rei.

Procederam os eleitores por escrutínio secreto ao processo da votação, com toda calma e sossego; mas quando leu o presidente os nomes dos novos ministros, que deviam ficar com o príncipe Dom Pedro no Brasil, levantaram-se alguns exaltados, protestando contra alguns desses ministros, e exigindo que se proclamasse a constituição espanhola de 1812, que talvez poucos a conhecessem. O presidente assustou-se com a atitude que tomou a discussão, consultou a assembleia, que condescendeu com os demagogos, entre os quais estavam o Padre Macamboa e um jovem de origem francesa, porém nascido em Lisboa, chamado Luiz Duprat, acérrimo partidário das ideias de Marat e Robespierre. [1]

Lavrada a ata do juramento àquela constituição, nomeou-se uma comissão de cinco membros para ir a São Cristóvão intimar ao rei a vontade do povo, e também para ordenar-lhe que fizesse desembarcar dos navios, que deviam levá-lo a Lisboa, os cofres públicos pertencentes ao Brasil.

A noite mostrava-se tempestuosa; espalhavam-se boatos que a tropa estava em armas nos quartéis, e que o rei embarcava naquela mesma madrugada; inflamados achavam-se os espíritos. A assembleia que continuava em discussão agitadíssima exigiu que o comandante das armas enviasse ordens às fortalezas para impedirem a saída de qualquer embarcação, quer mercante, quer de guerra, nacional ou estrangeira, e foram intimar essa ordem o coronel José Manoel de Moraes e o tenente-coronel Joaquim Xavier Curado. Era meia-noite quando entrou na Praça do Comércio a deputação de volta de São Cristóvão, e no meio do silêncio geral um dos eleitores leu o seguinte decreto, que nesse mesma noite havia sido impresso:

“Havendo tomado em consideração o termo de juramento que os eleitores paroquiais desta comarca, à instâncias e declaração unânime do povo dela, prestaram à constituição espanhola, e que fizeram subir à minha real presença, para ficar valendo interinamente a dita constituição espanhola desde a data do presente decreto até à instalação da constituição, em que trabalham as cortes atuais de Lisboa, e que eu houve por bem jurar com toda a minha corte, povo e tropa, no dia 26 de fevereiro do ano corrente: sou servido ordenar que de hoje em diante se fique estrita e literalmente observando neste reino do Brasil a mencionada constituição espanhola até o momento em que se ache inteira e definitivamente estabelecida a constituição deliberada e decidida pelas cortes de Lisboa. Palácio da Boa-Vista, aos 21 de abril de 1821. Com a rubrica de Sua Majestade.”

Houve estrondosos vivas e aclamações; no entanto compreendeu o governo que a assembleia ultrapassava seus deveres, e que convinha evitar a anarquia que podia rebentar daquele centro demagógico; ordenou que a tropa marchasse para a Rua Direita e intimasse a dissolução do colégio eleitoral.

O comandante das armas, general Caula, penetrou no recinto da assembleia e intimou a ordem; assegurou-lhe o presidente que, finalizada a eleição dos membros do conselho, que na conformidade da concessão régia deveriam ficar assistindo ao príncipe regente, levantaria a sessão; mas às três horas da madrugada de 21 de abril avança para a porta do edifício a 6ª companhia do batalhão nº 3, dá uma descarga de 50 tiros sobre os eleitores, e entrando no salão os soldados carregaram a baioneta calada sobre os cidadãos desarmados. O primeiro que caiu morto foi o negociante Miguel Feliciano de Souza, que achava-se na porta, e repetia o viva a El-Rei nosso senhor levantado pela tropa; o desembargador José Clemente Pereira ficou ferido, o desembargador José da Cruz Ferreira salvou-se a nado, o lente Antônio José do Amaral refugiou-se a muito custo em uma sumaca, outros eleitores ficaram feridos, diversas pessoas do povo morreram, vítimas das balas dos soldados ou afogadas no mar, onde lançaram-se com precipitação procurando fugir.

Os cadáveres foram sepultados na capela do arsenal de marinha, e à casa da Misericórdia veio ter um corpo assaz mutilado, arrojado pelo mar.

Ainda a história não averiguou a quem cabe a responsabilidade desse ato violento e cruel, que consternou toda a cidade, aterrou o povo, produziu a cessação do comércio, e tornou desertas as ruas, as praças, e lugares de recreio.

Pasquins pregados nas esquinas do edifício da praça censuraram o procedimento do governo; em um lia-se – Açougue de Bragança; em outro o seguinte:

Olho aberto,
Pé ligeiro;
Vamos à nau
Buscar dinheiro.

O dinheiro do reino
Sair não deve:
Isto é lei
Cumprir se deve.

Encarregado Dom Pedro por ordem do rei seu pai de providenciar como entendesse sobre a atitude que tomara a assembleia dos eleitores, mandou chamar o general Caula e incumbiu-lhe de dissolver por bem ou por força o ajuntamento da praça; e é de crer que ordens mal executadas, a indisciplina da tropa, e o ódio entre Brasileiros e Portugueses originassem essa cena de sangue e luto.

Depois de ter deixado no edifício da praça uma guarda de granadeiros comandada por um tenente que, passando a inventariar o que se achava no salão, só encontrou alguns móveis e bengalas de paisanos, que largavam à porta quando entravam, retirou-se a tropa às 5 horas, marchando uma brigada composta de soldados portugueses para o Largo do Paço, e outra composta de soldados brasileiros para o do Rocio, onde foram lidos ao meio-dia os decretos do rei anulando tudo que havia feito na véspera, e conferindo ao príncipe Dom Pedro a dignidade e atribuições de regente do reino do Brasil. Na noite de 22 retiraram-se a quartéis a cavalaria e a infantaria, exceto um batalhão de caçadores e um parque de artilharia que ficaram em cada uma daquelas praças; no dia 24 o rei deu beija-mão e dirigiu uma proclamação ao povo e outra ao exército; na madrugada do dia 25 embarcou com sua família na nau Dom João VI, e às 6 horas da manhã seguinte a esquadra real composta de doze navios abriu velas para a Europa.

Se os eleitores reunidos na Praça do Comércio tinham ido além de seus deveres e prerrogativas, também o governo fora precipitado e violento; errou submetendo à consideração dos eleitores o decreto de 7 de março, e foi além do que devia, usando violentamente da força armada, atacando a homens inermes, sem haver empregado antes os meios brandos e persuasivos; praticou um ato de poder absoluto, que cooperou para diminuir a popularidade do rei e exacerbar o ódio entre Brasileiros e Portugueses.

Os negociantes abandonaram o edifício da praça que, durante muito tempo apresentou na fachada os sinais das balas dos soldados portugueses; não quiseram mais reunir-se nesse recinto, onde se derramara o sangue de cidadãos desarmados, e ficou o prédio fechado, ermo e condenado pela opinião pública; até que em 12 de março de 1824, visitando Pedro I a alfândega, ordenou que o edifício da Praça do Comércio passasse a ser incorporado àquela repartição para servir de casa de abertura e selo; e desde então constituiu esse edifício a sala de abertura da alfândega.

Construída do lado do mar, em frente da Rua do General Câmara, tinha a Praça do Comércio de um lado a alfândega e do outro algumas barracas velhas; formava um paralelogramo de 175 palmos de comprido e 146 de largo; elevado sete degraus acima do nível da rua apresentava um vestíbulo ornado de grades de ferro, e na face principal três portas de arquivolta e três janelas de cada lado das portas; era igual a face voltada para o mar, e as laterais contavam dez janelas e uma porta no centro; acima das quatro portas principais havia em cada uma das faces um mezanino semicircular.

Duas escadas laterais davam entrada no vestíbulo onde viam-se quatro pedestais que teriam de sustentar as estátuas do Comércio, da Agricultura, Indústria e da Navegação, na cornija tinha de gravar-se esta inscrição:

Joanne Sexto Regnante. Anno MDCCCXX

e no ático.

Praça do Comércio

Na parte superior se colocariam as armas dos três reinos em baixo-relevo, sustentadas por dragões, e nos quatro ângulos figuras sentadas representando quatro partes do mundo.

No interior abria-se um salão em forma de cruz, cercado de colunas da ordem dórica, formando uma galeria em roda; o teto arqueado fingindo ser de abóbada, tinha no centro uma claraboia, e nos arcos que a sustentavam o dístico J. VI e as armas do reino unido; todos os ornatos do interior e as colunas eram pintados fingindo o mármore. Do lado do mar havia a escada que dava para o cais [2].

Foi esta uma das construções mais belas, e no seu gênero a mais monumental que ergueu-se no tempo em que ainda o Brasil era colônia; Dom João VI louvou a obra, e honrou o arquiteto Grandjean que construiu-a permitindo-lhe sentar-se em sua presença e concedendo-lhe o hábito de Cristo, que o artista conservou sempre em sua casaca.

Este edifício acha-se atualmente encravado entre os armazéns da alfândega, da qual constitui a entrada; apresenta o vestíbulo ornado de grades de ferro, com uma escada central e duas laterais; na frontaria há três portas de verga curva com varões de ferro, três óculos de cada lado; acima da coberta do vestíbulo lê-se o dístico – Alfândega – e abre-se uma vidraça semicircular; segue-se um frontão reto e ornamentam o tímpano as armas do Império.

O interior é majestoso, dão-lhe um aspecto monumental as vinte quatro colunas dóricas, sustentando uma cimalha de primoroso trabalho; além da claraboia central com vidros azuis rasgam-se outras na parte superior dos arcos que formam o fundo das naves, há aberturas junto aos arcos do teto, o pavimento é de mosaico de mármore; e no fundo do salão veem-se as armas imperiais e o retrato do Imperador.

Não tendo os negociantes um edifício onde se reunissem e realizassem suas operações concedeu-lhes o governo em 1834 o antigo armazém do selo da alfândega; era então ministro da fazenda o conselheiro Candido José de Araújo Vianna, depois visconde e marquês de Sapucaí [3].

Outrora toda a peça de fazenda que saía da alfândega trazia pendente de um barbante um selo de chumbo colocado pelo selador-mor, que por cada selo cobrava 10 rs.

Os empregos de selador-mor, escrivão da guarda-costa, porteiro e meirinho do mar da alfândega eram vitalícios na família de Manoel Nascentes Pinto, que os obtivera em remuneração de serviços pessoais e pecuniários prestados ao rei e à fazenda real: Antônio Nascentes Pinto foi o último selador-mor, trazendo arrendados os outros empregos.

No primeiro pavimento do edifício do selo havia grandes caldeiras, onde se derretia o chumbo dos selos, e no segundo estava a sala de abertura; abolido o cargo de selador serviu esse armazém de depósito de sal.

Cedido para Praça do Comércio resolveram os negociantes levantar aí um edifício apropriado para o comércio; promoveram uma subscrição entre si, com o produto dela deram princípio à obra; e o governo escolheu uma comissão composta dos negociantes Felipe Nery de Carvalho, José Antônio Moreira, Guilherme Theremin e Henrique Ried para dirigir a construção.

Ao mesmo tempo que se edificava a praça nomeava o governo em 11 de março uma comissão para formular um regulamento interno, que confeccionado por Marcelino José Coelho, foi adotado pelo corpo comercial e aprovado pelo governo em 9 de setembro de 1834 [4].

Em virtude desse regulamento devia eleger-se em 2 de dezembro de cada ano uma comissão de nove membros por nacionalidades, por meio da qual os negociantes levariam ao conhecimento das autoridades competentes suas representações relativas ao comércio.

Em 29 de novembro reuniram-se em assembleia os subscritores da praça, e tomando a palavra mencionou Felipe Nery de Carvalho o adiantamento da obra, os acréscimos que tivera, a demolição de um telheiro do pátio da alfândega, para dar luz e espaço ao novo prédio, e declarou que a comissão encontrara muito boa vontade e proteção no inspetor da alfândega Dr. Saturnino de Souza Oliveira.

Concluído o edifício interiormente reservou-se a inauguração para o dia 2 de dezembro, e convidado o Imperador para assistir ao ato compareceu às 11 horas acompanhado de suas irmãs; flutuavam na praça bandeiras de todas as nações, tapizavam o chão folhas e flores aromáticas e em um discurso agradeceu Felipe Nery a presença do monarca.

Retirando-se para o paço da cidade assistiram as pessoas imperiais ao Te-Deum e cortejo por ser dia de gala e festejo nacional; do palacete da Praça d’Aclamação presenciaram de tarde a parada da guarda nacional, porém não foram ao espetáculo por já correrem boatos do falecimento do Duque de Bragança, que de feito havia perecido em 24 de setembro desse ano em Portugal.

A primeira praça abrira-se no aniversário natalício de D João VI, e a segunda no aniversário natalício de Dom Pedro II; na primeira época o Brasil era colônia, na segunda já era império.

Procedendo-se no dia 2 a eleição da comissão diretora, foram nomeados os comerciantes Francisco José da Rocha, Felipe Nery de Carvalho [5] M. J. Naylor, Henrique Ried, Moon, Guilherme Theremin, Berckheal e Lizaur.

Mais tarde transferiu-se a eleição dessa comissão para o primeiro dia útil do mês de dezembro; atualmente elegem os comerciantes de dois em dois anos uma diretoria composta de quinze membros de diversas nacionalidades, à qual compete resolver os negócios concernentes ao comércio, e entender-se com o governo sobre as necessidades e representações do corpo comercial; a diretoria tem o título de comissão da praça do comércio, do seu seio elege o presidente, e uma comissão de três membros que devem servir de árbitros nas questões comerciais e industriais em que forem consultados.

Não estando concluído o exterior do edifício, e orçado em 14:000$000 o que restava a construir, abriram os comerciantes nova subscrição, receberam donativos, alcançaram duas loterias do corpo legislativo, pediram ao arquiteto Grandjean o desenho da obra, e em 1836 terminaram a praça.

Achava-se esta praça na Rua Primeiro de Março entre o Beco dos Adelos e a porta da estiva da alfândega [6] da qual era separada lateralmente por um pátio, e na parte posterior por um corredor estreito.

Constava de dois pavimentos; tinha na frente o peristilo saliente com oito colunas dóricas, que sustentavam uma varanda ou terrado orlado de grades de ferro presas a pilares; uma gradaria de ferro entre as colunas fechava o vestíbulo, cujo pavimento era de mosaico de mármore; viam-se na face do fundo quatro portas e três janelas de peitoril que davam para três salas divididas por arcos de alvenaria; duas eram públicas e a última privativa dos assinantes da praça; nesta viam-se duas mesas com os jornais nacionais e estrangeiros, sofás, cadeiras, mesas pequenas, dois quadros com os nomes dos negociantes que subscreveram para a construção do edifício, cinco mapas ofertados em 13 de dezembro de 1834 pelo Dr. Bivar e um pequeno modelo em gesso para uma estátua equestre de Pedro I, o qual fora remetido à praça por João Diogo Sturz quando cônsul do Brasil na Prússia. Aos lados e no fundo das duas primeiras salas estavam os escritórios comerciais.

No segundo pavimento viam-se na frontaria sete janelas rasgadas com vidraças, que abriam-se para a varanda; um ático escondia o telhado do edifício. Era ocupado o pavimento superior pelo tribunal do comércio e pelo salão dos assinantes da praça, elegantemente decorado com ornatos de gesso no teto tendo pendente de uma das paredes o retrato de Dom Pedro II, pintado pelo artista Luiz Augusto Moreaux.

Depois de ter visitado diversos edifícios públicos chegou o Imperador em 19 de setembro de 1862 à Praça do Comércio, percorreu-a e mostrou-se interessado em examinar tudo; passados oito dias a comissão diretora dirigiu-se ao paço, agradeceu a visita do soberano, e pediu-lhe licença para oferecer-lhe o título de presidente honorário que Dom Pedro II aceitou; pelo que, em gratidão, mandaram os negociantes fazer o retrato que acabamos de mencionar.

O tribunal do comércio, que substituiu a junta do comércio, foi instalado em presença do Imperador, no paço da cidade, em 1 de janeiro de 1851, pronunciando o presidente José Clemente Pereira um discurso em que memorou os benefícios que se deveriam esperar do código comercial, que ia entrar em execução, e para o qual tanto concorreu esse provecto e conspícuo estadista. Em 7 de janeiro encerrou o tribunal seus trabalhos.

Tinha uma sala de espera, a saleta do oficial-maior, o arquivo, alguns quartos para os desembargadores descansarem, a secretaria com o retrato do primeiro presidente, conselheiro José Clemente Pereira, escritórios de escrivães, e a sala das sessões com o retrato do Imperador, feito em 1851 pelo artista Krumoltz; a entrada do tribunal era pelo Beco dos Adelos.

Despidos os tribunais do comércio de quase todas as suas atribuições o governo os extinguiu, e criou por decreto de 30 de novembro de 1876 juntas de comércio na corte e nas cidades de Belém, São Luiz, Fortaleza, Recife, São Salvador, e Porto Alegre, e inspetorias comerciais em outras províncias.

Instalou-se a junta da corte em 15 de fevereiro de 1877 com um presidente, um secretário, seis deputados e três suplentes.

O presidente é nomeado pelo governo dentre três comerciantes eleitos pelo colégio comercial, que também elege os deputados e suplentes por quatro anos, renovando-se os deputados por metade de dois em dois anos. O secretário é escolhido pelo governo dentre os bacharéis formados em direito, havendo na secretaria da junta dois oficiais, dois amanuenses um porteiro e um ajudante do porteiro, criados pelo ministro da justiça sob proposta da junta.

Foram nomeados presidente o comendador Joaquim Antônio Fernandes Pinheiro e secretário interino o Dr. Manoel Antônio da Fonseca Costa e efetivo Dr. Octavio Cesar.

Em 3 de fevereiro de 1862 pediu o governo ao presidente da Praça do Comércio informação sobre a conveniência da criação de um posto telegráfico aéreo por cima do edifício da mesma praça, para com mais facilidade e prontidão serem reconhecidos os avisos marítimos transmitidos pelos telégrafos do Castelo e Babilônia; informou o presidente que o comércio desejava ver realizado esse melhoramento.

Em 1863 o guarda-livros da praça Kunhardt promoveu uma representação de negociantes ponderando as conveniências de possuir a praça um fio complementar do telégrafo elétrico que o governo mandara colocar entre a fortaleza de Santa Cruz e a cidade, e que se estende pelo litoral. Assinada a representação por 150 das principais casas comerciais, foi levada em 28 de novembro ao conhecimento do governo que em 9 de dezembro respondeu prometendo a execução desse melhoramento, que se não fez muito esperar. Construiu-se dentro do recinto da praça um escritório telegráfico, que começou a funcionar em 1 de janeiro de 1864, estabelecendo pronta e rápida comunicação entre a Praça do Comércio e as fortalezas de Santa Cruz e Villegagnon; e desde então cessou o serviço demorado e irregular dos telégrafos aéreos.

Achava-se a Praça do Comércio convenientemente colocada na rua que é a primeira artéria da capital, e donde se ramificam todas as outras, próximo da alfândega, do correio, caixa de amortização, dos pontos de desembarque e das casas comerciais mais importantes, e de mais giro e grosso tráfico; era, porém, um edifício acaçapado, pequeno, sem elegância; de prospecto simples, e despido dos enfeites da arte; as salas eram baixas, tristes, e com pouca luz, pouco espaço e pouco ar.

“É de sentir, escrevíamos em 1864, que na cidade mais comerciante da América do Sul, na capital de um grande império, não seja o edifício da Praça do Comércio um palácio belo, vasto e monumental. No tempo do rei, quando o Brasil ainda não tinha foros de nação livre, e era apenas um reino dependente de outro reino, tratou-se de erguer uma casa bela, suntuosa para Praça de Comércio, e no entanto, depois da transformação do reino em império, da colônia em nação, não tem a capital do Brasil um edifício digno da sua importância mercantil, do movimento comercial, do giro extenso de suas transações, e da riqueza do comércio.”

Decorridos quatro anos vimos com prazer reunida em sessão de 24 de outubro de 1868 a associação comercial a fim de resolver no modo de entender-se com o governo sobre a necessidade da edificação de novo e melhor prédio para servir de Praça do Comércio.

Tendo se transferido em 1871 a diretoria e os escritórios comerciais para um armazém da alfândega na Rua Primeiro de Março, demoliu-se o edifício da praça para levantar-se no mesmo lugar um palácio com vastas e cômodas proporções; abrira a associação comercial um empréstimo entre os negociantes para realização da obra e em 26 de junho de 1872 procedeu ao assentamento da primeira pedra do novo palácio.

Fez-se a benção do respectivo lugar, leu-se o auto competente, e executou-se com toda a solenidade o lançamento da pedra.

O auto é o seguinte:

Auto de assentamento da pedra fundamental da Praça do Comércio do Rio de Janeiro. – Nesta muito leal e heroica cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, aos vinte e seis dias do mês de junho do ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e setenta e dois, e trigésimo segundo do reinado de Sua Majestade Imperial o Senhor Dom Pedro II, Imperador do Brasil, achando-se presentes, à 1 hora da tarde, no terreno compreendido entre as ruas: na frente Primeiro de Março (antiga Direita), nos fundos a do Visconde de Itaboraí, prolongamento da Rua da Alfândega do lado direito e Beco dos Adelos do lado esquerdo, destinado para edificação de um prédio apropriado para Praça do Comércio onde se reúnam os negociantes e funcione a Associação Comercial do Rio de Janeiro, os Exmos. Srs. vigário da freguesia da Candelária João Manoel de Carvalho, os membros da direção da Associação Comercial, veador José Joaquim de Lima e Silva Sobrinho, Dr. Caetano Furquim de Almeida, José Machado Coelho, José Pereira Soares, conde de S. Mamede, Augusto Lehericy, J. P. Martin, Carlos J. Harrah, John Merven Carrere Carlos, Guilherme Gross, Luiz A Prytz, João Hollocombe, Guilherme Morrissy, José M. Frias e Jayme Romaguera, o secretário da praça do comércio Carlos João Kunhardt, o engenheiro Dr. José Antônio da Fonseca Lessa, o engenheiro arquiteto encarregado da obra Pedro Bosísio, e mais pessoas distintas abaixo assinadas: o Ex. Sr. veador José Joaquim de Lima e Silva Sobrinho, presidente da Associação Comercial, com o auxílio da Divina Providência lançou a pedra fundamental do novo edifício mandado levantar com o produto de um empréstimo promovido entre o corpo do comércio desta corte, sendo previamente benta segundo o ritual romano pelo Revdo. vigário da freguesia da Candelária.

“Em fé do que, eu José Pereira Soares, secretário da Associação Comercial do Rio de Janeiro, mandei escrever e assino este auto e outro de igual teor.”

Dentro da pedra foi colocada uma caixa contendo os seguintes objetos:

Moedas de ouro de 20$000, 10$000 e 5$000; ditas de prata de 2$000, 1$000, 500 e 200 rs., de níquel de 200 e 100 rs., de cobre de 40, 20, e 10 rs.; um exemplar da constituição, o auto e os jornais do dia, a saber, o Jornal do Comércio, Diário do Rio, Correio do Brasil, Reforma, República, Diário de Notícias, Diário Oficial, Movimento.

Mas ficou sem efeito esse ato, o assentamento dessa pedra, porque, em 3 de dezembro de 1873, celebrou a associação um contrato com o governo, pelo qual obrigou-se a construir três palácios na Rua Primeiro de Março sob as seguintes condições:

Devem os novos edifícios ficar situados entre as ruas Primeiro de Março, Visconde de Itaboraí, Rosário e General Câmara; divididos em três corpos distintos ficará o do centro para a Praça do Comércio com 33 metros de frente para a Rua Primeiro de Março; o lateral ao sul para caixa de amortização e correio com 40 metros de frente para a mesma rua, e o lateral ao norte para escritórios comerciais também para a mesma rua, com igual dimensão; duas passagens envidraçadas com 45 decímetros cada uma, situadas entre o corpo central e cada um dos laterais estabelecerão comunicações entre a Rua Primeiro de Março e a do Visconde de Itaboraí; todos os edifícios guardarão completa harmonia no estilo arquitetônico, nas decorações e dimensões de cada uma de suas partes; as estátuas, medalhões e balaústres das janelas do segundo pavimento serão de mármore.

O custo de todo o monumento está avaliado em 4,554:000$000; tendo o governo de concorrer com 1,688:000$000, e a associação comercial com o restante. Cedeu o governo à associação os terrenos e prédios que possuía dentro da zona em que tem de ser levantados os três palácios, e a associação por sua parte cedeu o terreno que possuía dentro da sobredita zona; e todos os prédios e terrenos que forem desapropriados, para empreenderem-se as novas construções tornar-se-ão próprios nacionais.

A Rua Primeiro de Março na parte adjacente às novas construções será alinhada de modo que conserve uma largura igual em toda essa extensão nunca inferior a 155 decímetros; a do Rosário terá a largura de 132 decímetros em toda a extensão adjacente ao monumento, a do General Câmara terá 10 metros de largura, e a do Visconde de Itaboraí se prolongará até a do Rosário.

Inauguradas as obras surgiram embaraços e contrariedades, já provenientes de ações judiciais com referência aos prédios desapropriados e demolidos, já por ter o empreiteiro da obra Pedro Bosísio, por motivos independentes de sua vontade, transferido seu contrato a José Marcelino Pereira de Moraes e Rodrigo José de Mello Souza, o que foi aprovado pela diretoria em 18 de julho de 1875.

Demolidos os prédios que se estendiam do Beco dos Adelos à Rua do Rosário, deram logo os novos empreiteiros princípio a edificação do primeiro palácio para caixa de amortização e correio, lançando a pedra fundamental em 24 de abril de 1815 na presença do Imperador, dos ministros da fazenda e da agricultura, dos diretores da associação comercial e de muito povo.

Dentro de uma tenda provisoriamente levantada em frente à Rua do Hospício, erguia-se em um altar com velas de cera a imagem de Cristo, e em lugar competente viam-se os planos do novo edifício, o auto e mais objetos que deviam ser encerrados com a pedra fundamental.

Lido o auto pelo secretário da associação e assinado pelas pessoas presentes, foi colocado dentro de uma caixa de vinhático envernizado com um exemplar da constituição do Império, as folhas do dia: o Globo, Jornal do Comércio, Reforma, Diário do Rio, Diário Oficial; doze moedas sendo três de ouro do valor de 20$000, 10$000, 5$000; quatro de prata de 2$000, 1$000, 500 e 200 rs. duas de níquel de 200 e 100 rs. e três de cobre de 40, 20 e 10 rs.

O vigário da freguesia da Candelária procedeu às cerimônias do estilo e em seguida foi a caixa metida dentro de uma outra de zinco; colocada esta em uma padiola foi transportada, para o lugar a que era destinada, pelo Imperador, Visconde do Rio Branco, ministro da agricultura, Visconde de Tocantins, Dr. Furquim de Almeida, comendador Manoel Salgado Zenha, José Machado Coelho e João Hollocombe.

Deposta a caixa no orifício da pedra, apresentou o Dr. Antônio de Paula Freitas, engenheiro fiscal do governo, a colher com que o Imperador devia cimentar a pedra.

A colher era de prata, e tinha gravado o seguinte:

“S. M. o Imperador o Sr. Dom Pedro II aos 24 de abril de 1875 colocou a primeira pedra do edifício destinado para correio e caixa da amortização nesta corte.”

A colher, a pena de ouro com rama de prata com que assinou o Imperador, e a pena de ouro com cabo de marfim com que assinaram as demais pessoas foram arquivadas; e dos três autos, um ficou no arquivo da praça e os outros foram entregues aos ministros da fazenda e da agricultura.

Eis o teor do auto:

“Aos vinte e quatro dias do mês de abril do ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e setenta e cinco, nesta muito leal e heroica cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, achando-se presentes às 11 horas da manhã, no terreno da Rua Primeiro de Março, na freguesia da Candelária, o muito e poderoso príncipe o Senhor Dom Pedro II, Imperador constitucional defensor perpétuo do Brasil, o Exmo. Sr. visconde do Rio Branco, ministro e secretário de estado dos negócios da fazenda, o Exmo. Sr. conselheiro José Fernandes da Costa Pereira Júnior, ministro e secretário de estado dos negócios da agricultura, comércio e obras públicas, o cônego Manoel da Costa Honorato, vigário da freguesia da Candelária, os membros da diretoria da Associação Comercial do Rio de Janeiro, visconde de Tocantins, presidente, comendador Dr. Caetano F. de Almeida, vice-presidente, José Machado Coelho, tesoureiro, Augusto Lehericy, John Hollocombe, C. G. Gross, José M. Frias, J. P. Martin, William Morrissy, W. Von Watter, Jayme Romaguera, Oswald T. Hemsley, os engenheiros Drs. José Antônio da Fonseca Lessa, Antônio de Paula Freitas e mais pessoas de distinção, S. M. o Imperador, com o auxílio da Divina Providência, lançou a pedra fundamental do edifício destinado para as repartições do correio geral e caixa da amortização, mandado levantar às expensas dos ministérios da fazenda e da agricultura, comércio e obras públicas, por contrato celebrado com a Associação Comercial, em 3 de dezembro de 1873, sendo presidente do conselho e ministro da fazenda o Exmo. Sr. conselheiro José Maria da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco, e o da agricultura, comércio e obras públicas o Exmo. Sr. conselheiro José Fernandes da Costa Pereira Júnior; sendo este edifício o primeiro corpo dos três que projeta levantar a Associação Comercial neste local, dos quais o do centro destinado para uma Praça do Comércio e o da extrema direita, que faz esquina com a Rua do General Câmara, será para bancos e escritórios comerciais, sendo a referida pedra previamente benta, segundo o ritual romano, pelo Sr. cônego Manuel da Costa Honorato, vigário da freguesia.

“Em fé do que eu Manoel Salgado Zenha, servindo de secretário da diretoria da Associação Comercial, mandei escrever o presente auto e o assino.”

Nas escavações que se fizeram para os alicerces encontraram-se em 10 de julho de 1875, a 85 centímetros de profundidade, os seguintes objetos de prata: onze pratos grandes, sete salvas, uma grande terrina, duas cafeteiras grandes com asas, uma dita pequena com cabo, duas grandes colheres à imitação de concha para sopa, um enorme garfo, três cabos de facas, duas tampas de cafeteiras, uma grande panela, uma base de castiçal, ao todo trinta e duas peças pesando 9,472 oitavas e representando o valor de 2:083$840.

Algumas das peças, com especialidade as salvas, eram lavradas e de grande merecimento artístico; e se algumas achavam-se em estado de perfeita conservação, estavam outras muito oxidadas. O lugar em que se encontraram essas preciosidades estava cercado de tábuas, porém já completamente destruídas e reduzidas a pó pelo longo período de anos em que estiveram enterradas; havia no mesmo lugar pequenos pedaços de gregas que deveriam ter servido de ornamentação a objetos, que se não encontraram, e havia também muitos pedaços de ossos, diversos de ferro completamente estragados já sem feitio e muito oxidados; das facas não apareceram as lâminas, o que prova o largo espaço de tempo que ali jazeram esses objetos.

Descobertas essas peças de prata em terreno pertencente no Estado foram entregues ao engenheiro fiscal do governo e por este remetidas para o tesouro nacional.

É de presumir que esses objetos fossem ali enterrados em 1711 por ocasião da invasão dos Franceses na cidade do Rio de Janeiro, cujos habitantes tiveram de abandonar precipitadamente seus domicílios por haver fugido o governador.

“A maior parte dos moradores, dizem as crônicas, não tirou de sua casa um alfinete, em razão de que o governador na ocasião do rebate lançou um bando que ninguém tirasse nada de sua casa, pena de ser tomado por perdido; no domingo 21 de setembro lançou outro, pelas seis horas da tarde, que ninguém se afastasse dez passos de seu posto, pena de morte, e pelas 10 horas da noite desse mesmo dia fugiu desconsertadamente com tal confusão que poucos ou nenhuns cuidaram de entrar em sua casa.” [7]

O lugar em que foram encontrados esses objetos era então habitado pelos moradores mais abastados da cidade; acresce que a precipitação da fuga e a hora em que foi realizada, havia de surpreender os moradores à mesa da ceia, e por isso entre as peças de prata acharam-se ossos diversos.

Em uma memória da invasão francesa escrita pelo senado em 28 de novembro de 171l lê-se:

“E desta sorte se retiraram todos deixando quanto tinham, sem saberem de que, nem para onde, nem haver razão com que se desculpar tão lamentável sucesso.”

Na narração escrita por Duguay-Trouin vê-se que alguns moradores mais abastados trataram de livrar das garras inimigas seus móveis mais preciosos, e assim é de crer que obrigado repentinamente a deixar a cidade, algum morador da Rua Direita ocultasse seus objetos de prata nas entranhas da terra. [8]

Em 11 de novembro de 1876 efetuou-se a colocação da quarta e última cumeeira do edifício, que deve servir de correio e caixa de amortização, festejando-se este acontecimento com um bem preparado lunch, oferecido aos operários, em uma sala do edifício forrada de bandeiras de diferentes nações, e ornada de troféus feitos com diversas ferramentas.

Acha-se quase concluído esse palácio que, erguido na Rua Primeiro de Março, esquina da do Rosário, é quadrangular, de três pavimentos, tendo no primeiro sete portas e nos dois últimos igual número de janelas em cada um.

Há na frontaria quatro colunas de granito, pilastras, e outras ornamentações; mas julgamos não haver muito gosto em semelhante construção; é um quadrado alto, maciço, despido do primor artístico, desse encanto de poesia com que a arte perfuma as obras dos bons artistas; é sólido, é durável, porém sem gosto e sem o reflexo da elegante arquitetura, em que se possa ler o gênio de uma época e de um povo.

Em 1876 contava a associação comercial 120 assinantes e 826 sócios; nesse ano foi sua receita de 42:598$120 e a despesa de 40:693$570.

Das sobras das contribuições de seus assinantes criou um fundo de reserva, com o qual estabeleceu, em 12 de agosto de 1858, um montepio de pensões para viúvas e órfãs dos sócios falecidos em más circunstâncias; em 1876 importaram as pensões a quinze viúvas e três órfãs em 9:060$000. O fundo de reserva conta atualmente 20:168$000.

Mencionando os serviços humanitários prestados pela associação comercial devemos registrar a construção do edifício da escola pública da freguesia de São Cristóvão levantado à custa da subscrição agenciada pela associação com o fim patriótico de perpetuar o fato da terminação da guerra sustentada pelo Brasil contra o Paraguai.

Lançada a primeira pedra em 21 de dezembro de 1870, foi entregue o prédio ao governo em 31 de agosto de 1872, e por escritura pública foi doado ao Estado, assim como o terreno anexo.

Além de tão valioso serviço prestado ao desenvolvimento da instrução pública, a associação ofereceu ao tesouro nacional a quantia de 3:660$050, resto da subscrição para ser aplicado em proveito da instrução do povo.

Ainda se não deu princípio ao palácio que deve servir de Praça do Comércio; vimos um projeto que pareceu-nos elegante, porém talvez seja modificado e reduzido de modo a ficar muito diferente; o que será de lastimar.

A Praça do Comércio, o coração, o centro, o eixo de rotação de todo o giro mercantil, o lugar onde concorrem todos que negociam, agiotam, compram, vendem, calculam e especulam, o ponto de reunião, conversas, e passeios, o termômetro do movimento, da vida do comércio, indústria e progresso de um povo deve ser um monumento; não basta ser grande, deve ser monumental; e nesta cidade, essencialmente comerciante, empório da América do Sul, deve a Praça do Comércio ser um edifício célebre, uma construção que indique o caráter especial da cidade.

Notas

  1. Veja Estudos Históricos pelo cônego Dr. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, tomo II, pág. 299.
  2. Veja Memórias para servir à História do Brasil do padre Luiz Gonçalves dos Santos, vol. II, pág. 396.
  3. Nasceu este prestimoso cidadão em 15 de setembro de 1793 em Congonhas de Sabará, na província de Minas; em 1821 recebeu o grau de bacharel em direito pela universidade de Coimbra. Voltando para seu país abraçou a vida da magistratura cujos degraus galgou com muito brilho até chegar ao supremo tribunal de justiça; na política exerceu o cargo de presidente de província, de ministro de mais de uma pasta, foi conselheiro de Estado, deputado e senador; nas letras adquiriu nomeada honrosa e brilhante. Foi mestre do Imperador Dom Pedro II, das princesas Dona Januária, Dona Francisca, Dona Izabel e Dona Leopoldina: camarista, grão-cruz de várias ordens estrangeiras, dignitário da Ordem do Cruzeiro, comendador da de Cristo e Rosa, visconde e marquês de Sapucaí, presidente do Instituto Histórico e sócio de outras sociedades literárias. Era muito considerado no país como literato, filólogo, latinista e jurisconsulto.
    O Imperador, que muito o prezava, foi visitá-lo pouco antes de seu falecimento que deu-se no Rio de Janeiro em 23 de janeiro de 1875, perecendo o douto cidadão carregado de anos e de honras.
    Os serviços que prestou à pátria durante mais de meio século, a sabedoria que patenteou em todas as comissões e nas sociedades e ginásios científicos a que pertenceu gravaram seu nome nos anais históricos da nação.
    Veja Ano Biográfico Brasileiro pelo Dr. Joaquim Manoel de Macedo, vol. 1, pág. 103.
  4. Veja Jornal do Comércio de 10 de outubro de 1834.
  5. Felipe Nery de Carvalho retirando-se na noite de 4 de julho de 1843 para a sua casa em Botafogo, recebeu, ao apear-se da sege, de seu escravo Camillo uma facada, da qual morreu poucos instantes depois. O assassino foi preso e executado na Praça da Aclamação em 11 de agosto do mesmo a ano.
  6. Tendo de construir-se o novo edifício para a Praça do Comércio, demoliu-se esta porta sobre a qual via-se uma platibanda com a seguinte inscrição.

En Maria Prima Regnante e Pulvere Surgit
Et Vasconcelli stat domus ista manu
An 1783.

Era no tempo colonial a porta principal da alfândega.

  1. Veja Memórias Históricas de Monsenhor Pizarro vol. 1º pág. 65.
  2. Veja a memória publicada no Jornal do Comércio na ocasião em que houve o achado das peças de prata.

Fonte

  • Azevedo, Manuel Duarte Moreira de. O Rio de Janeiro: Sua História, Monumentos, Homens Notáveis, Usos e Curiosidades. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1877. 2 v. (É a segunda edição do “Pequeno Panorama” 1861-67, 5 v.).

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