Instituto dos Cegos, por Moreira de Azevedo

José Alves de Azevedo, cego educado em Paris, regressando ao Brasil, sua pátria, cuidou em fundar no Rio de Janeiro, um instituto onde seus companheiros de infortúnio, os que como ele sofriam a desgraça da cegueira pudessem ser recebidos, amparados e instruídos. Terminara brilhantemente o curso de estudo no instituto dos cegos de Paris, colhera as melhores aprovações, e merecera dos professores repetidos elogios. Moço inteligente, ilustrado, conhecedor de todos os processos para o ensino especial dos cegos, dotado de gênio empreendedor, de espírito benfazejo, era José Alves de Azevedo o predestinado para ensinar no Brasil aos que, como ele, não podendo ver, não podiam aprender; era, porém, pobre, e para realizar sua ideia precisava de recursos que a fortuna lhe não concedera.
Vendo que não podia criar a escola para os cegos, tentou tornar conhecido o método que os instruía; e sabendo que o Dr. José Francisco Xavier Sigaud tinha uma filha cega ofereceu-se o cego para ensinar a menina cega.
Em pouco tempo manifestou tantos progressos essa menina que reconheceu-se ser o mestre muito hábil e a discípula muito inteligente.
Sabendo o Dr. Sigaud do projeto que nutria Alves de Azevedo de estabelecer um instituto para os privados da vista, como médico da casa imperial apresentou ao imperador o moço cego, que expondo sua ideia, foi elogiado e acolhido com benevolência; o imperador louvou-o, animou-o em seus humanitários desejos e prometeu favorecê-lo em tudo que estivesse a seu alcance.
Era então ministro do império o Dr. Luiz Pedreira do Couto Ferraz, hoje visconde do Bom Retiro, que compreendeu a utilidade e importância do projeto de Alves de Azevedo, e adotou-o logo como seu; propôs e obteve da assembleia legislativa autorização para fundar na corte um instituto de cegos, e dois dias depois publicava o seguinte decreto:
“Hei por bem, em virtude da autorização concedida no § 2º do art. 2º do decreto n. 781 de 10 do corrente mês, criar nesta corte um instituto denominado – Imperial Instituto dos Meninos Cegos – o qual se regerá provisoriamente pelo regulamento, que com este baixa, assinado por Luiz Pedreira do Couto Ferraz, do meu conselho, ministro e secretário de estado dos negócios do império, que assim o tenha entendido e faça executar. – Palácio do Rio de Janeiro, em 12 de setembro de 1854, 33º da independência e do Império, com a rubrica de Sua Majestade o imperador.”
Foram nomeados diretor o Dr. Xavier Sigaud, vice-diretor e Capelão o cônego Dr. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro [1], e professor de instrução primária José Alves de Azevedo, que fez presente ao Instituto de sua biblioteca em pontos, e de todas as máquinas de escrita e chapas de algarismos para o estudo da aritmética.
Mas poucos dias antes da instalação do instituto faleceu o filantrópico cego, que tanto concorrera para criar-se em seu país um estabelecimento em que os infelizes como ele pudessem adquirir instrução que tanto lhe custara obter em terra estranha.
Foi esse cego o anjo de olhos vendados que veio ensinar a derramar luz no espírito dos que, como ele, tinham olhos fechados para a luz; foi o primeiro guia, cego é verdade, dos que precisam que todos os guiem, foi o primeiro mestre dos que vivem em noite contínua, e se não experimentou o prazer de assistir à inauguração do instituto, teve a grande consolação de ter sido sua ideia adotada e a de deixar seu nome gravado na instituição mais humanitária do país.
Em 17 de setembro de 1854 inaugurou-se o Instituto dos cegos na chácara n. 3 do morro da Saúde, próximo à Praia do Lazareto, assistindo ao ato as pessoas imperiais, o ministro do império, o diretor, o vice-diretor e numeroso concurso de expectadores de ambos os sexos; nesse dia a árvore da caridade reverdeceu, e deu os mais sazonados frutos na terra de Santa Cruz.
Mas o prejuízo popular da inaptidão do cego para tudo, a crença então corrente de que quem não podia ver nada podia aprender contribuiu para o definhamento da instituição; poucos alunos matricularam-se, e pouco se ensinava porque o curso de estudo era de três anos, composto de matérias que constituem a instrução primária elementar.
Estava, porém, confiado o Instituto a um homem inteligente e empreendedor como era o ilustrado Dr. Xavier Sigaud e assim não podia mais desaparecer; esforçou-se ele por desvanecer o preconceito que supõe no cego há atrofia de todas as faculdades; procurou dar vida a instituição; mandou publicar pela imprensa extensos artigos explicando os métodos especiais do ensino, os resultados colhidos em outras nações; ajudava-o nessa cruzada da Caridade e da ciência, o douto cônego Fernandes Pinheiro; dava a maior publicidade aos exames dos alunos convidando para esse ato grande concurso de assistentes; porfiava para apresentarem os discípulos provas de sua aptidão e aproveitamento; assim foi destruindo os infundados prejuízos da inutilidade dos cegos, cooperando para que esses por si mesmos protestassem e provassem que para viver não precisavam estender a mão à caridade pública; e conseguiu que todos compreendessem que os cegos podiam ler, escrever, contar, estudar música e instruir-se nos preceitos da religião católica.
Em 10 de outubro de 1856 o anjo da morte veio afastar o Dr. Sigaud de sua missão caridosa levando-o para o túmulo. [2]
Viu o Instituto partida a principal coluna que o sustentara, viu-se privado do guia dos seus primeiros passos, e os meninos cegos de seu amigo e pai, daquele que ensinara-lhes a serem homens, e que em seu espírito derramara a luz mais útil e mais brilhante – a da ciência.
Nomeado diretor do instituto por decreto de 15 de outubro desse ano, o Dr. Cláudio Luiz da Costa tomou posse no dia 26.
Nos traços biográficos que acompanham este capítulo vem relatada a vida deste cidadão, que dedicado e zeloso no exercício de seu cargo, contribuiu para o progresso do estabelecimento, elevou-o e engrandeceu-o; tudo aplicou, inteligência, vontade e perseverança para minorar os rigores da sorte dos cegos; fez de seu emprego um sacerdócio e teve o dom de tornar-se conhecido e estimado pelos entes sem vista que dirigia; reformou o regulamento, fundou as oficinas tipográfica e de encadernação, criou uma banda de música, e dividiu o curso em oito anos, compreendendo na parte moral e literária as seguintes matérias: leitura, escrita, catecismo, explicação do evangelho, gramática nacional, francês, aritmética, álgebra até equações do segundo grau, geometria, princípios gerais de mecânica, física, química, história e geografia; no ensino profissional, música vocal e instrumental, harmonia, regras de contraponto e instrumentação, arte tipográfica, de encadernação, e afinação de piano para os alunos; música e trabalhos de agulha para as alunas.
Sob a administração desse caritativo diretor o número dos alunos aumentou, contando em 1860 vinte seis, oito femininos e dezoito masculinos; em 17 de junho de 1864 conseguiu mudar o instituto para uma casa mais vasta, situada na Praça da Aclamação, alugada ao conde de Baependi; e depois de bons e valiosos serviços prestados aos meninos cegos habilitando-os para a vida e para o seio da sociedade, faleceu em 1869 esse dedicado e venerando cidadão.
Por portaria de 28 de maio desse ano foi nomeado diretor interino o Dr. Benjamim Constant Botelho de Magalhães, que por decreto de 7 de julho passou a diretor efetivo, cargo que ainda exerce.
Solícito em seus deveres tem o atual diretor cooperado para o engrandecimento da instituição; obteve do governo o aumento da casa do Instituto, projetou e formulou os estatutos de uma associação intitulada – Protetora dos Cegos Desvalidos – com o fim do fornecer ao Estado os fundos precisos para manter este instituto e outros que se possam estabelecer em diversas províncias do Império; representou sobre a necessidade de se reorganizar o estabelecimento, e do senado pende a aprovação do projeto de reforma, melhorando e satisfazendo as necessidades mais urgentes e importantes da instituição, como são o aumento do número dos alunos, conveniente desenvolvimento da instrução teórica e prática, desenvolvimento das oficinas existentes, criação de outras, aperfeiçoamento do ensino vocal e instrumental, fundação do patrimônio do instituto, criação de institutos provinciais nas principais províncias do Império, casas de trabalho para os cegos e outras medidas urgentes e há muito reclamadas. Tem o digno diretor procurado introduzir indústrias novas para fornecer aos cegos meios de decente subsistência; ensaiou com bons resultados o fabrico de traques chamados da China, e o de cigarros; não há medida útil e humanitária para os privados da vista que deixe de lembrar ao governo, entre outras a de terem os cegos um palácio vasto para moradia; e em recompensa de sua dedicação pelo serviço público foi condecorado, assim como todos os professores antigos da casa, em fevereiro de 1872.
Tendo o governo resolvido construir um edifício apropriado e de grande dimensão para moradia e ensino de meninos cegos de ambos os sexos, o imperador D. Pedro II tornou-se o primeiro benfeitor oferecendo o terreno para a edificação. Eis o decreto da doação feita pelo piedoso e ilustrado príncipe:
“Hei por bem autorizar a Nicolau Antônio Nogueira Valle da Gama, do meu conselho, mordomo de minha imperial casa, para mandar lavrar, com as formalidades legais, escritura da doação que faço ao Imperial Instituto dos Meninos Cegos de um terreno, contíguo ao Hospício de Pedro II na Praia Vermelha, com cem braças de frente e os fundos que deverão ser medidos e demarcados, o qual me pertence por oferta que aceitei de José Ribeiro Monteiro, quando o houve por compra feita em 9 de setembro de 1846, a D. Jacinta Rosa de Castro.
Palácio da Boa-Vista, em 14 de Maio de 1872, quinquagésimo primeiro da independência e do Império. Com a rubrica de S. Majestade o Imperador. Nicolau Nogueira Valle da Gama.
Encarregado de dar a planta dos compartimentos e divisão do edifício apresentou o Dr. Benjamim Constant Botelho de Magalhães seu trabalho ao ministro do império que aprovou-o por aviso de 22 de maio de 1872; ao arquiteto Francisco Joaquim Bittencourt da Silva incumbiu o governo do desenho da construção.
Em 7 de junho autorizou o ministro do império o lançamento da pedra fundamental do novo edifício, cerimônia que executou-se em presença da família imperial, do ministro, comissário do governo, diretor e professores do instituto e muitas pessoas de distinção.
Armara-se no lugar um pavilhão, postando-se em frente uma guarda de honra do batalhão de engenheiros. Principiou o ato pela distribuição dos prêmios aos alunos do instituto, entregando-os o imperador aos alunos, e a Imperatriz às alunas; tocou a banda de música dos meninos cegos o hino nacional, e uma abertura; seguiram-se diversas peças de música e cantorias compostas e executadas pelos cegos, e um discurso recitado pelo diretor e outro pela aluna Elisa Pinto de Miranda.
Terminada a distribuição dos prêmios benzeu o capelão do Instituto a pedra fundamental que colocada em uma padiola, foi conduzida ao lugar destinado pelo imperador, pelo príncipe conde d’Eu, pelo ministro do império e o comissário do governo; o capelão espargiu a água da igreja sobre o terreno, e encerrada a pedra lançaram-lhe as primeiras colheres de cimento o Imperador e o príncipe.
A colher de prata, que serviu nesta cerimônia, tinha a seguinte inscrição:
29 de Junho de 1872 Sua Majestade Imperial D. Pedro II Colocou a primeira pedra do edifício Destinado ao imperial instituto dos meninos cegos
Eis o auto de lançamento da primeira pedra:
“No ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e setenta e dois, quinquagésimo primeiro da independência do império do Brasil, aos vinte nove dias do mês de junho, achando-se presentes no terreno situado à praia Vermelha, à 1 hora da tarde, o muito alto e poderoso Príncipe, o Senhor D. Pedro II, imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil; Sua Augusta consorte, a Senhora Princesa D. Teresa Cristina Maria Imperatriz do Brasil, Sua Alteza a Princesa Imperial, a Senhora D. Izabel, Sua Alteza o Senhor Conde d’Eu, o ministro do Império o Sr. conselheiro Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira, o comissário do governo deste instituto conselheiro Dr. Antônio Felix Martins, o diretor do mesmo, bacharel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, o diretor do instituto dos surdos-mudos, Dr. Tobias Rabello Leite, o chefe de polícia da corte Dr. Ludgero Gonçalves da Silva, o general visconde de Santa Thereza, e mais pessoas de distinção abaixo assinadas, com o auxílio da Divina Providência, Sua Majestade o imperador lançou a pedra fundamental do edifício destinado ao imperial instituto dos meninos cegos, para o que, pelo mesmo Augusto Senhor, foi o supra dito terreno doado por ato de quatorze de maio do corrente ano, tendo sido a referida pedra previamente benta, segundo o ritual romano, pelo reverendíssimo monsenhor capelão do mesmo instituto, Bernardo Lyra da Silva, cobrindo esta pedra a uma caixinha de madeira encerrada em outra de chumbo, contendo uma cópia autêntica deste auto, um exemplar da constituição política do Império, os jornais do dia e as moedas metálicas do Império. Para constar lavrei este auto em duplicata, para ser um dos exemplares recolhido ao arquivo público do Império. – Eu Benedito Antônio Bueno, servindo de secretário do imperial instituto dos meninos cegos, o escrevi e assino. – Seguem-se as assinaturas”.
Regressando ao pavilhão ouviram as pessoas imperiais um discurso do capelão monsenhor Bernardo Lyra da Silva, outro do aluno Augusto José Ribeiro, findando a solenidade com os vivas levantados ao imperador, à família imperial e à nação brasileira.
Erguido na Praça da Saudade deve este edifício, que já se acha em adiantada construção, ocupar uma superfície de 9.516 metros quadrados, tornando-o um dos mais belos monumentos as colunas jônicas colossais do pórtico, as estátuas de mármore, a majestosa ornamentação e o aspecto elegante e imponente da frontaria.
Perpetuará essa grandiosa construção os nomes do diretor do Instituto e do ministro que lançaram a primeira pedra, do arquiteto, e o de D. Pedro II que concedeu o terreno para esse magnífico palácio, que, dando asilo a 800 alunos de ambos os sexos, poderá competir com as melhores casas de educação dos cegos que existem; será um belo ornamento da capital do Império, um templo enriquecido dos primores d’arte, e régio e pomposo asilo da caridade.
Consistindo em um internato para alunos de ambos os sexos, é presidido o Instituto por um diretor, tem um comissário, capelão, médico e outros empregados.
O primeiro que ocupou o cargo de comissário foi o marquês de Abrantes, que teve por sucessor o Visconde do Bom Retiro, que ainda exerce esse honroso cargo, consagrando todo interesse e dedicação a esse estabelecimento que deve-lhe a origem.
Há os seguintes professores: Monsenhor Bernardo Lyra da Silva, professor de religião; Dr. Pedro José de Almeida, professor de instrução primária, de história e geografia; Guilherme Lourenço Schulz, professor de piano e canto dos alunos; Rafael Coelho Machado, professor de música instrumental e de harmonia; D. Maria Benedita da Costa Guimarães, professora de francês; D. Adele Maria Luiza Sigaud, ex-aluna do Instituto, professora de piano; D. Rosa Albertina de Mello e Figueiredo, mestra de trabalhos de agulha.
Apesar da língua inglesa não estar incluída no plano de estudos tem sido ensinada gratuitamente há cinco anos pelo Dr. Antônio Carlos de Oliveira Guimarães, que atualmente também exerce o cargo de professor interino de matemáticas e ciências naturais, tornando-se credor de merecidos elogios por tão assinalado serviço prestado aos meninos cegos.
Os repetidores são os seguintes: Antônio Lisboa Fagundes da Silva, ex-aluno, repetidor de aritmética e álgebra e revisor da oficina topográfica; João Pinheiro de Carvalho, ex-aluno do instituto dos cegos de Paris, mestre da oficina de encadernação, repetidor de francês e da segunda classe de música; José Pinto de Cerqueira, ex-aluno, repetidor de harmonia e contraponto; Posidônio de Mattos, ex-aluno, repetidor de instrução primária e mestre da oficina tipográfica, e Leopoldina Maria da Conceição, ex-aluna, coadjuvante dos trabalhos de agulha.
Consta o Instituto de alunos contribuintes e gratuitos; tem um patrimônio de 104:883$794; e entre os benfeitores que tem contribuído para aumentar os recursos financeiros desta útil instituição, devem-se memorar os nomes de Joaquim Ribeiro Guimarães, falecido em 3 de março de 1873, que legou duas apólices de conto de réis, e o marquês do Bonfim cinco do mesmo valor recebidas em 19 de novembro de 1874.
O governo despende anualmente mais de 50:000$000 com este estabelecimento, que pelo atual regulamento só pode receber 30 alunos; porém os ministros do império Drs. João Alfredo Corrêa de Oliveira e José Bento da Cunha Figueiredo permitiram que se elevasse o número a 40, e atualmente conta a casa 41 alunos.
Acha-se o Instituto dos cegos estabelecido no prédio n. 17 situado na face meridional da Praça da Aclamação; tem essa casa, despida de toda a arquitetura, dois pavimentos com três portões e seis mezaninos arredondados no primeiro pavimento, e nove janelas com sacadas de grades de ferro no segundo.
Há no primeiro pavimento a sala do refeitório dos alunos, que também serve de sala de estudo, uma sala de estudo para alunos de menor idade, uma pequena enfermaria, dois quartinhos para banhos, a rouparia, sala do engomado, despensa, a sala da oficina de encadernação onde está a biblioteca que conta 400 volumes, a da oficina tipográfica, a qual também serve de aula de música de sopro, a de oficina de afinação de piano; e um salão de aulas onde vê-se o retrato de José Alves de Azevedo com esta inscrição:
“José Alves de Azevedo, natural desta corte, cego, falecido a 17 de março de 1854 com 19 anos de idade. Primeiro que no Brasil mostrou o sistema de instruir os cegos”.
A oficina de afinação de piano tem por mestre João Brasiel Madeira, ex-aluno do instituto, casado e que da afinação de pianos por casas particulares sustenta sua mulher e dois filhos.
Veem-se no segundo pavimento do edifício a sala de entrada onde estão os retratos dos marqueses de Olinda, de Abrantes e do visconde do Bom Retiro, e o busto em mármore do Dr. Francisco Sigaud; lendo-se no pedestal, também de mármore, o seguinte:
“J. F. X. SIGAUD COLLABORADOR DE J. A. D’AZEVEDO NA FUNDAÇÄO DO INSTITUTO DOS MENINOS CEGOS E PRIMEIRO DIRETOR DO MESMO INSTITUTO”
Dá essa sala entrada para a capela consagrada a São Rafael, padroeiro dos cegos, o qual é festejado em 24 de novembro de cada ano, celebrando-se nesse dia uma missa por alma dos benfeitores do instituto e outra no aniversário do falecimento de cada um.
Há a sala da secretaria onde está o retrato do Dr. Claudio Luiz da Costa, o salão das visitas, com os retratos do imperador e da imperatriz, que serve também de aula de música para alunos e alunas; o refeitório das alunas, sala de estudo, uma pequena enfermaria, aula de música das alunas, lavatório, quarto da inspetora, dormitório das alunas e três quartos para aposentos do diretor e sua família.
Há no terceiro pavimento, em um sótão do prédio, o quarto do inspetor, os dormitórios dos alunos, sendo um para os menores, outro para os médios, e outro para os maiores.
Não tem esta casa cômodos suficientes e apropriados, nem condições higiênicas; os dormitórios são pequenos e estreitos; são úmidas e mal ventiladas todas as divisões do primeiro pavimento; a enfermaria dos alunos é um quarto pequeno, úmido, escuro e quase sem ar; não há salas suficientes para as aulas; as oficinas tipográfica e de encadernação estão entaipadas em pequenas salas, escuras e tão úmidas que os papéis e livros estragam-se muito depressa; não há espaço para recreio e exercícios ginásticos; a enfermaria das alunas é um pequeno quarto, e o diretor não tem cômodos decentes e separados, vive encerrado com sua família em três pequenos quartos. Mas se este edifício está longe de satisfazer às condições desejáveis de uma casa de educação desta natureza já o governo acudiu, como vimos, com louvável empenho a esta necessidade, dando princípio a um palácio destinado à instrução e educação dos meninos cegos.
Fácil é demonstrar a utilidade e importância de semelhante estabelecimento.
Não há muitos anos se considerava a cegueira como um mal irremediável, uma desgraça só digna de compaixão, e o único favor que a caridade julgava possível fazer em benefício dos cegos era criar asilos em que esses infelizes recebiam sustento e vestuário, deixando-os, porém, entregues a seu infortúnio, às trevas da ignorância iguais as que cercavam-lhes os olhos; o cego era considerado um ente inútil, inepto para tudo, um fardo que se não era atirado ao precipício, como ordenava Licurgo, devia contentar-se com a esmola que recebia dos transeuntes da praça pública. Além de ter os olhos tapados para a luz, de viver sempre na noite, não podia ter um espírito refletido, uma educação literária; seu coração e sua alma deviam permanecer vazios, inúteis como seus olhos para a luz e para o mundo; vivendo como um ente nulo, não podia amar, gozar das delícias do coração, dos prazeres da inteligência, devia existir sem olhos, sem coração, sem alma, sem educação, sem ensino, e da noite da vida passar para a noite do sepulcro. A luz da civilização, porém, derramou-se sobre esses infelizes, e desde o século passado se procurou melhorar sua condição; a ciência investigou todos os meios de remediar a sorte precária dos que não veem, abrindo aos cegos um vasto campo ao exercício de sua atividade e inteligência. Vantajosos resultados hão colhido as nações cultas na educação e ensino dos privados da vista, e mesmo no Brasil, onde o ensino dos cegos conta pouco mais de vinte anos, onde há apenas para sua educação um único instituto, que poucos alunos pode receber, e em tão acanhada residência que pouca extensão e variedade se tem podido dar aos ramos do ensino prático, tem-se assim mesmo obtido resultados satisfatórios, e se reconhecido que dentre os alunos, que hão terminado o curso de estudos, mais de 80% vivem sobre si, exercendo profissões úteis que lhes hão fornecido meios de decente subsistência para si e sua família.
Além de D. Adele Sigaud, filha do Dr. Sigaud, primeira discípula de J. Alves d’Azevedo, a qual não só ensina piano no instituto mas também toca órgão na igreja da Glória, de D. Leopoldina Maria da Conceição, casada, coadjuvante dos trabalhos de agulha, de João Brasiel Madeira, mestre de afinação de pianos, têm saído do instituto os alunos: Firmino Rodrigues de Oliveira, antigo mestre da oficina tipográfica do estabelecimento, que lecionava francês por casas particulares, sustentando sua mãe viúva, cega e pobre, da qual era o único arrimo, é falecido; Joaquim José de Aragão Cabral, excelente encadernador, empregado no Instituto, e professor particular de português, falecido; Scipião Merolli, mestre da oficina de encadernação do Instituto, falecido; Carlos Henrique Soares, ex-repetidor de instrução primária e de religião no instituto e professor por espaço de cinco anos de catecismo, doutrina cristã e história sagrada do colégio Perseverança, falecido; Luiz Antônio Gaudim Leitão, organista das igrejas de São Francisco da Penitência e da Lapa dos Mercadores; Francisco José Alves, excelente encadernador, ofício que exerce com proficiência na província de Minas-Gerais; Antônio Lisboa Fagundes da Silva, casado, repetidor do Instituto; Felismindo Nogueira da Costa residente em Campos, onde toca órgão nas igrejas, ensina francês em um colégio, afina piano e rege orquestras, é casado e mantém sua mãe viúva, sua mulher e uma irmã solteira; Posidônio de Mattos mestre da oficina tipográfica do Instituto, e professor particular de piano; José Soares Pinto de Siqueira professor de música, notável pianista, organista da capela do hospital da beneficência portuguesa, e da capela do visconde da Silva; tem dado concertos nos teatros, e com seu trabalho sustenta sua mãe viúva, uma irmã solteira e dois irmãos menores; Antônio Teixeira do Rego, ainda aluno do Instituto, compositor de música, do qual remeteu-se para a exposição de Viena uma coleção de seus trabalhos, e existe impressa uma Ave Maria para canto e piano, linda composição sua.
Vê-se pois que corre ao Estado o rigoroso dever de dar aos cegos instrução que possa garantir-lhes um futuro e habilitá-los para o seio da sociedade. Há no Brasil mais de 12.000 cegos que podem aprender, receber uma educação moral e intelectual, e sobre cuja sorte devem os poderes públicos velar, porque tanto são cidadãos os que veem como os que não veem. Não há hoje um só ramo de instrução primária ou secundária que seja interdito ao cego, e estão ao seu alcance muitos ofícios, artes e indústrias; e assim deve a nação cuidar desses seus filhos, recolhê-los, instrui-los educá-los, torná-los cidadãos morigerados e hábeis, que possam entrar em concorrência com os videntes no exercício das letras e das artes, e proporcionar-lhes um futuro seguro, e honesto chamando-os ao grêmio da sociedade e da civilização.
Notas
- ↑ Em 15 de janeiro de 1876 faleceu com pouco mais de 50 anos o cônego Dr. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, comendador da ordem de Cristo, cronista do Império, professor de retórica e literatura, no colégio de Pedro II, secretário do Instituto Histórico, sócio de muitas sociedades literárias, e autor de diversas obras históricas de primoroso lavor, que são monumentos de seu nome.
- ↑ Nasceu José Francisco Xavier Sigaud em Marselha a 2 de dezembro de 1796; começou seus estudos médicos em Montpellier e os concluiu em Estrasburgo em 7 de Setembro de 1818; foi cirurgião interno do hospital de Lyon; secretário da sociedade real de medicina de Marselha e criou nessa ocasião o periódico Asclepiades que durou de 1823 a 1825. Neste ano chegou ao Rio de Janeiro, onde começou a publicar o periódico Propagador das ciências médicas; em sua casa na Rua do Rosário, teve lugar em 28 de março de 1829, a primeira reunião com o fim de se estabelecer a sociedade de medicina, hoje academia imperial de medicina; formulou os estatutos, serviu de presidente dessa associação; publicou em 1831 o periódico Semanário da Saúde Pública: depois o periódico Diário da Saúde; compôs a obra “Du Climat et des maladies du Bresil” pela qual recebeu do rei Luiz Felipe uma carta autografa, a cruz da legião de Honra e um rico anel; em 1854 naturalizou-se brasileiro, e apesar de valetudinário aceitou a diretoria do Instituto dos cegos. Foi médico da casa imperial, cavaleiro da ordem imperial do Cruzeiro, homem muito douto e sócio de diversas sociedades literárias.
Fonte
- Azevedo, Manuel Duarte Moreira de. O Rio de Janeiro: Sua História, Monumentos, Homens Notáveis, Usos e Curiosidades. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1877. 2 v. (É a segunda edição do “Pequeno Panorama” 1861-67, 5 v.).
Livro digitalizado
- Internet Archive – Segundo Volume (pág. 97)
Referência externa
Mapa - Instituto Benjamin Constant