Fala do trono na abertura da Assembleia Constituinte de 1823

1823
ASSEMBLEIA CONSTITUINTE
FALA DO TRONO.
Dignos representantes da nação brasileira.
É hoje o dia maior, que o Brasil tem tido; dia em que ele pela primeira vez começa a mostrar ao mundo, que é Império e Império livre. Quão grande é meu prazer vendo juntos representantes de quase todas as províncias fazerem conhecer umas às outras seus interesses, e sobre eles basearem uma justa e liberal constituição, que as reja. Deveríamos já ter gozado de uma representação nacional; mas a nação não conhecendo a mais tempo seus verdadeiros interesses, ou conhecendo-os, e não os podendo patentear, visto a força, e predomínio do partido português que, sabendo mui bem a que ponto de fraqueza, pequenez, e pobreza Portugal já estava reduzido, e ao maior grau a que podia chegar de decadência, nunca quis consentir (sem embargo de proclamar liberdade, temendo a separação) que os povos do Brasil gozassem de uma representação igual àquela, que eles então tinham. Enganaram-se nos seus planos conquistadores, e deste engano nos provém toda a nossa fortuna.
O Brasil, que por espaço de trezentos e tantos anos sofreu o indigno nome de colônia, e igualmente todos os males provenientes do sistema destruidor então adotado, logo que o Senhor D. João VI Rei de Portugal e Algarves, meu augusto pai o elevou à categoria de Reino pelo decreto de 16 de dezembro de 1815, exultou de prazer: Portugal bramiu de raiva, tremeu de medo. O contentamento, que os povos deste vasto continente mostraram nessa ocasião, foi inaudito; mas atrás desta medida política não veio, como devia ter vindo, outra, qual era a convocação de uma assembleia, que organizasse o novo Reino.
O Brasil sempre sincero no seu modo de obrar, e mortificado por haver sofrido o jugo de ferro por tanto tempo antes, e mesmo depois de tal medida, imediatamente, que em Portugal se proclamou a liberdade, o Brasil gritou Constituição Portuguesa; assentando, que por esta prova que dava de confiança a seus pseudo-irmãos, seria por eles ajudado a livrar-se dos imensos vermes, que lhe roíam suas entranhas, não esperando nunca ser enganado.
Os Brasileiros, que verdadeiramente amavam seu país, jamais tiveram a intenção de se sujeitarem a uma constituição, em que todos não tivessem parte, e cujas vistas eram, de os converter repentinamente de homens livres, em vis escravos. Contudo, os obstáculos, que antes de 26 de abril de 1821 se opunham à liberdade brasileira, e que depois continuaram a existir sustentados pela tropa europeia, fizeram com que estes povos, temendo que não pudessem gozar de uma assembleia sua, fossem pelo amor da liberdade, arrastados a seguir as infames cortes de Portugal; para ver se fazendo tais sacrifícios, poderiam deixar de ser insultados pelo seu partido demagógico, que predominava neste hemisfério.
Nada disto valeu: fomos maltratados pela tropa europeia de tal modo, que eu fui obrigado a fazê-la passar à outra banda do rio, pô-la em sítio, mandá-la embarcar, e sair barra-fora, para salvar a honra do Brasil, e podermos gozar daquela liberdade, que devíamos, e queríamos ter, para a qual debalde trabalharíamos por possuí-la, se entre nós consentíssemos um partido heterogêneo à verdadeira causa.
Ainda bem não estávamos livres destes inimigos, quando poucos dias depois aportou outra expedição, que de Lisboa nos era enviada para nos proteger; eu tomei sobre mim proteger este Império, e não a recebi. Pernambuco fez o mesmo, e a Bahia, que foi a primeira em aderir a Portugal, em prêmio da sua boa fé, e de ter conhecido tarde qual era o verdadeiro trilho, que devia seguir, sofre hoje crua guerra dos vândalos, e sua cidade só por eles ocupada, está a ponto de ser arrasada, quando nela se não possam manter.
Eis em suma a liberdade, que Portugal apetecia dar ao Brasil; ela se convertia para nós em escravidão, e faria a nossa ruína total, se continuássemos a executar suas ordens, o que aconteceria, a não serem os heroicos esforços, que por meio de representações fizeram primeiro que todos, a junta de governo de São Paulo, depois a câmara desta capital, e após destas, todas as mais juntas de governos, e câmaras, implorando a minha ficada. Parece-me, que o Brasil seria desgraçado, se eu as não atendesse, como atendi, bem sei, que este era meu dever, ainda que expusesse minha vida; mas como era em defesa deste Império, estava pronto, assim como hoje, e sempre se for preciso.
Mal tinha acabado de proferir estas palavras: Como é para bem de todos, e felicidade geral da nação diga ao povo, que fico: recomendando-lhe ao mesmo tempo, união e tranquilidade, comecei imediatamente a tratar de nos pormos em estado de sofrer ataques de nossos inimigos, até aquela época encobertos, depois desmascarados uns entre nós existentes, outros nas democráticas cortes portuguesas; providenciando por todas as secretarias, especialmente pela do império, e negócios estrangeiros as medidas, que dita a prudência, que eu cale agora, para vos serem participadas pelos diferentes secretários de estado em tempo conveniente.
As circunstâncias do tesouro público eram as piores, pelo estado a que ficou reduzido, e mui principalmente, porque até quatro ou cinco meses foi somente provincial. Visto isto, não era possível repartir o dinheiro, para tudo quanto era necessário, por ser pouco, para se pagar a credores, a empregados em efetivo serviço, e para sustentação da minha casa, que despendia uma quarta parte da de El-Rei, meu augusto pai. A dele excedia quatro milhões, e a minha não chegava a um. Apesar da diminuição ser tão considerável, assim mesmo eu não estava contente, quando via, que a despesa, que fazia, era mui desproporcionada à receita, a que o tesouro estava reduzido, e por isso me limitei a viver como um simples particular, percebendo tão-somente a quantia de 110:000$000 para todas as despesas da minha casa, excetuando a mesada da Imperatriz, minha muito amada, e prezada esposa, que lhe era dada em consequência de ajustes de casamento.
Não satisfeito com fazer só estas pequenas economias na minha casa, por onde comecei, vigiava sobre todas as repartições, como era minha obrigação; querendo modificar também suas despesas, e obstar seus extravios. Sem embargo de tudo, as rendas não chegavam; mas com pequenas mudanças de indivíduos não afetos à causa deste Império, e só ao infame partido português, que continuamente nos estavam atraiçoando, por outros, que de todo o seu coração amavam o Brasil, uns por nascimento, e princípios, outros por estarem intimamente convencidos, que a causa era a da razão, consegui (e com quanta glória o digo), que o banco, que tinha chegado a ponto de ter quase perdido a fé pública, e estar por momentos a fazer bancarrota, tendo ficado no dia, em que o Senhor Dom João VI saiu à barra, duzentos contos em moeda, única quantia, para troco de suas notas, restabelecesse seu crédito de tal forma, que não passa pela imaginação a indivíduo algum, que ele um dia possa voltar ao triste estado, a que o haviam reduzido: que o tesouro público, apesar de suas demasiadas despesas, as quais deviam pertencer a todas as províncias, e que ele só fazia, tendo ficado desacreditado, e exausto totalmente, adquirisse um crédito tal, que já soa na Europa, e tanto dinheiro, que a mor parte dos seus credores, que não eram poucos, nem de pequenas quantias, tenham sido satisfeitos de tal forma, que suas casas não tenham padecido: que os empregados públicos estejam em dia, assim como os militares em efetivo serviço: que as mais províncias, que têm aderido à causa santa, não por força, mas por convicção, que eu amo ajusta liberdade, tenham sido fornecidas de todos os petrechos de guerra para sua defesa, grande parte deles comprados, e outra dos que existiam nos arsenais. Além disto, têm sido socorridas com dinheiro, por não chegarem suas rendas para as despesas que deviam fazer.
Em suma consegui, que a província rendesse 11 para 12 milhões, sendo o seu rendimento anterior à saída de meu augusto pai de seis a sete quando muito.
Nestas despesas extraordinárias entram também fretes de navios das diferentes expedições, que deste porto regressaram para o de Lisboa, compras de algumas embarcações, e consertos de outras, pagamentos a todos os empregados civis, e militares, que em serviço aqui têm vindo, e aos expulsos das províncias por paixões particulares e tumultos que nelas têm havido.
Grandes foram sem dúvida as despesas; mas contudo, ainda se não lançou mão da caixa dos dons gratuitos e sequestros das propriedades nos ausentes por opiniões políticas, da caixa do empréstimo, que se contraiu de 400:000$000 para compra de vasos de guerra, que se faziam urgentemente necessários para defesa deste Império, o que tudo existe em ser, e da caixa da administração dos diamantes.
Em todas as administrações se faz sumamente precisa uma grande reforma; mas nesta da fazenda, ainda muito mais, por ser a principal mola do Estado.
O exército não tinha nem armamento capaz, nem gente, nem disciplina: de armamento está pronto perfeitamente, de gente vai-se completando conforme o permite a população; e de disciplina, em breve chegará ao auge, já sendo em obediência o mais exemplar do mundo. Por duas vezes tenho mandado socorros à província da Bahia, um de 240 homens, outro de 735, compondo um batalhão com o nome de batalhão do Imperador: o qual em oito dias foi escolhido, se aprontou, embarcou e partiu.
Além disto, foram criados um regimento de estrangeiros, e um batalhão de artilharia de libertos, que em breve estarão completos.
Nos arsenais do exército tem-se trabalhado com toda a atividade, preparando-se tudo quanto tem sido preciso para defesa das diferentes províncias, e todas desde a Paraíba do Norte até Montevidéu, receberam os socorros que pediram.
Todos os reparos de artilharia das fortalezas desta corte, estavam totalmente arruinados; hoje acham-se prontos; imensas obras de que se carecia dentro do mesmo arsenal se fizeram.
Pelo que toca a obras militares, repararam-se as muralhas de todas as fortalezas, e fizeram-se algumas totalmente novas. Construíram-se em diferentes pontos os mais apropriados para neles se obstar a qualquer desembarque, e mesmo em gargantas de serras a qualquer passagem do inimigo, no caso de haver desembarcado (o que não será fácil), entrincheiramentos, fortins, redutos, abatises e baterias rasas. Fez-se mais o quartel da Carioca; prepararam-se todos os mais quartéis; está quase concluído o da Praça da Aclamação, e em breve se acabará o que se mandou fazer para granadeiros.
A armada constava somente da fragata Piranga então chamada União, mal pronta; da corveta Liberal só em casco; e de algumas mui pequenas e insignificantes embarcações.
Hoje acha-se composta da nau Dom Pedro I, fragatas Piranga, Carolina e Niterói; corvetas Maria da Glória e Liberal prontas; e de uma corveta nas Alagoas, que em breve aqui aparecerá com o nome de Maceió; dos brigues de guerra Guarani pronto, Cacique e Caboclo em conserto, diferentes em comissões, assim como também várias escunas.
Espero seis fragatas de 50 peças prontas de gente, e armamento, e de tudo quanto é necessário para combate, para cuja compra já mandei ordem. Parece-me que o custo não excederá muito a 300:000$ segundo o que me foi participado.
Obras no arsenal da marinha fizeram-se as seguintes: consertaram-se todas as embarcações que atualmente estão em serviço; fizeram-se barcos, canhoneiras, e muitos mais, que não enumero por pequenos; mas que contudo somados montam a grande número, e importância.
Pretendo que este ano no mesmo lugar, em que se não fez por espaço de treze, mais do que calafetar, lingar e atamancar embarcações, enterrando somas considerabilíssimas de que o governo podia mui bem dispor com suma utilidade nacional, se ponha a quilha de uma fragata de 40 peças, que, a não faltarem os cálculos que tenho feito, as ordens que tenho dado, e as medidas que para isso tenho tomado, espero seja concluída por todo este ano, ou meado do que vem, pondo-se-lhe o nome de Campista.
Quanto a obras públicas, muitas se têm feito. Pela polícia reedificou-se o palacete da Praça da Aclamação; privou-se esta extensa praça de inundações, tornando-se um passeio agradável, havendo-se calçado por todos os lados, além das diferentes travessas, que se vão fazendo para mais embelezá-la. Consertou-se a maior parte dos aquedutos da Carioca e Maracanã. Repararam-se imensas pontes, umas de madeira, outras de pedra; e além disto têm-se feito muitas totalmente novas; também se consertaram grande parte das estradas.
Apesar do exposto, e de muito mais, em que não toco, seu cofre, que estava em abril de 1821 devedor de 60:000$000, hoje não só não deve, mas tem em ser 60 e tantos mil cruzados.
Por diferentes repartições fizeram-se as seguintes obras: Aumentou-se muito a tipografia nacional. Consertou-se grande parte do passeio público. Reparou-se a casa do museu, enriqueceu-se muito com minerais, e fez-se uma galeria com excelentes pinturas, umas que se compraram, outras, que havia no tesouro público, e outras minhas, que lá mandei colocar.
Tem-se trabalhado com toda a força no cais da praça do comércio, de modo que está quase concluído. As calçadas de todas as ruas da cidade foram feitas de novo, e em breve tempo fez-se esta casa da assembleia, e todas as mais, que a ela estão juntas, foram prontificadas para este mesmo fim.
Imensas obras, que não são do toque destas, se têm empreendido, começado e acabado, que eu omito, para não fazer o discurso nimiamente longo.
Tenho promovido os estudos públicos quanto é possível, porém necessita-se para isso de uma legislação particular. Fez-se o seguinte: comprou-se para engrandecimento da biblioteca pública uma grande coleção de livros dos de melhor escolha; aumentou-se o número das escolas, e algum tanto o ordenado de seus mestres, permitindo-se, além disto, haver um sem-número delas particulares: conhecendo a vantagem do ensino mútuo, também fiz abrir uma escola pelo método lancasteriano.
O seminário de São Joaquim, que seus fundadores tinham criado para educação da mocidade, achei-o servindo de hospital da tropa europeia; fi-lo abrir na forma da sua instituição, e havendo eu concedido à casa da misericórdia, e roda dos expostos (de que abaixo falarei) uma loteria para melhor se poderem manter estabelecimentos de tão grande utilidade, determinei ao mesmo tempo que uma quota-parte desta mesma loteria fosse dada ao seminário de São Joaquim, para que melhor se pudesse conseguir o útil fim para que fora destinado por seus honrados fundadores. Acha-se hoje com imensos estudantes.
A primeira vez, que fui à roda dos expostos, achei (parece impossível) sete crianças com duas amas; nem berços, nem vestuários. Pedi o mapa, e vi, que em 13 anos tinham entrado perto de 12.000, e apenas tinham vingado 1.000, não sabendo a Misericórdia verdadeiramente, aonde eles se achavam. Agora com a concessão da loteria, edificou-se uma casa própria para tal estabelecimento, aonde há trinta e tantos berços, quase tantas amas quantos expostos, e tudo em muito melhor administração. Todas estas coisas, de que acima acabei de falar, devem merecer-vos suma consideração.
Depois de ter arranjado esta província, e dado imensas providências para as outras, entendi, que devia convocar, e convoquei por decreto de 16 de fevereiro do ano próximo passado um conselho de Estado, composto de procuradores gerais, eleitos pelos povos, desejando, que eles tivessem quem os representasse junto a mim, e ao mesmo tempo quem me aconselhasse, e me requeresse o que fosse a bem de cada uma das respectivas províncias. Não foi somente este o fim, e motivo, por que fiz semelhante convocação, o principal foi, para que os Brasileiros melhor conhecessem a minha constitucionalidade, o quanto eu me lisonjearia governando a contento dos povos, e quanto desejava em meu paternal coração (escondidamente, porque o tempo não permitia, que tais ideais se patenteassem de outro modo) que esta leal, grata, briosa, e heroica nação fosse representada numa assembleia geral, constituinte, e legislativa, o que, graças a DEUS, se efetuou em consequência do decreto de 3 de junho do ano pretérito, a requerimento dos povos, por meio de suas câmaras, seus procuradores gerais, e meus conselheiros de Estado.
Bem custoso seguramente me tem sido, que o Brasil até agora não gozasse de representação nacional; e ver-me eu por força de circunstâncias obrigado a tomar algumas medidas legislativas; elas nunca parecerão, que foram tomadas por ambição de legislar, arrogando um poder, em o qual somente devo ter parte; mas sim, que foram tomadas para salvar o Brasil, visto que a assembleia, quanto a umas não estava convocada, quanto a outras, não estava ainda junta, e residiam então de fato, e de direito, visto a independência total do Brasil de Portugal, os três poderes no chefe supremo da nação, muito mais sendo ele seu defensor perpétuo.
Embora algumas medidas parecessem demasiadamente fortes, como o perigo era iminente, os inimigos, que nos rodeavam imensos (e prouvera a DEUS, que entre nós ainda não existissem tantos), cumpria serem proporcionadas.
Não me tenho poupado, nem pouparei a trabalho algum, por maior que seja, contanto que dele provenha um ceitil de felicidade para a nação.
Quando os povos da rica, e majestosa província de Minas estavam sofrendo o férreo jugo do seu deslumbrado governo, que a seu arbítrio dispunha dela, e obrigava seus pacíficos, e mansos habitantes a desobedecerem-me, marchei para lá com os meus criados somente, convenci o governo, e seus sequazes do crime, que tinham perpetrado, e do erro, em que pareciam querer persistir; perdoei-lhes, porque o crime era mais em ofensa a mim, do que mesmo à nação, por estarmos ainda naquele tempo unidos a Portugal.
Quando em São Paulo surgiu dentre o brioso povo daquela agradável, e encantadora província, um partido de Portugueses, e Brasileiros degenerados, totalmente afetos às cortes do desgraçado e encanecido Portugal, parti imediatamente para a província, entrei sem receio, porque conheço, que todo o povo me ama, dei as providências, que me pareceram convenientes, a ponto, que a nossa independência lá foi primeiro, que em parte alguma proclamada no sempre memorável sítio da Piranga.
Foi na pátria do fidelíssimo, e nunca assaz louvado Amador Bueno de Ribeira, aonde pela primeira vez fui aclamado Imperador.
Grande tem sido seguramente o sentimento, que enluta minha alma, por não poder ir à Bahia, corno já quis, e não executei, cedendo às representações de meu conselho de Estado, misturar meu sangue com o daqueles guerreiros, que tão denodadamente têm pelejado pela pátria.
A todo o custo, até arriscando a vida, se preciso for, desempenharei o título, com que os povos deste vasto, e rico continente em 13 de maio do ano pretérito, me honraram de Defensor Perpétuo do Brasil. Este título penhorou muito mais meu coração do que quanta glória alcancei com a espontânea, e unânime aclamação de Imperador deste invejado Império.
Graças sejam dadas à Providência, que vemos hoje a nação representada, e representada por tão dignos deputados. Oxalá, que há mais tempo pudesse ter sido; mas as circunstâncias anteriores ao decreto de 3 de junho não o permitiam, assim como depois as grandes distâncias, a falta de amor da pátria em alguns, e todos aqueles incômodos, que em longas viagens se sofrem, principalmente em um país tão novo, e extenso, como o Brasil; são quem tem retardado esta apetecida, e necessária junção, apesar de todas as recomendações, que fiz de brevidade por diferentes vezes.
Afinal raiou o grande dia para este vasto Império, que fará época na sua história. Está junta a assembleia para constituir a nação. Que prazer! Que fortuna para todos nós!
Como Imperador Constitucional, e mui especialmente como defensor perpétuo deste Império, disse ao povo no dia 1º de dezembro do ano próximo passado, em que fui coroado e sagrado, que com a minha espada defenderia a pátria, a nação, e a constituição, se fosse digna do Brasil e de mim. Retifico hoje mui solenemente perante vós esta promessa, e espero, que me ajudeis a desempenhá-la, fazendo uma constituição sábia, justa, adequada e executável, ditada pela razão, e não pelo capricho, que tenha em vista somente a felicidade geral, que nunca pode ser grande, sem que esta constituição tenha bases sólidas, bases que a sabedoria dos séculos tenha mostrado, que são as verdadeiras para darem uma justa liberdade aos povos, e toda a força necessária ao poder executivo. Uma constituição, em que os três poderes sejam bem divididos de forma, que não possam arrogar direitos, que lhe não compitam, mas que sejam de tal modo organizados, e harmonizados, que se lhes torne impossível, ainda pelo decurso do tempo, fazerem-se inimigos, e cada vez mais concorram de mãos dadas para a felicidade geral do Estado. Afinal uma constituição que pondo barreiras inacessíveis ao despotismo, quer real, quer democrático, afugente a anarquia, e plante a árvore daquela liberdade, a cuja sombra deve crescer a união, tranquilidade, e independência deste Império, que será o assombro do mundo novo e velho.
Todas as constituições, que, à maneira das de 1791 e 92, têm estabelecido suas bases, e se têm querido organizar, a experiência nos tem mostrado, que são totalmente teoréticas, e metafisicas, e por isso inexequíveis, assim o prova a França, Espanha; e ultimamente Portugal. Elas não têm feito, como deviam, a felicidade geral; mas sim, depois de uma licenciosa liberdade, vemos, que em uns países já apareceu, e em outros ainda não tarda a aparecer o despotismo em um, depois de ter sido exercitado por muitos, sendo consequência necessária ficarem os povos reduzidos à triste situação de presenciarem e sofrerem todos os horrores da anarquia.
Longe de nós tão melancólicas recordações: elas enlutariam a alegria e júbilo, de tão fausto dia. Vós não as ignorais, e eu certo, que a firmeza nos verdadeiros princípios constitucionais, que têm sido sancionados pela experiência, caracteriza cada um dos deputados, que compõem esta ilustre assembleia, espero, que a constituição que façais, mereça a minha imperial aceitação, seja tão sábia, e tão justa, quanto apropriada à localidade e civilização do povo brasileiro; igualmente, que haja de ser louvada por todas as nações; que até os nossos inimigos venham a imitar a santidade e sabedoria de seus princípios, e que por fim a executem.
Uma assembleia tão ilustrada, e tão patriótica, olhará só a fazer prosperar o Império, e cobri-lo de felicidades; quererá, que seu Imperador seja respeitado, não só pela sua, mas pelas mais nações; e que o seu defensor perpétuo, cumpra exatamente a promessa feita no 19 de dezembro do ano passado, e ratificada hoje solenemente perante a nação legalmente representada.
Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil.
Em ato contínuo o presidente da assembleia Dom José Caetano da Silva Coutinho, bispo do Rio de Janeiro, proferiu a resposta seguinte:
“Senhor. — Cabendo-me hoje a ditosa sorte de manifestar na augusta presença de Vossa Majestade Imperial os honrados sentimentos da assembleia geral constituinte e legislativa do Império do Brasil, a primeira ideia que se me oferece é a novidade deste mesmo espetáculo soberano, e majestoso, pela primeira vez ostentado no Brasil, e raras vezes visto no resto do mundo.
Não é porque em todos os tempos, e em todos os lugares se não tenha visto muitas vezes a magnificência de um Príncipe, dotado de grandes talentos, rodeado de uma pomposa corte, governando vastos Estados, ou comandando numerosos exércitos: não é também porque se não tenha visto muitas vezes o entusiasmo patriótico de uma nação inteira, que despertando da miséria, e do opróbrio, em que a tinham agrilhoado, grita pela liberdade, reclama os seus direitos, e exige um governo justo e digno de homens. Não há uma nação que não possa apontar alguns destes acontecimentos, como épocas notáveis da sua história, e que são realmente o resultado, e o desenvolvimento das paixões humanas no estado social, efeitos espontâneos da natureza moral do homem.
Mas não sei por que fatalidade, ou antes por que providência estes acontecimentos andam quase sempre separados; e raras vezes se ajustam, e se combinam para produzirem um só fenômeno, que identifique a grandeza e a glória de um Príncipe com a justa liberdade, com a segurança, e felicidade de um povo. Este grande fenômeno político nunca se pode realizar na infância dos povos bárbaros, nem na decadência dos povos corrompidos, e desmoralizados: este fenômeno raro só o tem podido apresentar à contemplação do mundo aquelas nações ditosas, que se têm perfeitamente constituído e civilizado; e é este o mesmo grande fenômeno, que agora temos diante dos olhos. A magnificência de um grande Príncipe, o patriotismo de um povo livre e generoso, que possui o mais belo e vasto país do universo, tudo isto representado, e reunido em um ponto de vista, animados todos do mesmo espírito, respirando uma só vontade, e formando um só corpo vivo, e vigoroso; eis aqui, senhor, o espetáculo pela primeira vez ostentado no Brasil, e raras vezes visto no resto do mundo. Espetáculo maravilhoso, que absorve todos os meus sentidos, e que arrebata a minha alma.
Oh! Dia da Santa Cruz, que já nos trazias doces recordações antigas nos fastos do Brasil! Oh! Dia preclaro e venturoso! Oxalá que na revolução dos anos, e dos séculos sempre cá nos tragas um aumento progressivo da glória e das prosperidades que esperamos, e que aqui se encerram e simbolizam no recinto desta sala.
Em verdade, senhor, o presente espetáculo chega ao mais alto grau de admiração e de importância, quando é considerado como imagem simbólica, mas enérgica da verdadeira grandeza e das prosperidades reais que dele devem resultar ao Brasil. O Brasil civilizado já não podia perfeitamente constituir-se e organizar-se, senão adotando as formas, estabelecendo as garantias e criando as instituições políticas, que têm feito a felicidade e a opulência dos povos mais ilustrados do mundo.
A distinção dos poderes políticos é a primeira base de todo o edifício constitucional: estes poderes se acham já distintamente no recinto augusto desta sala: a sabedoria coletiva da nação; a autoridade constituinte e legislativa, o chefe do poder executivo. Mas é este mesmo recinto apertado e estreito que eu considero como a imagem mais viva e enérgica daquele laço apertado e indissolúvel, que deve ligar todos os membros do corpo político, daquela doce harmonia que deve dirigir para um só fim todos os supremos poderes, aliás distintos e independentes nos limites da sua esfera. Esta doce harmonia dos poderes é o objeto mais caro e precioso dos mais puros votos do nosso coração, e de todos os cidadãos amantes da pátria e amigos da humanidade. Esta doce harmonia dos poderes não pode ser somente a obra dos talentos e das luzes que hoje se têm difundido por toda a parte, ela se espera principalmente e com todo o fundamento se espera das altas virtudes liberais, que residem no generoso coração de Vossa Majestade, e igualmente se espera das virtudes patrióticas, que estão animando a todos os ilustres Srs. representantes do povo brasiliense. Os talentos e as luzes da assembleia hão de levantar certamente com toda a perfeição e sabedoria a complicada máquina do Estado, mas o que nos afiança a regularidade, a constância e a perpetuidade dos seus movimentos são as virtudes, as paixões bem reguladas pela razão, os bons costumes e maneiras, os sinceros sentimentos religiosos das autoridades públicas e dos indivíduos particulares. Não, senhor, as santas virtudes, sublimes filhas do Céu, não hão de abandonar-nos, enquanto nós não abandonarmos a religião de nossos pais, que havemos jurado. Oxalá que as santas virtudes inocentes façam o seu assento eterno no Império do Brasil! É então a mais remota posteridade, abençoando este dia e recordando com respeito e prazer saudoso a instalação da primeira assembleia constituinte e legislativa, verá repetir muitas vezes esse mesmo ato majestoso, em que o monarca vem ao seio da representação nacional a congratularem-se e a felicitarem-se mutuamente pelos duplicados motivos de felicidade do povo e da glória do trono [1].”
— Acabando este ato, se levantou o presidente e disse em alta voz — Viva o nosso primeiro Imperador constitucional — a que se respondeu toda a assembleia e espectadores com altas aclamações. O Imperador respondeu também em alta voz — Viva a assembleia constituinte e legislativa — e foi igualmente correspondido pela assembleia e espectadores.
Concluído este ato pelas duas horas, levantou-se Sua Majestade e assembleia, e com o mesmo cerimonial [2] com que tinha entrado se retirou.
O Sr. presidente levantou imediatamente a sessão [3].
Bispo Capelão-mor, presidente.
Manuel José de Sousa França, secretário.
Incidentes relativos à apresentação do voto de graças ou resposta da assembleia à fala do trono
Na sessão do dia 5 de maio disse o Sr. Alencar: — Sr. presidente, como se acha instalada a mesa peço a V. Exª licença para fazer uma moção.
O Sr. Andrada Machado. — Permita-me V. Exª que eu diga que na forma do regimento a primeira coisa de que se deve tratar é do voto de graças a Sua Majestade Imperial, o qual deve preferir a tudo, e depois terá a palavra qualquer dos senhores que a pedir.
O Sr. Alencar. — Estou satisfeito, terei a palavra depois que se tratar do voto de graças.
O Sr. Andrada Machado. — Eu não vinha preparado para apresentar um voto de graças, mas como também nenhum dos ilustres membros se lembrou de o trazer, aqui mesmo fiz um, o qual lerei, se V. Exª mo permitir. Leu o seguinte: “Proponho que se nomeie uma deputação para levar à presença de Sua Majestade Imperial, o voto de graças da assembleia pela graciosa fala de Sua Majestade Imperial, pronunciada na sessão primeira de 3 do corrente mês, e que se declare a Sua Majestade Imperial:
1º Que a assembleia reconhece com ternura a generosidade e grandeza d’alma de Sua Majestade Imperial, que, desprezando sentimentos acanhados e vistas curtas e interessadas, foi o primeiro a convocar a representação nacional, que deve limitar o poder que de fato possuíam os seus antecessores.
2º Que a assembleia louva e agradece a atividade de Sua Majestade Imperial, que lhe abriu o caminho às reformas precisas e facilitou assim os trabalhos da assembleia.
3º A assembleia reconhece mais na falta de Sua Majestade Imperial os sentimentos de verdadeira constitucionalidade, e os princípios de genuína liberdade a que aspira. — Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado. — Foi remetido à mesa.
O Sr. secretário França. — Eu creio que deve entrar em discussão o discurso de Sua Majestade antes de se tratar deste voto de graças; parece-me que assim tinha decidido a assembleia.
O Sr. Andrada Machado. — Julgo que o ilustre preopinante se engana, pois seria um absurdo de que Deus nos livre, entrar o discurso em discussão; ele só entra indiretamente pelo voto de graças, no qual se marcam os sentimentos exprimidos no discurso, para que a assembleia ajuíze deles, e decida se tem ou não lugar os agradecimentos; mas a fala nunca é distintamente objeto de exame; ou a assembleia reconheça nela sentimentos constitucionais, ou os não reconheça, sempre o seu juízo se forma sobre o voto de graças, e por este modo se dizem as verdades todas.
— Terminada esta breve discussão, decidiu-se que ficasse para segunda leitura no dia seguinte.
Na sessão de 6, passando-se à ordem do dia, e entrando em discussão, depois de lido, o voto de graças proposto na sessão antecedente pelo Sr. Andrada Machado, falou o Sr. Andrade Lima propondo que no voto de graças se declare o seguinte:
“A assembleia se persuade não poder deixar de fazer uma constituição digna do Imperante e do Brasil, por assim confiar dos seus sentimentos nobres e patrióticos.”
Falaram ainda os Srs. Andrada Machado, Muniz Tavares, Dias, Maia, Acioli, Ribeiro de Andrada, Rodrigues de Carvalho, Carneiro da Cunha e Veloso de Oliveira.
Dando-se a matéria por discutida suficientemente passou-se à votação e foi aprovado o art. 19.
O Sr. Câmara propôs que no segundo artigo às palavras louva e agradece se substituísse a palavra reconhece; por se compreender nesta só a significação das duas; depois de breve debate foi aprovada a emenda na forma seguinte — reconhece, louva e agradece.
Passando-se à emenda do Sr. Andrade Lima, falaram os Srs. Muniz Tavares e Andrada Machado, vencendo-se por fim que a emenda passasse concebida nos seguintes termos:
“A assembleia confia que fará uma constituição digna da nação brasileira, digna de si mesma, e do Imperador.”
O resto da proposta foi aprovado sem alteração alguma.
No dia 9 de maio o Sr. Andrada Machado como orador da deputação, incumbida de levar a Sua Majestade Imperial o voto de graças da assembleia pela fala que dirigira à mesma assembleia no dia de sua instalação, leu o seguinte discurso perante Sua Majestade no paço da cidade:
Senhor. — A deputação, a que pertenço, órgão da assembleia geral constituinte, é com o maior prazer, que vem apresentar a Vossa Majestade Imperial as resoluções da mesma assembleia, e os seus puros votos de agradecimento. Senhor, nunca foi Vossa Majestade Imperial, nunca poderá ser maior, do que no dia memorando de 3 do presente mês, quando no meio dos anciãos da pátria, animado dos mesmos sentimentos de ternura, e afinco ao Brasil, de amor da ordem, e da liberdade genuína, augurou a nós, e a nossa posteridade o esperançoso prospecto da geral prosperidade, que, graças à providência, desponta radiante, torneada pela paz, concórdia e fraternal união, e extreme das densas nuvens das desavenças civis. Insensíveis seríamos nós ao grito das nossas consciências, e cegos à luz da verdade se desconhecêssemos o desinteresse, a generosidade, e a grandeza d’alma de Vossa Majestade Imperial, os seus paternais desvelos pelo adiantamento da nossa comum pátria, mesmo no silêncio de todas as instituições liberais, no torpor de todas as autoridades. Insensatos e injustamente prevenidos, nos mostraríamos, se não descortinássemos nas francas, e leais expressões de Vossa Majestade Imperial os sentimentos de verdadeira constitucionalidade, e o espírito, não dessa liberdade espúria, ou antes licença, que marcha sempre ataviada com as roupas ensanguentadas da discórdia, mas sim da verdadeira liberdade, filha de uma regeneração, que pesa com prudência o bem, e o mal das inovações políticas, que não sacrifica a geração presente à futura e menos abandona o interesse real do indivíduo, que sente ao pressuposto de coleções metafísicas, que estão fora da esfera das sensações. Como não se penetraria de respeito, como se não encheria de ternura a assembleia dos pais da pátria à vista de um jovem Príncipe, que voluntariamente provocou a reunião de uma assembleia, que deve dividir, e diminuir o poder, que indiviso, e em toda a sua totalidade possuíam de fato os seus predecessores? Muito seria isto para qualquer Príncipe, pouco é para Vossa Majestade Imperial, cuja conduta magnânima nos tem acostumado a maravilhas. Conheceu Vossa Majestade Imperial, e conheceu rapidamente, que a grandeza do poder gera de necessidade o abuso, que a fraqueza humana impede o pontual desempenho de atribuições exageradas; daí o desgoverno, daí a opressão do povo, cujas carnes maceradas pream vorazes corvos sociais, zangões políticos, agentes corrompidos, e inertes áulicos. Conheceu mais Vossa Majestade Imperial que a justiça é a primeira das virtudes, e na qual se encerram todos, e que a sua prática é sempre útil ao que a exerce; viu que restituir à nação o que lhe deve pertencer na organização social, era consolidar, e melhor segurar os direitos essenciais ao monarca, direitos sem cuja existência não pode haver verdadeiro conceito de monarquia. Depois deste sem-par esforço de sabedoria e generosidade menos pesam na minha balança, conquanto muito devam pesar, o trabalho e assiduidade incansável, com que Vossa Majestade Imperial tem atendido a concertar, e fazer continuar o harmônico andamento, ainda das mais pequenas rodagens da complicada máquina do Estado. Mas a admiração, como tudo que é humano, tem o seu máximo; o qual uma vez tocado, segue-se a gradual declinação do sentimento, quando a novidade o não refresca.
Foi este o efeito que produziram na assembleia os nobres sentimentos de civismo, e verdadeira liberalidade com que Vossa Majestade Imperial salpicou a sua graciosa fala, que rociando-nos, como o orvalho da manhã, excitaram de novo a marucente admiração. Uma só corda, Senhor, que podia parecer discorde no bem ordenado concerto, mas que sem dúvida devia de contribuir para o geral efeito da harmonia, feriu os nossos ouvidos. Seria possível que desconfiasse Vossa Majestade Imperial que a assembleia brasiliense fosse capaz de fazer uma constituição menos digna da nação e de Vossa Majestade Imperial? Não, Senhor, semelhante suspeita não seria consoante com o geral teor de confiança, que respira todo o discurso de Vossa Majestade Imperial. Vossa Majestade Imperial está com razão, seguro, e deve estar, que a assembleia brasiliense não se deixará deslumbrar pelos fogos fátuos de teorias impraticáveis, criação de imaginações escaldadas; antes pelo contrário guiada pelo farol da experiência, a única mestra em política, acomodará com discernimento as novas instituições à matéria, que é dada, e que não está no seu poder mudar; ela conhece que de outra arte perderá as despesas do plantio, e a nova planta definhará à vista de olhos, e por fim acabará por não poder apropriar para nutrir-se sucos heterogêneos ministrados por um solo inimigo. A assembleia nem trairá os seus comitentes, oferecendo os direitos da nação em baixo holocausto ante o trono de Vossa Majestade Imperial, que não deseja, e a quem mesmo não convém tão degradante sacrifício, nem terá o ardimento de invadir as prerrogativas da coroa, que a razão aponta como complemento do ideal da monarquia; a assembleia não ignora, que elas quando se conservam nas raias próprias são a mais eficaz defesa dos direitos do cidadão, e o maior obstáculo à irrupção da tirania, de qualquer denominação que seja. Estes são, Senhor, os sentimentos da assembleia, conteúdos nas resoluções, que a deputação tem a honra de pôr na presença de Vossa Majestade Imperial, as quais não tenho feito mais do que parafrasear. Nestes sentimentos permanecerá inabalável, e com a sua inspiração, e guiada pelos ditames da mais circunspecta prudência marchará na sua espinhosa carreira, esperando, que a feitura sua lhe dê honra, e seja digna do brioso povo brasiliense, e de Vossa Majestade Imperial seu ilustre chefe.
Resposta de sua majestade à deputação da assembleia constituinte que, em 9 de maio, apresentou-lhe o voto de graças.
Eu me lisonjeio muito vendo que os serviços que prestei em benefício da nossa cara pátria são louvados pela nação representada na assembleia geral constituinte, e legislativa deste Império: dou-me por bem pago, e a não me faltarem as forças hei de continuar a prestá-los a fim de desempenhar o honroso título de Defensor Perpétuo do Brasil; e de mostrar sempre a par deles a minha constitucionalidade. Igualmente agradeço sobremaneira à assembleia a deliberação em que está de fazer uma constituição digna de mim, digna de si, e digna da nação brasileira, que tão credora é de receber em prêmio do seu brio, valor, e generosidade uma constituição que lhe assegure aquela — justa liberdade — que é a única, que lhe pode acarretar louvores, conciliar amigos, e cobri-la de felicidades [4].
A assembleia declarou que esta resposta era recebida com muito especial agrados [5].
Notas
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↑ — Esta resposta foi dada em virtude de deliberação tomada na sessão de 2 de maio, resolvendo-se então que a mesma resposta “fosse concebida em termos vagos e gerais, que não empecessem o conceito que depois houvesse de formar a assembleia sobre o discurso do Imperador.”
A referida praxe porém não foi continuada, depois disso, em nosso parlamento. -
↑ — O cerimonial havia sido adotado na sessão de 30 de abril, nos seguintes termos:
1º Que o Imperador deponha a coroa e o cetro ao entrar da porta do salão da assembleia, e que estas insígnias sejam depositadas em uma credência ao lado do trono.
2º Que os ministros de estado façam parte de seu cortejo, não como “oficiais de sua casa, mas sim como grandes ministros do poder executivo, e que por esta atenção se lhes deem também assentos em cadeiras rasas, entretanto que todos os oficiais-mores que compõem o mesmo cortejo ficam de pé”. -
↑ — A abertura da assembleia constituinte teve lugar no edifício em que atualmente funciona a câmara dos Srs. deputados.
O dia 3 de maio para a dita abertura foi fixado pela mesma assembleia na sessão de 30 de abril.
O decreto de sua convocação, referendado por José Bonifácio de Andrada e Silva, tem a data de 3 de junho de 1822, e foi expedido à vista da representação dos procuradores gerais de algumas províncias do Brasil, da de diferentes câmaras e povo de outras; sendo as eleições dos deputados feitas na forma das instruções de 19 de junho do dito ano. Posteriormente o decreto de 14 de abril de 1823 designou o dia 17 seguinte para a reunião da 1ª sessão preparatória. - ↑ — Todo este resumo é extraído das respectivas atas, e do Diário da Constituinte de que foram redatores os deputados Cândido José de Araújo Viana (hoje Visconde de Sapucaí, e senador do império). Antônio Gonçalves Gomide, e João Antônio Rodrigues de Carvalho, já falecidos, e que também foram senadores.
- ↑ — O texto desta resposta ficou desde então admitido para os casos análogos.
Fonte
- Ministério da Educação e Cultura. Falas do Trono: Desde o ano de 1823 até o ano de 1889. Coligidas na Secretaria da Câmara dos Deputados; Prefácio de Pedro Calmon. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1977. 544 p. (Acompanhadas dos respectivos votos de graça da Câmara Temporária).
Imagem destacada
- Antiga Cadeia Velha, onde funcionou a Câmara dos Deputados até a construção do Palácio Tiradentes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB- Volume 272 – Julho-Setembro – 1966.
Veja também
- 3 de maio de 1823 – Abertura da Assembléia Constituinte e Legislativa, por Maria Graham
- A Assembleia Constituinte e a Carta Constitucional do Império, por Max Fleiuss
- 3 de Maio de 1823, por Vieira Fazenda
Mapa (Monumento e Palácio Tiradentes no local da antiga Cadeia Velha, onde funcionou a Câmara dos Deputados)