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A Praça do Comércio, por Augusto Maurício

Casa França Brasil no prédio projetado por Grandjean de Montigny para sediar a Praça do Comércio
Casa França Brasil no prédio projetado por Grandjean de Montigny para sediar a Praça do Comércio

No dia 26 de março de 1816 aportava ao Rio de Janeiro o brigue Calpe, trazendo a bordo a missão artística francesa, contratada pelo Conde da Barca (D. Antônio de Araújo de Azevedo), Ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, que chefiava também, em caráter provisório, as pastas da Guerra e dos Estrangeiros, no governo de D. João VI. O contrato fora firmado em Paris, por intermédio do Marquês de Marialva (D. Pedro José Joaquim Vito de Meneses Coutinho), Embaixador de Portugal junto à corte de Luís XVIII.

Partira do Havre a missão, a 16 de janeiro, e trazia como seu chefe Joachim Lebreton, consagrado escritor e tribuno afamado. Em sua companhia vinham os artistas: Jean-Baptiste Debret, pintor de motivos históricos; Auguste Marie Taunay, escultor; Charles-Simon Pradier, gravador; Nicolas-Antoine Taunay, paisagista; François Ovide, mecânico; Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny, arquiteto; e mais, como assistentes, Charles-Henri Lavasseur, François Bonrepos, Louis Symphorien Meunié e Pierre Dillon.

A cultura artística no Rio de Janeiro, àquele tempo algo embotada, carecia de desenvolvimento, embora vários governadores procurassem despertar o gosto dos então fluminenses para as artes em geral. Esse nobre intento era conseguido com facilidade, e até com espontaneidade, pois eram manifestos o entusiasmo e o pendor da nossa gente para qualquer gênero de concepção artística. Havia já nomes respeitáveis, que se impunham ao conceito dos maiores mestres. Contudo, fazia-se necessário trazer para o Rio de Janeiro uma força nova, uma ideia diferente, fundar uma escola de arte com âmbito mais amplo, para imprimir – principalmente no tocante ao urbanismo e edificações ela cidade, quase todas de linhas barrocas – um estilo mais elegante e condizente com o progresso universal.

Foi com esse patriótico objetivo que D. João VI mandou vir da França aquele punhado de homens, cujos méritos eram celebrados em toda a Europa. Vinham para dar um pouco do seu espírito artístico, do seu talento realizador, em benefício da beleza da cidade que, desde 7 de março de 1808, se transformara em sede do Governo do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, por motivo da invasão de Portugal pelas forças de Napoleão.

Chegada ao Rio de Janeiro, a Missão Francesa imediatamente se dispôs a cumprir seu contrato. Fundada a Academia das Belas-Artes, uma multidão de alunos logo acorreu à matrícula. O plano de arquitetura de Grandjean de Montigny era vasto, a começar pela edificação da própria escola (situada na Travessa que tomou o nome de Belas-Artes, olhando para a atual Praça Tiradentes através da Rua Imperatriz Leopoldina). O prédio, de estilo neoclássico, preferido pelo artista, serviu durante muito tempo à sua finalidade, até que, após a abertura da Avenida Rio Branco pelo Prefeito Francisco Pereira Passos, a escola se transferiu para essa artéria. Instalou-se no edifício o Ministério da Fazenda, que ali esteve até que se mudou para a Esplanada do Castelo, sendo, então, demolido o prédio.

Entre as construções de Grandjean de Montigny, destaca-se o velho prédio da atual Rua Visconde de Itaboraí, que serviu à Alfândega do Rio de Janeiro até o ano de 1946. Foi levantado para ser a “Praça do Comércio”, local em que se reuniam os comerciantes da cidade para realizarem seus negócios. O terreno foi cedido pelo Governo para tal fim.

Grandjean de Montigny executou com tal sabedoria e tal gosto o projeto que suscitou grande entusiasmo na população, e até no espírito do rei. Era, de fato, suntuoso. Segundo Adolfo Morales de los Rios Filho, a quem pedimos vênia para transcrever trechos de sua magnífica obra a respeito do assunto:

O projeto representa um edifício de um pavimento, com um corpo central e dois laterais. O primeiro tinha três portas, e os outros três janelas cada um. Todos os vãos eram em arco. O corpo central, mais alto do que os outros, estava constituído assim: do grande patamar, com quatro estátuas pedestres em tamanho natural, representando o Comércio, a Navegação, a Indústria e a Agricultura; das portas de acesso ao edifício, de um friso bem largo, sobre o qual estava escrito – JOANNE SEXTO REGNANTE, ANNO MDCCCXX; de alta e lisa platibanda, com o dístico “Praça do Comércio”; e finalmente de uma superelevação da fachada, constituída de um frontão reto, com um óculo semicircular para melhor iluminação do interior.

Iniciado o trabalho em 11 de junho de 1819, antes de um ano estava completado.

Concluído o prédio, a sua inauguração revestiu-se da maior solenidade, a ela comparecendo as figuras da maior projeção na sociedade, na administração pública, ministros de Estado e o próprio soberano. Esta cerimônia realizou-se a 13 de maio de 1820, justamente na data natalícia do monarca. Diz Moreira de Azevedo que: – “Querendo o Rei D. João VI tributar uma homenagem ao grande arquiteto autor de tão bela obra, no dia em que foi inaugurada, permitiu ao artista sentar-se em sua presença e deu-lhe o hábito de Cristo. Esta condecoração recebida das mãos régias e obtida pela arte, conservou-a Grandjean sempre pregada no peito da casaca.”

Instalou-se, assim, em 1820, a primeira “Praça do Comércio” no Rio de Janeiro. Todavia, a sua permanência no prédio de Grandjean teve duração efêmera, pois logo no ano seguinte (1821) grandes distúrbios ali ocorreram, quando da eleição de deputados brasileiros às Cortes portuguesas, e os negociantes, com manifestação de desagrado, abandonaram aquele recinto. O Governo, então, resolveu intervir, instalando nele a Inspetoria da Alfândega. Em seguida o próprio Grandjean de Montigny executou outro projeto para a segunda Praça do Comércio, que foi levantada na então Rua Direita (hoje 1.º de Março), no local onde ora se encontra o Banco do Brasil.

O prédio da antiga Alfândega – embora já sem as estátuas e um tanto deturpado em suas linhas originais – é propriedade nacional e está tombado no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Fonte

  • Ferreira, Augusto Maurício de Queiroz Meu Velho Rio. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, Secretaria Geral de Educação e Cultura, 1966. 218 p. (Coleção Cidade do Rio de Janeiro, 10).

Veja também

Mapa - CCBB e Casa França Brasil