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Dom Pedro I, Imperador do Brasil, por Sébastien Auguste Sisson

Dom Pedro IV de Portugal (Dom Pedro I do Brasil). Acervo do Museu Histórico Nacional.
Dom Pedro IV de Portugal (Dom Pedro I do Brasil). Acervo do Museu Histórico Nacional.

Dom Pedro I, fundador da monarquia brasileira, é uma dessas personagens que oferece ao filósofo e ao político, a par dos mais subidos títulos à admiração, mais amplo assunto de estudo. O biógrafo não é historiador; se pode indicar algumas observações, não deve demorar-se nelas, nem mesmo completá-las, cumpre que elas saiam de si mesmas, das circunstâncias da vida que narra, dos acontecimentos em que seu herói achou-se envolto como personagem capital: a nossa tarefa é, pois, limitada, e ainda bem; que, se fosse tão extensa quanto poderia o leitor esperar, declinaríamos a nossa competência para desempenhá-la.

Segundo filho varão do príncipe Dom João e de Dona Carlota Joaquina, princesa espanhola, Dom Pedro nasceu em 12 de outubro de 1798. Na corte paterna a educação do jovem príncipe, como a de seus irmãos, foi um tanto descuidada; era esse o costume da corte portuguesa, e ainda mais o devia ser com o caráter da princesa-mãe e do príncipe regente. Arredado dos negócios públicos, cujo tirocínio constitui uma das máximas vantagens da realeza, excluído de todo estudo sério, se Pedro I foi o que vimos, deveu-o a uma natureza exuberante que o dotara das mais apreciáveis qualidades do homem e do estadista.

Chamado bem cedo ao poder em circunstâncias de máxima gravidade, completou ele por si mesmo seus estudos, e de sua bela alma recebeu a educação de estadista.

Obrigada a corte portuguesa a retirar-se para seus domínios transatlânticos, não só para malograr a conquista francesa, como para entregar aos ingleses Portugal, seu território, seus recursos e seus braços que eles organizassem para a luta europeia contra Napoleão, Dom Pedro ainda menino veio para o nosso Rio de Janeiro. Não surpreende pois o amor que nos tinha; que, de tão menino criado entre nós, necessariamente seria nosso.

A pátria não é tanto o lugar em que nascemos como aquele a que nós homens prendemos as nossas doces recordações de infância, de mocidade, aquele cujas auras benfazejas nos embalaram nesses dias em que o ente humano, para crescer, para desenvolver-se, tão completamente se assenhoreia dos elementos vitais que o cercam, a si os assimila, com eles cresce e se desenvolve. Nascido em Londres, só até os dez anos Dom Pedro respirou os ares europeus; menino e moço foi brasileiro, ao Brasil devia amar com instinto, com o zelo, com o ciúme do amor da pátria.

A morte, ferindo o primogênito de Dom João (sina fatal dos primogênitos de Bragança), aproximou do trono o jovem príncipe.

O movimento constitucional de 1820, essencialmente dominado pelo exército em que a França vencida havia inoculado o germe de suas ideias, abalou Portugal e Brasil: a corte teve de ir para Lisboa; os sonhos de um grande império luso-brasileiro tornaram-se impossíveis: a corte em Lisboa não nos podia dar senão a antiga condição de colônia, e o Brasil estava tão adiantado, tinha tanta consciência de si, que não podia resignar-se a essa miserável condição.

Fácil era prevê-lo, e Dom João, saindo do Brasil, levando consigo a corte portuguesa, pôde ver o futuro, e convenientemente providenciá-lo. Seu filho Dom Pedro, seu primogênito, o herdeiro de sua monarquia, foi deixado entre nós com o título de regente.

Dom Pedro já estava nas afeições populares: os seus modos francos e abertos, algumas anedotas que dele corriam, em que a agudeza do espírito e a bondade do coração transluziam, até o contraste do que se sabia de seu caráter e do caráter de seu irmão, a parte que tivera na aceitação da Constituição proclamada em 1821; tudo lhe granjeava as simpatias populares.

Mais do que tudo, ainda concorriam as virtudes da princesa austríaca com quem em 1818 havia ele unido a sua sorte.

A princesa Dona Maria Leopoldina apresentava aos brasileiros o tipo dessas virtudes domésticas que tão preciosas lhes eram e ainda hoje lhes são: nos corações de todos já havia lançado raízes essa afeição vivaz que acompanhou-a até o túmulo, que ainda hoje, tantos anos depois da sua morte, ainda hoje faz lembrado com amor o seu nome por nossos pais, por todos quantos a conheceram e que ainda vivem para nos contar as suas virtudes.

O príncipe deixado para regente do Brasil era em tudo apropriado à missão a que o chamava a Providência, e que já então podia ser prevista. Os brasileiros desde logo se lhe uniram, fizeram conta dele em todos os cálculos de futuro a que se entregava o patriotismo. Em breve a ação das cortes portuguesas, os seus esforços para reduzir o Brasil à posição em que tinha jazido antes de 1808, e ainda mais para quebrar a unidade brasileira, foram despertando zelos e ciúmes; a ação patriótica de sociedades secretas se fazia sentir em todas as manifestações exteriores, concentrando o esforço e os votos nacionais para resistir ao fatal regresso contra nós planejado.

Não pretendemos escrever a história dessa bela época de tanta glória, de tanta ufania para o nome brasileiro e para o príncipe que se colocou à frente do Brasil; somente, pois, indicaremos datas.

Em 9 de janeiro de 1822, ao decreto das Cortes portuguesas que queriam arredar de entre nós o príncipe regente, e assim estrear a reconquista da colônia, respondia a câmara municipal do Rio de Janeiro representando em nome dos povos das cidades do Brasil inteiro, e pedindo ao príncipe que desobedecesse e a par do título de regente recebesse para si e para seu primogênito o título de defensor perpétuo do Brasil; e o príncipe, reconhecendo que nisso ia o bem de todos, mandava dizer ao povo que ficava.

Cumpria dar simultaneidade ao movimento nas províncias; apareciam alguns embaraços, alguns empuxamentos de vontades rivais, o príncipe teve de ir com a sua presença pôr termo ao desenvolvimento desses germes de que poderiam sair a guerra civil e a ruína do país. Minas e São Paulo o viram, e em 7 de setembro de 1822 o Ipiranga ouvia sair dos lábios do herdeiro da coroa luso-brasileira, e achar em todas as bocas, em todos os corações um eco simultâneo, a palavra fatídica – Independência.

Não bastasse porém aclamá-la, cumpria realizá-la. Em algumas províncias do Brasil havia tropas portuguesas, comandadas por distintos chefes adesos às Cortes de Lisboa, cumpria obrigá-las a sair ou sem luta, ou vencidas; ora, não tínhamos exército nem marinha, nem governo, nem administração, nem fisco: tínhamos só patriotismo e à frente dele o defensor perpétuo que em 12 de outubro do mesmo ano, no vigésimo terceiro aniversário de seu nascimento, aclamávamos imperador constitucional, que heroico de abnegação havia-nos dito: “De Portugal nada, nada, não queremos nada”.

A tudo bastou esse patriotismo e a devoção do príncipe à causa que abraçara: o Império saiu inteiro, com todas as suas províncias, dessa grandiosa revolução; apenas algum tributo de sangue generoso tivemos de pagar por esse imenso resultado.

Infelizmente não foram fáceis, tampouco duradouras, nem tampouco dispendiosas as lutas da organização interior do recente Império. O trabalho confiado ao gênio do senhor Dom Pedro era duplo: cumpria-lhe – 1º firmar a independência, organizar a nação separada da velha nação portuguesa; 2º organizar nessa nação cujas tradições se prendiam ao regime colonial, ao despotismo dos vice-reis e dos governadores locais, e posteriormente ao absolutismo real, o regime representativo com a sua liberdade de imprensa e de tribuna, com toda a sublime ponderação de elementos de que nem sempre são capazes as nações as mais adiantadas em civilização.

Na primeira parte de sua tarefa Dom Pedro achava o patriotismo unânime, pronto para todos os sacrifícios, concentrado em um fim comum. Assim facilitada, ainda mais se lhe facilitava por ser ele o primogênito de Bragança e herdeiro presuntivo da coroa portuguesa; ora, as tropas portuguesas, o comércio português, os altos funcionários do país, portugueses, não podiam com muito impulso resistir-lhe, quando mesmo não se prestassem a acompanhá-lo: se havia sacrifício o príncipe dava-lhes o maior dos exemplos que lhes cumpria imitar.

Na obra da organização liberal as dificuldades cresciam: o talento, a boa vontade do príncipe e do povo não bastavam para fazer funcionar a máquina complicadíssima do regime representativo; as paixões suscitadas, preconceitos, rivalidades, os hábitos velhos do absolutismo e as suas instituições em luta com as recentes e exageradas pretensões à liberdade, e com instituições novas, mal compreendidas, mal estudadas nos livros estrangeiros, e que cumpria transplantar; tudo isso constituía dificuldades tão momentosas que de sobejo explicam todos os desastres do primeiro reinado e da menoridade que se lhe seguiu.

Bendigamos a Providência, bendigamos o príncipe, bendigamos o patriotismo de nossos pais, a quem devemos não haver a nação naufragado nessa empresa em que todas as recentes nações nossas conterrâneas, menos uma, têm naufragado!

Para dar uma constituição aos povos, condição anexa à sua aclamação em 12 de outubro e à sua sagração em 1º de dezembro de 1822, o Imperador convocou uma constituinte.

A experiência de todos os povos nos diz o que é uma constituinte, qual a sorte efêmera das constituições que saem, se algumas conseguem sair, das suas apaixonadas discussões.

A constituinte brasileira não podia escapar a esta sina. Como lhe escaparia? A nação tinha nela reunido todos os mais distintos patriotas da independência, os mais distintos de seus literatos: entre eles porém nem um homem prático aparecia. Em geral os nossos literatos, formados desde a infância nos estudos clássicos, eram cidadãos entusiastas da velha Grécia, da prisca Roma; suas ideias políticas não iam além das virtudes dos heróis de Plutarco: os mais lidos tinham algum conhecimento das obras da escola liberal francesa, dos grandes dogmas apregoados pela revolução de 1789: nisso ficavam.

Sobre eles atuava uma opinião fogosa, da mesma ilustração, bebida nas mesmas fontes… A imprensa livre a fomentava, e infelizmente se comprometia nas paixões da independência, nas rivalidades do nascimento.

Desse caos ia nascendo o que dele podia nascer – a anarquia. Dom Pedro I o fez cessar. A Assembleia Constituinte foi dissolvida, alguns dos seus mais consideráveis corifeus deportados. Esse golpe de estado, não nos cabe a nós, em uma simples biografia, apreciá-lo, nem examinar que influência teve sobre o primeiro reinado; não nos cabe ver se desse ato não data a declinação da popularidade do príncipe que do apogeu a que havia chegado no grande entusiasmo de 1822, veio ao ponto em que o vimos nos lamentáveis dias de 1830, quando o opróbrio e cálculos negregados… mas deixemos à História o que lhe compete, afastemos os olhos desses dias lamentáveis.

Dom Pedro era profundamente liberal, nenhum príncipe o foi, nenhum o há de ser mais do que ele. Além disso, o instinto do gênio lhe mostrava que o Brasil independente só podia ser governado, no ponto de unidade em que para a sua grandeza cumpria que ficasse, pelo regime liberal.

Aceitando, pois, a fatal necessidade de dissolver a constituinte, como o fez em 4 de novembro de 1824, não queria ele a ditadura senão temporária, e prometeu logo oferecer aos brasileiros uma constituição mais liberal do que a que lhe podia ser dada pela constituinte dissolvida.

E a promessa feita ele a cumpriu: alguns meses depois, a 25 de março de 1825, essa constituição estava oferecida ao país, jurada pelo seu príncipe: era a constituição política ainda hoje aclamada pela gratidão, pelas afeições de todos os brasileiros, e que eternamente o será; pois, além da sabedoria que a ditou, liga-se-lhe para nós a recordação dos imensos benefícios que lhe devemos, sendo o primeiro a conservação da unidade nacional.

Entretanto, a dissolução da constituinte repercutiu fatalmente no país: os espíritos mais ardentes na província de Pernambuco não quiseram aguardar o cumprimento da promessa imperial, e romperam em revolução proclamando a Confederação do Equador. Foi necessário contra a revolta empregar o aparato bélico, e vencida ela recorrer às justiças expeditivas do regime militar.

Ao mesmo tempo sucesso mais fatal se realizava. Última e recente conquista de Portugal na América, Montevidéu com o seu território, com a sua população espanhola, aí estava…

Arrastados pelos acontecimentos, ainda não calculamos quanto custa ao Brasil esse legado fatal a que oportunamente não soubemos renunciar. Não falamos no sangue brasileiro derramado, não nas nossas finanças pauperadas e estragadas, falamos simplesmente na perda da força moral, do prestígio majestático, no alimento, enfim, dado a partidos prestes a transformarem-se em facções, por essa sinistra fatalidade que nos arremessou a nós brasileiros, filhos de portugueses, nas insídias, nas guerras civis, nos desatinos dos filhos dos castelhanos. Conquista recente portuguesa, a colônia espanhola quis ser Brasil, quis figurar décima nona estrela na bandeira nacional: logo porém, com o abalo da dissolução da constituinte, a província Cisplatina desligou-se.

A monarquia brasileira quis reavê-la, e a guerra do Sul, em que nos achamos envoltos com as repúblicas do Prata, começou…

Pouco tempo felizmente durou esse erro da política no Brasil: a paz de 1828 salvando a dignidade nacional, constituiu em república independente da Confederação Argentina, que tanto a cobiçava, essa província que não podia nem devia ser nossa.

No interior, entretanto, os acontecimentos se iam precipitando: em 3 de maio de 1826 Dom Pedro instalava a primeira legislatura do Império; algumas instituições livres se decretavam; a imprensa saía do regime arbitrário para entrar no da repressão legal, as finanças começavam a regularizar-se pela criação da caixa de amortização e pela organização do tesouro; o poder municipal, cujas bases estavam na constituição, recebia o seu desenvolvimento em uma lei orgânica que ainda subsiste, embora de feito e na prática tenha sido alterada.

Mas ao par desse trabalho, inspirado mais pelo patriotismo do que pela ciência, e que devemos admirar como pôde ser feito naqueles dias da nossa infância política, progredia um trabalho funestíssimo na opinião, no espírito público.

Dom João VI, depois de reconhecer a independência do Brasil, e de assim ter consumado o desdobramento do velho reino em duas monarquias separadas profundamente pelo Atlântico quanto pelas rivalidades dos povos, havia falecido. A coroa portuguesa foi deferida ao Imperador do Brasil. O princípio hereditário o chamava ao trono, e todos os amigos da liberdade do progresso em Portugal, conhecendo o espírito liberal do príncipe, a ele aderiu, com tanto maior entusiasmo quanto, se excluído fosse o primogênito de Bragança o trono caberia ao infante Dom Miguel, cujos instintos despóticos eles sabiam apreciar.

A circunstância era grave para o Imperador do Brasil. Unir de novo na sua cabeça as duas coroas era pensamento que nem por um momento podia ocorrer à sua perspicaz generosidade; repelir a coroa, e entregar esses que queriam ser seus súbditos ao poder de Dom Miguel era assumir a responsabilidade de grandes desastres. A posição era, pois, gravíssima, a colisão dos mais apurados: Dom Pedro I teve uma felicíssima inspiração. Essa coroa de Portugal, ele a aceitou e conservou apenas o tempo necessário para dar ao reino uma Constituição libérrima, filha dos mesmos estudos que haviam ditado a Constituição brasileira, e para logo abdicá-la em favor de sua filha primogênita, Dona Maria da Glória, que, nascida em 4 de abril de 1819, quando o Brasil ainda era português, podia reclamar os direitos de neta de Dom João VI.

Para consolidar essa transmissão do poder dinástico, a rainha devia casar-se com seu tio Dom Miguel. Nos espíritos, ainda os mais preocupados de zelos nacionais, esse arranjo não devia ferir suscetibilidade alguma; infelizmente não pôde ele realizar-se.

Dom Miguel havia usurpado o régio poder, e substituído o despotismo à Constituição: os liberais, perseguidos, presos, supliciados, não tinham recurso senão na expatriação. A rainha, a esposa prometida a Dom Miguel, em vez de ir às águas do Tejo, teve de ir às do Tamisa. Aí achou a rainha grande número de emigrados portugueses, seus súditos; Londres era o foco do liberalismo lusitano, e a diplomacia brasileira, nessa delicada conjuntura, não foi tão sabiamente inspirada como havia sido o Imperador brasileiro. Daí complicações que atuaram fatalmente nas insídias e nos preconceitos dos partidos do país.

Entretanto a administração interior ia-se complicando: nas províncias do Norte, depois do abalo da Confederação do Equador, reinava a maior inquietação, e na Bahia aparecia uma sedição, a primeira que se manchou no sangue da principal autoridade da província; seguiram-lhe complicações e abalos devidos à introdução de moeda de cobre falsificada que inundava o mercado e chegava a proporções assustadoras. Dom Pedro compreendeu que uma visita sua àquela província seria de ótimos resultados para acalmar os espíritos, e, logo foi decretada, foi realizada a imperial viagem.

Na guerra da Cisplatina compreendeu igualmente o Imperador que a sua presença no Rio Grande reergueria a força moral do Exército, reorganizaria mais convenientemente a administração militar; logo também partiu para essa remota província.

Nela estava, quando uma fatal mensagem o trouxe apressado à capital: chega, e acha morta em 11 de dezembro de 1826 a sua esposa, a mãe querida de augusta e numerosa prole, a imperatriz amada por todas as famílias brasileiras.

Viúvo Dom Pedro ainda era moço: o ministro brasileiro que acompanhara à Europa a rainha Dona Maria II, levava igualmente missão de tratar do segundo casamento do Imperador.

Com efeito ele o conseguiu, e a princesa Dona Amélia de Leuchtenberg, segunda imperatriz do Brasil, entrou no tálamo imperial em setembro de 1829.

Por este tempo a luta intestina dos partidos, fomentada por tantos incidentes exteriores, tinha chegado ao ponto da maior incandescência: a revolução francesa que excluíra do trono o ramo mais velho da família de Bourbon repercutia no Brasil, fazendo fermentar os princípios revolucionários eivados do republicanismo, e tornados mais intensos pela associação dos escrúpulos de nacionalidade.

A uma Câmara que em luta com o Senado, por amor da inteligência do artigo constitucional que determina a fusão em assembleia geral, ia deixando o governo sem a legalidade do orçamento e da fixação de forças, havia sucedido a agitação das sociedades secretas, a ação subversiva de uma imprensa que punha por diante dos seus votos democráticos a palavra federação, não compreendida, não explicada senão como um eco da Confederação do Equador de 1825.

Na presença desse movimento dos espíritos, Dom Pedro I, antes de ceder-lhe, de por ele pautar o seu procedimento, quis verificar o grau de sua intensidade: partiu, pois, para Minas, província cujos sentimentos monárquicos mais lhe eram recomendados. A difamação, o sarcasmo o acompanharam. E para que tivesse ele prova de quão desafeiçoados lhe estavam os povos, de quão fatalmente se havia desandado dos dias da primeira popularidade de 1822 aos primeiros meses de 1831, o ministro que o acompanhava, sujeito então à reeleição por ter deixado vago na Câmara, ao passar para o Gabinete, o seu assento de deputado, viu-se repelido pelos colégios eleitorais!

De volta ao Rio de Janeiro, aqui chegou em princípio de março. Os festejos com que é acolhido suscitam conflitos sanguinolentos. A revolução progride, precipita-se, até que em 6 de abril acham-se reunidas no campo massas populares que querem impor à coroa as suas desconfianças e em nome delas um Ministério.

Dom Pedro então, em um momento supremo, consultou todo o seu amor ao Brasil, toda a fé que devia ter no grande destino do Império que fundara, toda a grandeza da missão a que o chamara a Providência. Dessa solene deliberação do príncipe com o seu gênio, dessa solene deliberação de que não houve confidente, saiu o ato de abdicação do Império na pessoa do seu filho o Senhor Dom Pedro II, ainda menor, ainda então com cinco anos de idade.

Foi o gênio, desvendando o futuro, quem deu ao Imperador conselho de tanta sabedoria.

Viu ele que o amor dos brasileiros desvairados pelas paixões do momento, pelo trabalho incessante do espírito das revoluções, se então o repelia, cedo voltar-lhe-ia: viu que um como interregno da realeza salvá-la-ia, que as lições da menoridade aproveitariam ao novo reinado, que nesse intervalo as paixões, as preocupações teriam tempo de acalmar-se, de esclarecer-se; e que, pois, cumpria que nos fosse deixado um trono, mas um trono não exposto aos embates da tormenta: um berço. Ainda nesse momento supremo de divórcio, o Imperador tanto amou o Brasil que lhe deixou a garantia do futuro: em tanto apreciou a nobre lealdade nacional, e no dia mesmo do tresvario não duvidou deixar-lhe confiada toda essa família de príncipes do seu sangue que perpetuassem a dinastia brasileira.

Daqui partiu a bordo de um navio inglês a 13 de abril; partiu com sua esposa, com sua filha primogênita, para quem ia reconquistar o trono português.

Chegando à Europa, tutor de sua filha a rainha Dona Maria II, deu ele um centro de ação ao liberalismo português, pôde conseguir da França e da Inglaterra esse tratado da quádrupla aliança, que lhe dava, contra a usurpação do absolutismo, a força moral das duas grandes nações ocidentais.

Em princípio de 1833 ei-lo já Dom Pedro IV, não mais Dom Pedro I, desembarcando em Mindelo à frente de um pugilo de bravos que vão libertar a pátria.

Sempre a par de sua posição, agora que carecia das virtudes do guerreiro, da ciência dos cercos e das batalhas, ele as acha embora nunca as houvesse estudado, nunca exercitado, ele as acha na fecunda inspiração do gênio, e em breve a sua mão vencedora assina o tratado de Torres Vedras que põe termo à usurpação e ao absolutismo nas terras de Portugal.

Então, a grande missão do príncipe está completa; sua dinastia ocupa dois tronos; nenhuma glória mais pode vir a seu nome: cumpre que se retire da Terra, que vá esquecer na mansão dos justos as injustiças e as ingratidões dos homens, que vá enfim descansar na paz do túmulo o corpo alquebrado de tantas fadigas, magoado de tão ingentes lutas. Em 24 de setembro de 1834 viu Lisboa, coberta de luto, finar-se esse, o maior dos Braganças, ainda na flor da idade, mas já velho de lidas e de glória.

Na história de dois povos, nos fatos de duas nações, nascida uma, outra restaurada para a liberdade, deixou ele o grande nome de libertador a grande recordação das mais nobres virtudes políticas.

Fonte

  • Sisson, Sébastien Auguste. Galeria dos Brasileiros Ilustres. Brasília: Senado Federal, 1999. Coleção Brasil 500 anos.

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