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Luiz Gonçalves dos Santos (Padre Perereca), por Noronha Santos

Luiz Gonçalves dos Santos, filho de José Gonçalves dos Santos, natural do Porto, e de Rosa Maria de Jesus, brasileira, do Rio de Janeiro, nasceu na cidade de São Sebastião a 25 de abril de 1767. Batizou-se a 6 de maio deste ano na igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, então catedral do bispado – como se verifica do livro 11.º de batismos de pessoas livres, existentes no arquivo da Câmara Eclesiástica.

Seu progenitor exercia o ofício de ourives de prata, distinguindo-se também como ensaiador de peças de ouro. Em 1781, manteve acirrada demanda com os vendedores de peças de ouro e prata-lavrada.

Arruinou-se na profissão e retirou-se, cheio de dissabores, para pequena situação agrícola em Suruí, no recôncavo da Capitania do Rio.

Aos sete anos de idade matriculou-se Luiz Gonçalves dos Santos na escola de primeiras letras do mestre José Pinto – e “tão rápidos foram seus progressos nos estudos – diz-nos o cônego Fernandes Pinheiro (16), que, ao cabo de cinco anos, dava-lhe o austero e escrupuloso professor Jorge Furtado de Mendonça (17), valioso atestado para passar a estudos superiores”.

Em 1782 matriculou-se no curso de filosofia, que professava no convento de Santo Antônio o erudito padre-mestre frei Antônio de Santa Úrsula Rodovalho (18), cujas aulas frequentou durante três anos, consagrando mais um ao estudo de teologia dogmática.

Ainda não completara dezenove anos, quando se alistou entre os discípulos do professor de grego João Marques Pinto (19), sendo elos mais assíduos alunos às aulas, apesar do estado de saúde precário. Tanta paixão revelou Luiz Gonçalves dos Santos pela língua de Homero, que, antes de três anos, pôde ler correntemente as obras dos padres da igreja grega. Traduziu, com aplauso de seu mestre e admiração dos colegas, as orações de Esquinas e Demostenes.

Marques Pinto dizia que jamais sentira tanta satisfação no magistério, qual a de verificar o aproveitamento e a inteligência do jovem Luiz Gonçalves.

Aluno da aula de retórica, poética e geografia, de Manuel Inácio da Silva Alvarenga (20), confiou-lhe por vezes o mestre a tarefa de expor as doutrinas de Quintiliano.

Em 1789 frequentou o curso de filosofia racional e moral do professor Agostinho Correa da Silva Goulão (21), a quem, substituiu, mais tarde, na cadeira régia.

Recebeu em 1794 ordens sacras e decorridos dois anos ascendeu ao presbiterado – cantando a primeira missa no dia do Espírito Santo.

Sua ilustração e exemplar conduta fizeram com que o bispo diocesano Dom José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco o escolhesse para exercer o cargo de professor do Seminário da Lapa.

Por morte de Manuel Felício da Rocha, foi nomeado por carta régia de 5 de junho de 1809, professor de gramática latina, empossando-se pouco depois no Senado da Câmara, como se vê do registo publicado no Arquivo do Distrito Federal (vol. 3 – pág. 42). Aposentou-se em 1825 por motivo da surdez que o impossibilitava de exercer o magistério.

Cônego prebendado, por carta imperial de 4 de novembro de 1839 e provisão episcopal de 8, empossado a 9 do mesmo mês e ano, exerceu essas funções até o seu falecimento.

Nesse ano ingressou no Instituto Histórico e Geográfico, como sócio honorário.

Luiz Gonçalves dos Santos era de baixa estatura; rosto comprido, lábios grandes, nariz grosso, testa larga e cabelos finos, branqueados pela neve dos anos.

De compleição franzina, muito magro, tendo olhos grandes e brilhantes, aliava a estes traços corporais uma voz fina e estridente, de forma a torná-lo à primeira vista antipático no convívio social. Por tudo isso, que exteriorizava fealdade não comum, deram-lhe a alcunha de – Perereca – pela qual foi geralmente conhecido. E com esse qualificativo depreciável, todos o recordam em nossa época.

Faleceu a 1 de dezembro de 1844, às 2 horas da tarde, com 77 anos de idade, sendo sepultado no dia seguinte em catacumba da igreja de São Pedro, – para cuja irmandade entrara a 6 de maio de 1795 e onde exercera o cargo de tesoureiro dos clérigos pobres (22).

Junto à catacumba, orou o cônego Januário da Cunha Barbosa, 1º secretário perpétuo do Instituto Histórico (23), recordando a obra do historiador e do sacerdote.

Notas

  1. Estudo Biográfico – pelo cônego Dr. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro: Rev. do Inst. Hist. Bras. – tomo XXV (1862) – pág. 163.
  2. Professor de aula régia e antigo morador da Rua do Sabão – como se vê do Almanaque da Cidade do Rio de Janeiro para 1792: “Anais da Bibl. Nac.” – vol. LIX – pág. 277.
  3. Religioso do convento de São Francisco, em São Paulo, e notável pregador. Faleceu no Rio de Janeiro a 2 de dezembro de 1817.
  4. Funcionava a escola na Rua do Rosário. Com Manuel Inácio da Silva Alvarenga, dirigiu, em 1787, uma carta à rainha D. Maria I acerca dos estudos régios na cidade do Rio de Janeiro: Rev. do Inst. Hist. – tomo LXV – pág. 216.
  5. Poeta lírico e membro da Arcádia Ultramarina. Denunciado em 1794, foi preso por ordem do vice-rei conde de Resende e posto a ferros na fortaleza da Conceição. Faleceu a 1 de novembro de 1814. Além da biografia escrita pelo cônego Januário da Cunha Barbosa (Rev. do Inst. Hist. – tomo III – pág. 338) publicou Joaquim Norberto excelente notícia, sobre o poeta e sua obra.
  6. Filho de Manuel Correa da Silva, nasceu em Inhomerim e diplomou-se em filosofia pela Universidade de Coimbra em 1775. Advogado com grande clientela, foi eleito deputado à Constituinte do Império, representando a província do Rio de Janeiro. Não tomou assento na Assembleia, esclarece-nos Rio Branco, numa das anotações à História da Independência, de Varnhagen.
  7. A instâncias do sargento-mor Alexandre Dias de Resende, seu amigo pessoal, entrou para a irmandade do Príncipe dos Apóstolos.
  8. Rev. do Inst. Hist. Bras. – tomo VI (1844) – pág. 514.

Fonte

  • Anotação de Noronha Santos na introdução do livro Memórias para Servir à História do Reino do Brasil