Tiradentes na Inconfidência. Traição de Silvério dos Reis. Prisão dos conjurados, execução de Tiradentes no Rio de Janeiro e degredo dos corréus
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O surto nativista da Inconfidência Mineira em 1789 teve por figura central e seu protomártir o alferes do regimento de dragões da capitania das Minas Gerais Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, e, em segundo plano, os poetas Ignácio José de Alvarenga Peixoto, Thomaz Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, além de José Álvares Maciel e o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, do regimento dos dragões, cunhado deste último, coronel Domingos de Abreu Vieira, compadre e amigo de Tiradentes; padre Carlos Corrêa de Toledo e Mello, vigário de São José; sargento-mor Luiz Vaz de Toledo Pisa, irmão deste último; sargento-mor José Joaquim da Rocha, os dois José Resende Costa, pai e filho, Domingos Vidal Barbosa e outros.
O coronel Joaquim Silvério dos Reis foi o delator da conspiração (15 de Março de 1789), que teve outros espiões, como o tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro, encarregado de vigiar os conjurados: Dr. Cláudio Manuel da Costa, o desembargador Thomaz Gonzaga e o cônego Luiz Vieira.
Outro delator foi o mestre de campo Ignácio Corrêa Pamplona.
Além desses inconfidentes, foram envolvidos na conjuração Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, Vicente Vieira da Motta, João da Costa Rodrigues, Fernando José Ribeiro, Antônio de Oliveira Lopes, José Dias Motta, Victorino Gonçalves Velloso, coronel José Ayres Gomes, José Martins Borges, cônego Luiz Vieira da Silva, padres Manoel Rodrigues da Costa, José da Silva e Oliveira Rollim, padre José Lopes de Oliveira.
De posse do segredo da trama, o coronel de dragões Joaquim Silvério dos Reis, que era grande devedor do erário régio, resolveu logo fazer a delação ao governador da capitania, meio de alcançar o perdão de seu débito fiscal.
Nesse intuito, seguiu para Cachoeira do Campo, e a 15 de Março de 1789 apresentava ao general governador da capitania, Visconde de Barbacena (Luiz Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro) a denúncia verbal.
Ordenou este ao delator que fizesse por escrito a denúncia. A carta delatora traz a data de 11 de Abril desse ano, tendo sido entregue pessoalmente a 19 seguinte.
O Visconde de Barbacena, sabendo que Tiradentes se destinava ao Rio, encarregou ao coronel Silvério de acompanhá-lo.
Desfechou então o governador das Minas golpe decisivo contra a projetada conspiração, suspendendo incontinente a derrama.
Cessado este pretexto para o levante popular, ninguém se revoltaria contra o governo; e o movimento fracassou.
Em seguida abriu-se a devassa que colheu em suas malhas avultado número de indiciados, alguns dos quais sem responsabilidade alguma, mas, não obstante, foram presos, submetidos a interrogatórios, sendo após remetidos ao Rio de Janeiro, para o julgamento da alçada do Tribunal da Relação na Corte do então vice-rei, Conde de Resende.
Cláudio Manuel da Costa suicidou-se na Casa dos Contos em Vila Rica, enforcando-se na noite de 4 de Julho.
Nesse entretanto, chegava Tiradentes ao Rio, a 25 de Abril, sob a vigilância secreta do furriel Manoel Luiz Pereira que o precedera e lhe havia assistido às conversas em prol da revolta na fazenda das Cebolas.
Pelo caminho, nos sítios por onde ia passando, em Varginha, perto de Queluz, na estalagem de João da Costa Rodrigues; em Bananeiras, no sítio de João Dias da Motta, vinha o alferes revoltoso fazendo a propaganda às escancaras, sem o menor disfarce ou cuidado.
Pouco tempo depois, chegava ao Rio de Janeiro o traidor Joaquim Silvério, a quem Tiradentes, de boa fé, de tudo ia dando ciência.
Enquanto de passagem no Rio, hospedou-se Tiradentes em casa de Domingos Fernandes da Cruz, à Rua dos Latoeiros, hoje Gonçalves Dias, onde, foi preso a 10 de Maio de 1789, sendo conduzido à fortaleza da Ilha das Cobras.
Tendo essa notícia chegado a Vila Rica, pouco depois eram feitas em vários pontos as prisões dos demais conjurados.
Duas devassas foram logo abertas, uma em Minas Gerais pelo governador Visconde de Barbacena; e outra no Rio, pelo vice-rei Conde de Resende, dando lugar a vários conflitos de jurisdição e exceções protelatórias.
Tiradentes, submetido a onze interrogatórios, manteve-se sempre em digna sua atitude, buscando atrair sobre si exclusivamente toda a responsabilidade do movimento, sem acusar a quem quer que fosse.
O Padre Rollim foi quinze vezes interrogado. O processo de Tiradentes teve no Rio o seguinte andamento: na véspera do Natal de 1790, chegou à corte a Alçada, investida de plenos poderes régios para o julgamento dos réus.
Em 21 de Outubro do ano seguinte foi aberta aos acusados a dilação de cinco meses para falarem nos autos, por seu defensor, o advogado da Santa Casa da Misericórdia, José de Oliveira Fagundes.
Só a leitura dos volumosos autos reclamava maior prazo: a defesa foi, porém, hábil.
A 17 de Abril de 1792 eram todos os réus, à exceção de cinco clérigos, transferidos das masmorras da Ilha das Cobras para a sala do Oratório, na cadeia pública, depois Câmara dos Deputados e atual Palácio Tiradentes.
A 18 de Abril foi lavrada pelos juízes a sentença, trabalho em que consumiram 18 horas a fio.
Na madrugada de 19, essa sentença foi lida durante duas horas e publicada aos réus.
Dez dos conjurados, inclusive os eclesiásticos, foram condenados à pena capital; outros ao degredo perpétuo em África; mas os juízes estavam autorizados por carta régia de Dona Maria I, de 15 de Outubro de 1790 a comutar essa pena.
Havia 18 meses, portanto.
Não obstante essa real magnanimidade passou em silêncio, para armar ao efeito a cena de escarmento popular.
Só na manhã de 20 de Abril, sexta-feira, foi lida a segunda sentença comutatória, pela qual unicamente o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, devia subir ao patíbulo; os demais teriam degredo perpétuo ou por dez e oito anos em África; José Martins Borges, além de 10 anos de galés, foi condenado à pena de açoites em público.
Cláudio Manuel da Costa teve declarados infames sua memória, seus filhos e netos; os sacerdotes foram presos em conventos em Lisboa. Oito foram absolvidos, entre os quais Domingos Fernandes da Cruz, que recebeu o Tiradentes em sua casa da Rua dos Latoeiros, no Rio. Francisco José de Mello e Manuel do Rego Fontes morreram na prisão. Os Drs. Diogo Ribeiro de Vasconcellos, José Pereira Ribeiro e outros foram soltos logo depois.
Condenado à morte na forca, esquartejamento e pena de infâmia, aplicada também aos seus descendentes, o protomártir Tiradentes foi executado num sábado, 21 de Abril de 1792, por volta do meio dia, no antigo Campo da Polé, próximo sítio onde fica a atual Igreja da Lampadosa e o Teatro João Caetano.
Serviu de carrasco o negro Capitania; e deu-lhe o conforto espiritual dos últimos momentos o guardião do Convento de Santo Antônio, frei José de Jesus Maria do Desterro.
O cortejo, que saíra da cadeia velha, pelo Terreiro do Paço (Praça Quinze de Novembro), ás 7 horas da manhã, foi dos mais luzidos.
Formaram os regimentos de Elvas, ou de Moura, comandante Coimbra, desde a Cadeia Velha até o fim da Rua do Piolho (depois da Carioca), a artilharia, comandante Silva Santos, no Largo de São Francisco; os 1º e 2º regimentos do Rio e o de Extremós ou Chichorro, comandados pelo brigadeiro Pedro Alves de Andrade, em triângulo, desde o campo da barreira de Santo Antônio até o Campo da Polé ou São Domingos.
A multidão enchia as ruas, sacadas e trapeiras.
Dobravam os sinos de São José e do Carmo.
À frente vinham os frades franciscanos com tochas acesas com a cruz alçada.
A irmandade da Misericórdia com os mordomos e irmãos de azul, o condenado de mãos amarradas, com a alva branca e crucifixo e a corda ao pescoço, ao lado do carrasco, que segurava uma das pontas da corda, os magistrados a cavalo, o desembargador escrivão Luiz Alves da Rocha, que lavrou o auto de execução; o desembargador do crime, José Feliciano da Rocha Gameiro; o ouvidor da Câmara José Antônio Valente, o presidente do Senado da Câmara e juiz de fora Balthazar da Silva Lisboa.
Duas companhias do esquadrão do vice-rei à vanguarda e atrás do cortejo, comandadas por seu filho Dom Luiz de Castro Benedito, e, por fim, uma carreta puxada por doze galés, que deveria conduzir o corpo para ser esquartejado, o que se verificou em seguida ao enforcamento, na Casa do Trem (antigo Arsenal de Guerra, na ponta do Calabouço), sendo a operação praticada ainda pelo carrasco, ajudado por dois galés da carreta.
Domingo, 22, fez-se a salga dos despojos, feita pelo carrasco; escoltados por guardas do regimento de Estremós, seguido de três oficiais de justiça, foram remetidos em surrões de couro e conduzidos no lombo de animais para Minas Gerais, onde seriam expostos, segundo ordenava a sentença da Alçada: um quarto no sítio de Cebolas, um quarto em Varginha, outro na Borda do Campo, outro em Bandeirinha, pontos que assinalavam a passagem de Tiradentes, em sua propaganda; e a cabeça na praça pública de Villa Rica, sede da conjuração, atual Praça Tiradentes, nome também dado ao antigo Rocio do Rio de Janeiro, onde se perpetuou o martírio e que antes se chamava Praça da Constituição.
Em diferentes naus, a 5 de Maio e 24 de Junho, seguiram os degredados para a África: o coronel Francisco de Paula Gomes Freire de Andrada, para Pedras de Ancoche; Álvares Maciel, para Massango; Alvarenga Peixoto, para Ambaca; Toledo Pisa, para Cambambá; Antônio Lopes para Bihé; Domingos Vieira, acompanhado do seu fiel escravo, o preto Nicolau, para Machemba; Amaral Gurgel para Catala — todos com degredo perpétuo; Thomaz Gonzaga, para Moçambique, Vidal Barbosa para São Tiago, José de Resende Costa pai, para Bissau e o filho para Cabo Verde, todos por 10 anos; além dos que tiveram outros destinos.
A Conjuração Mineira contava com homens de valor, posição social, entre eles o comandante dos dragões, segunda pessoa da capitania em autoridade; mas não contava com o apoio decisivo do Rio e de São Paulo, onde a irritação da derrama, se levada a efeito, não despertaria interesse algum.
Uma vez explodido o movimento, fácil seria ao governo português circunscrevê-lo e sufocá-lo.
Quadro Sinótico
A Conjuração Mineira, surto nativista de 1789, em Vila Rica, teve por figura central e protomártir o alferes do regimento de dragões, Joaquim José da Silva Xavier, cognominado o Tiradentes, por vultos de mais destaque os poetas desembargadores Thomaz Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Ignácio José da Alvarenga Peixoto. Contava ainda com um homem de prestígio, o comandante dos dragões, tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada.
Serviu de pretexto ao malogrado motim a derrama do quinto e estabelecimento das casas de fundição do ouro, em Minas Gerais. O coronel Joaquim Silvério dos Reis, de posse do segredo, delatou-o ao governador Visconde de Barbacena, que mandou prender os conspiradores. Tiradentes foi preso no Rio, a 10 de Maio de 1789 — e recolhido ao calabouço da Ilha das Cobras, como os demais vindos de Minas; condenado à morte na forca, foi executado a 21 de Abril de 1792, no Campo da Polé, no Rio de Janeiro. Os demais conjurados foram degredados uns perpetuamente, outros por dez e outros por oito anos para a África, onde alguns faleceram.
O corpo de Tiradentes sofreu ainda esquartejamento, seus despojos foram expostos nos principais sítios da propaganda subversiva; e sua memória declarada infame em seus descendentes.
Traços Biográficos
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), nascido no Sítio do Pombal, São João del Rei, era filho de Domingos da Silva Santos e Antônia da Encarnação Xavier, quarto dos sete irmãos, dos quais dois foram padres. Órfão aos nove anos.
Sua família tinha a fazenda do Pombal, com capela e engenho.
Era homem inteligente, de certa cultura e de bom coração; seus avós paternos eram portugueses, a avó materna, brasileira, paulista.
Alvarenga Peixoto pinta-o na devassa como “um oficial feio e espantado”.
Seu compadre Domingos Vieira, chama-o “aquele malvado Tiradentes”; mas o inconfidente cônego Manoel Rodrigues da Costa, descreve-o: “o Xavier era um rapaz simpático”.
Entendia um pouco de mineralogia, segundo dele afirma o governador Dom Luiz da Cunha Menezes, tendo desempenhado uma comissão dessa natureza, que exigia coragem e prudência na Serra da Mantiqueira.
Seus planos de conduzir para o abastecimento da cidade do Rio de Janeiro as águas dos rios Andaraí e Maracanã, serviços que mais tarde foram realizados, diz Lúcio José dos Santos, em seu resumo didático da História de Minas Gerais — demonstra que era um homem inteligente e empreendedor.
“Não era, pois Tiradentes um homem vulgar.”
Conservou-se solteiro; teve um filho e uma filha naturais. Escolheu a profissão de dentista, negociante ambulante e curandeiro.
Como alferes do regimento de dragões da capitania das Minas Gerais, foi quatro vezes preterido: resolveu então tentar, sem êxito, a mineração, no Sítio do Paraibuna, perto do Menezes, com bastante mata, terras minerais, casa de vivenda e senzalas.
Possuía três escravos e uma escrava.
Nada conseguindo, porém, antes endividando-se, foi que resolveu seguir, licenciado, para o Rio de Janeiro, em 1788, a fim de apresentar ao vice-rei Dom Luiz de Vasconcellos e Souza seus planos de captação das águas dos rios Maracanã e Andaraí.
Nota
- Ponto 15º – Lição 40ª
Fonte
- Fleiuss, Max. Apostilas de História do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933. 467 p. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Volume Especial.
Imagem destacada
- Palácio Pedro Ernesto – Suplício de Tiradentes
Mapa - Cachoeira do Campo