Regência do Príncipe Dom João no Brasil, Ocupação Militar da Guiana Francesa e da Banda Oriental

Segundo filho de dona Maria I, rainha de Portugal, foi o príncipe dom João, por falecimento de seu irmão primogênito, reconhecido, em 1788, aos 21 anos, herdeiro do trono, sob o título de príncipe do Brasil.
Alteradas as faculdades mentais da rainha, assumiu dom João a regência do reino em 10 de fevereiro de 1792.
A parte tomada por Portugal no Mediterrâneo, em 1798, como aliado dos ingleses, irritou de tal forma a Napoleão, que, sendo cônsul, lhe impôs as vexatórias cláusulas do tratado de Madrid de 21 de Setembro de 1801; e enviou a Lisboa, por seu embaixador, o general Lannes, que por grandes humilhações fez passar o governo português; e em 1805 e 1807, ao general Junot, que, em consequência da política do bloqueio continental, decretado a 21 de Novembro de 1806, e do tratado de Tilsit, invadiu em Novembro de 1807 Portugal com seu exército.
Nessa emergência, Portugal não teve outro meio de evitar a completa ruína e o sacrifício mesmo da liberdade do soberano, se não a trasladação repentina da corte portuguesa para o Brasil, aconselhada e protegida aliás pela própria corte de Londres.
Tendo, então, convocado o príncipe regente o conselho de Estado, partiu, a 29 de Novembro de 1807, com os membros da sua família e corte, entre os quais figuravam sua mãe, a rainha dona Maria I; a tia, dona Benedita, a esposa, dona Carlota Joaquina e seus sete filhos; inclusive os infantes dom Pedro e dom Miguel.
Da comitiva numerosa, de perto de quinze mil pessoas, faziam parte o duque de Cadaval, os marqueses de Alegrete, Aguiar, Bellas, Lavradio, condes de Linhares, Barca, Belmonte e Cavaleiros, visconde de Anadia, famílias de nobreza, funcionários, damas secretas e criadagem.
No dia 30 de Novembro, pela manhã, as avançadas de Junot, com 20 mil homens, após algum tempo retidas, a 22 léguas apenas de Lisboa, pela enchente do rio Zêzere, chegaram, a marchas forçadas, à foz do Tejo, ainda a tempo de ver, do alto da fortaleza de São Julião da Barra, desaparecerem no horizonte os últimos navios retirantes, comboiados pela esquadra inglesa.
Aportando à Bahia, o primeiro ato do príncipe dom João, inspirado no conselho do economista brasileiro, José da Silva Lisboa, depois visconde de Cairu, foi promulgar a carta régia de 28 de Janeiro de 1808, que declarou abertos os portos do Brasil ao comércio livre das nações amigas.
A 7 de Março desse ano fundeava a esquadra junto à ilha das Cobras, e, no dia imediato, desembarcava a família real no cais da cidade, aclamada pelas autoridades civis e eclesiásticas e pelo povo.
O príncipe regente do Brasil foi residir no antigo paço dos vice-reis, anexo ao secular convento do Carmo, em que se instalaram a rainha dona Maria I, a princesa dona Carlota Joaquina, e suas filhas.
Os quatro primeiros anos de governo, 1808 a 1812, se caracterizaram em matéria de política administrativa pela atividade reformadora do conde de Linhares.
Os dois seguintes, de 1813 a 1814, cabem antes aos ministros marquês de Aguiar e conde das Galvêas.
De 1814 a 1817, quando faleceu Linhares, salientou-se a figura diplomática e cultural do conde da Barca.
Os quatro últimos anos do reinado americano de dom João VI foram dominados pela figura política de elevado cunho moral e energia do desembargador Thomaz Antonio de Villa Nova Portugal, que assumiu o governo desde a morte do conde da Barca, em Junho de 1817.
Tendo declarado guerra à França pelo manifesto de 1 de Maio de 1808, em o qual dom João “levantava a voz do seio do novo império que vinha criar”, resolveu-se a conquista da Guiana Francesa; e para esse fim foi organizada uma expedição sob o comando do tenente-coronel Manuel Marques que para ali seguiu a 6 de Novembro de 1808, com uma flotilha, à qual se incorporaram no Cabo Norte dois vasos de guerra portugueses e uma corveta inglesa, sob as ordens do capitão James Lucas Yeo.
A 7 de Janeiro de 1809, os aliados ocuparam a baía do Oiapoque; a 15 se apoderaram do posto fortificado de Aproak, na confluência do Courronaie;
A 14, entraram os aliados em Caiena, cabendo ao oficial brasileiro Luís da Cunha Moreira, depois visconde de Cabo Frio, como capitão do brigue Infante Dom Pedro, conduzir para a França o governador deposto.
O primeiro governador militar da Guiana foi o general Manuel Marques e o governo civil tocou ao tenente-coronel Pinto de Sousa, logo após substituído por João Severiano Maciel da Costa, depois marquês de Queluz, que mereceu elogiosas referências das próprias autoridades francesas, particularmente de Ternaux-Compans.
De lá enviou Maciel da Costa para o Brasil a nós moscada, o cravo da Índia, árvore da fruta pão, a nogueira, a canforeira, o abacateiro e a cana de Caiena, vulgarmente denominada “caiana”.
Pelo ato final do Congresso de Viena, de 9 de Junho de 1815 enquanto a Inglaterra conservou todas as conquistas coloniais, Portugal, não obstante tantos sacrifícios e a parte ativa que tomara nas guerras da república e do império francês nas campanhas que produziram a queda de Napoleão, foi pelo artigo 107 obrigado a restituir a Guiana Francesa até o rio Oiapoque, cuja foz está situada entre o 4º e 5º grau, limite fixado pelo tratado de Utrecht.
A Guiana foi, enfim, restituída à França a 21 de Novembro de 1817, com a chegada do general Carra Saint-Cyr governador nomeado por Luiz XVIII.
Estabelecido no Brasil em 1808 o governo português, pensou o príncipe regente enviar uma expedição contra Buenos Aires, não só para atender aos intentos de sua esposa dona Carlota Joaquina, filha de Carlos IV e irmã de Fernando VII de Espanha, a qual ambicionava formar, sob seu exclusivo domínio, uma vasta monarquia nos Estados do Prata; e também de concerto com os Ingleses, que deviam enviar uma esquadra contra Buenos Aires, em desagravo às duas derrotas que acabavam de sofrer nessa cidade.
Mas a insurreição da Espanha contra a França e a sua aliança com a Inglaterra e Portugal vieram demovê-lo dessa ideia.
Em 1810, porém, tendo rebentado em Buenos Aires o movimento revolucionário pela Independência, e havendo sido depostos a 25 de Maio desse ano as autoridades espanholas, seguiu-se um período de revoltas e guerras civis, durante a qual não perdeu ensejo dona Carlota Joaquina de reatar a intriga política entre os chefes revolucionários do Prata, com os quais assiduamente se correspondia.
Como medida de prevenção, o príncipe regente mandou logo reunir nas fronteiras do Sul um exército de observação, composto de tropa da linha e milicianos gaúchos, além de alguns regimentos catarinenses e paulistas.
Era capitão-general do exército do Rio Grande do Sul d. Diogo de Sousa, depois conde do Rio Pardo; que elevou os corpos a alto grau de instrução e disciplina, e os preparou para o êxito alcançado nas campanhas.
Em 1811 só restava aos Espanhóis no Prata a cidade de Montevidéu sitiada pelas tropas de Buenos Aires, e pelas do Uruguai ou Orientais, chefiadas por José Artigas.
Dona Carlota Joaquina convenceu ao marido que deveria intervir na contenda para combater a revolução da Independência.
O general Diogo de Sousa invadiu então a Banda Oriental do Uruguai (1811).
Argentinos e Uruguaios, que sitiavam Montevidéu foram obrigados a retirar-se, e as forças lusas já estavam prestes a transpor a margem esquerda do rio Uruguai, quando por intervenção da Inglaterra foi assinado o armistício de 26 de Maio de 1812, pelo qual dom João se comprometeu a manter a neutralidade nas lutas platinas.
Em 1816, tendo os caudilhos orientais praticado depredações em nosso território, deliberou dom João no ano seguinte reocupar o Uruguai, estendendo assim as fronteiras do Brasil, por um exército sob as ordens do marquês de Alegrete, governador do Rio Grande do Sul, generais Carlos Frederico Lecor depois visconde da Laguna, Joaquim Xavier Curado, depois visconde de São João das Duas Barras, e outros.
Na segunda fase da campanha salientaram-se os generais conde de Figueira, José de Abreu, depois barão de Serro Largo; Bento Manuel Ribeiro e Patrício José Corrêa da Câmara, 1º visconde de Pelotas.
A 31 de Julho de 1821, a Banda Oriental do Uruguai era anexada ao Brasil, sob o nome de Estado Cisplatino, depois Província Cisplatina.
Quadro Sinótico
Em 10 de fevereiro de 1792, assumiu a regência o príncipe dom João, segundo filho da rainha dona Maria I, que estava em estado de demência.
Por motivo das guerras de Napoleão evitando as consequências que para a soberania de Portugal acarretara a assinatura do tratado de Fontainebleau, de 27 de Outubro de 1807, negociado secretamente entre a França e a Espanha, trasladou-se a corte portuguesa para o Brasil no final desse ano.
A 7 de Março de 1808, depois de haver estacionado na Bahia, fundeava a esquadra real em águas do Rio de Janeiro.
Os quatro primeiros anos de reinado americano de dom João se caracterizaram pela atividade reorganizadora da administração do conde de Linhares, figura politica dominante do ministério, de que também faziam parte o marquês de Aguiar e o visconde de Anadia.
A partir de 1817, porém, salientaram-se dois outros vultos ministeriais, o conde da Barca, a quem o Brasil devia a elevação à categoria de reino (tratado de Viena, 1815) e a missão artística francesa do ano seguinte.
A ocupação da Guiana Francesa (1809) e a da Banda Oriental (1811), anexada ao Brasil, como Estado ou Província Cisplatina, em 31 de Julho de 1821, constituem os dois episódios mais relevantes da história política militar do reinado americano de dom João VI.
Traços Biográficos
D. João VI (1767-1826)
Dom João VI. O príncipe dom João, segundo filho de dona Maria I e de dom Pedro III, nasceu em Lisboa em 1767.
Desde 1792 até a morte de sua mãe, exerceu ele a regência do reino de Portugal.
Em consequência das guerras de Napoleão, trasladou-se a corte portuguesa com a família real para o Brasil, a 29 de novembro de 1807.
Chegando a Bahia, promulgou o decreto de 28 de Janeiro de 1808, mandando franquear nossos portos à navegação de todas as nações amigas.
A 7 de Março seguinte estabeleceu no Rio de Janeiro a sede da monarquia de Bragança; e nos primeiros anos da chegada reformou, completamente, a administração da corte, criando os principais estabelecimentos e repartições públicas, à feição das de Lisboa.
A 16 de Dezembro de 1815 elevou o Brasil à categoria de reino; e em Março de 1816 subiu ao trono com o nome de dom João VI, por falecimento de dona Maria I.
Foram seus principais secretários de Estado no Brasil os condes de Linhares, Galvêas, e da Barca, o marquês de Aguiar e Thomaz Antônio de Villa Nova Portugal.
Em Abril de 1821, para atender ao movimento constitucionalista que estalara em Portugal para aí regressou, deixando por seu representante no Brasil o príncipe regente dom Pedro, que foi o proclamador da nossa emancipação política em 1822 e fundador da nossa nacionalidade.
Em Portugal dom João VI jurou a Constituição e em consequência da contra revolução, foi recolhido a bordo de uma nau inglesa; faleceu em 1826, passando a governar uma regência presidida por sua filha a infante dona Maria Isabel.
Nota
- Ponto 16 – 42ª Lição
Fonte
- Fleiuss, Max. Apostilas de História do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933. 467 p. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Volume Especial.
Imagem destacada
- Dom João VI. Óleo sobre tela. Século XIX. José Leandro de Carvalho (1750-1834). Acervo: Museu Histórico Nacional / IBRAM / Ministério da Cultura.
Mapa - Paço Imperial