O Sul; Entradas e Bandeiras no Século XVII

No século XVII, as primeiras bandeiras meridionais limitaram-se propriamente à caça de selvagens e ao ataque às reduções jesuíticas do Guaira, à margem do Paraná. Posteriormente, tiveram outro objetivo – o descobrimento das minas.
Foi a febre do ouro sepultado nos garimpos e filões subterrâneos, a ambição dos tesouros fantásticos, pedras preciosas ou jazidas de prata, que revestiram de coragem os primeiros desbravadores do sertão brasileiro.
Do verdadeiro fruto que para a civilização representavam, de fato, essas bandeiras fundar vilas à margem dos rios que penetravam no misterioso recesso da selva – colonizar, enfim, o sertão, não cogitavam sequer os primeiros bandeirantes, empolgados da ânsia de enriquecer.
A primeira bandeira sulista do século XVII, foi a de Glimmer, que, em 1601, partiu de São Vicente, desceu o rio Tietê, entrou no Paraíba, subiu a serra da Mantiqueira e avizinhou-se do alto São Francisco. Gastou nove meses na pesquisa de um tesouro fabuloso.
Nem sequer conheciam a rigor os metais finos e pedras preciosas que demandavam com sacrifício, pois, de contínuo, se viam iludidos, sofrendo decepções, quando seus achados eram examinados pelas perícias dos profissionais na matéria.
Mas as bandeiras sucediam-se umas às outras, tanto a sede do ouro era insaciável nesses aventureiros que, sem se aperceberem disso, prestavam, entretanto, o melhor dos serviços à causa da civilização nacional.
A mais famosa dentre essas bandeiras foi, sem dúvida, a do paulista Fernão Dias Paes Leme, o caçador de esmeraldas, que de 1674 a 1681 chefiou bandeiras à caça de índios que eram, então, escravizados como animais de laço, e também de ouro, prata e pedras preciosas.
Fernão Dias organizou a sua custa poderosa bandeira e partiu em busca da prata e esmeraldas, de que se tinha vaga notícia.
Em longa jornada, foi de Taubaté até aos pantanais da lagoa Encantada, Vupabussú de então, e ao Sumidouro. Junto a lagoa encontrou no sub-solo turmalinas e pedras verdes, vulgarmente chamadas “olhos de gato”, que tomou por esmeraldas legítimas, e delas fez abundante provisão.
A montanha fabulosa dos tesouros, que mudava de pouso, por entre a selva virgem, era uma das lendas favoritas dos bandeirantes do século XVII.
Partiam, de ordinário, de Piratininga, capital de São Paulo, em busca das serranias de Minas Gerais e das fronteiras do Paraguai.
Alguns deles deixavam o torrão natal vigorosos e fortes, e voltavam velhos e decrépitos.
Fernão Dias Paes Leme, por oito anos, errou pela floresta ínvia com seus filhos, genro e mais homens.
Um dia, no Sumidouro, desesperados dessa correria a esmo pelas selvas, rebelaram-se alguns da bandeira contra o velho chefe, impondo-lhe pronto regresso às férteis campinas regadas pelo Anhembi (Tietê).
Um dos cabeças do levante foi o próprio filho de Paes Leme – José Dias – que teve por isso triste fim: foi mandado enforcar, pelo pai, que, deixando o corpo do filho pendente de um nó corredio, ordenou aos do bando que levantassem acampamento, enterrando-se ainda mais fundo no sertão.
Exausto, afinal, pelos trabalhos, maleitas e privações sem conta dessa jornada famosa, que bem traduz a ousadia e a rudeza de alma dos bandeirantes seiscentistas, sucumbiu Fernão Dias, junto ao rio das Velhas, embalado pela ilusão de ter realmente descoberto as esmeraldas.
Seu genro, Manoel de Borba Gato, que dele recebeu num saquitel de couro o falso tesouro que tão dolorosamente caçara; outro seu filho, Garcia Rodrigues Paes, prosseguiram na jornada, através do território de Minas Gerais.
Um atentado, porém, separou-os, e Borba Gato teve de passar 20 anos foragido pelos sertões, como responsável pelo assassínio do administrador geral das minas, o espanhol d. Rodrigo de Castello Branco.
Tendo este entrado o sertão à frente de uma bandeira castelhana, veio encontrar-se com Borba Gato, de quem, como representante da autoridade espanhola, exigiu submissão, que lhe foi recusada. Suscitou-se daí forte contenda entre as duas bandeiras, em meio da qual Borba Gato e os seus companheiros paulistas prostraram morto a d. Rodrigo.
Para não ser preso e prestar contas à justiça, fugiu com seu bando para a região do São Francisco, onde, por largo tempo, conviveu com os selvagens.
Devido a isso teve ensejo de descobrir importantes e verdadeiras jazidas – as de Sabará.
Decorridos vinte anos, obteve o olvido do delito que praticara; e apreço da indicação daquelas minas ao governo português, regressou a São Paulo em 1700, livre de culpa e pena de homicídio, e de lesa-magestade, em que incorrera.
Pelos fins de 1693, Antônio Rodrigues Arzão, outro paulista de Taubaté, explorou o curso do rio Doce, descendo até à Vitória (Espírito Santo), levantando um roteiro e apurando da jornada uma pequena amostra de ouro, ali bateiado.
Por morte deste último, seu cunhado, Bartholomeu Bueno de Siqueira, tendo ficado de posse desse roteiro fluvial, retomou a exploração, levando-a mais longe.
Quanto ao território de Goiás, foi descoberto em 1682, por um homônimo do precedente, o famoso Bartholomeu Bueno da Silva, cognominado pelos índios – Anhangoéra (anhã-goéra, o espetro, o fantasma, um diabo consumado, segundo Th. Sampaio.)
Celebrizou-se pela audácia e pelo verdadeiro terror que, usando de feitiçaria, inspirava aos broncos habitantes da selva brasílica. Inculcava-se aos índios, como tendo o poder de queimar toda a água dos rios e, para prová-lo, deitou aguardente numa vasilha e fê-la arder. Por isso, os naturais da terra viam nele uma encarnação do espírito terrível das florestas – Anhangá.
Anteriormente a expedição de Fernão Dias, podem citar-se as bandeiras de Manuel Preto às terras da Expectação, vizinhas de São Paulo, em começo do século XVII; de Antônio Raposo Tavares, em 1630, e Francisco Pedroso Xavier, em 1636, que atacaram as reduções jesuítas de Guaíra.
Travou-se então, entre os habitantes de São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão e Pará, de um lado, e os Jesuítas, do outro, rude peleja, sendo causa a liberdade dos índios, defendida pelo padre Antônio Vieira e os da Companhia de Jesus, consagrada pela Santa Sé, e reconhecida, afinal, por duas leis de 1755 e 1758, referendadas pelo ministro de dom José I, marquês de Pombal. Em virtude delas, passou a vigorar em todo o Brasil a lei portuguesa de 1º de abril de 1680, que aboliu definitivamente a escravidão dos índios.
Em 1663, Lourenço Castanho Taques descobriu as primeiras jazidas de ouro no distrito, por isso denominado Minas dos Cataguás; e em seguida, por seu atual nome, estendido a toda a Capitania das Minas Gerais.
Também em 1672, Pascoal Paes de Araújo, penetrando no interior de Piauí, a busca de ouro, chegou até às nascentes do Tocantins.
Foi pelo fim do século XVII que grande número de Paulistas fundaram povoados e estabeleceram-se em terras de Minas Gerais.
Quadro Sinótico
As primeiras bandeiras do século XVII tiveram por objetivo a caça aos índios e o ataque às reduções ou missões dos jesuítas, defensores da liberdade dos aborígenes, principalmente as de Guairá, às margens do Paraná, e no Paraguai.
Posteriormente, trataram do descobrimento das jazidas de ouro, prata e pedras preciosas. As mais importantes dessas bandeiras foram:
A de Glimmer (1601), na serra da Mantiqueira e Alto São Francisco. A de Manoel Preto, às terras de Expectação, próximo de São Paulo; e de Antônio Raposo Tavares (1630), e Francisco Pedroso Xavier, (1636), em ataque às reduções jesuíticas; de Lourenço Castanho Taques (1663), que descobriu as minas dos Cataguás, e de Pascoal Paes de Araújo (1672), até à nascente do Tocantins; de Bartholomeu Bueno da Silva, o Anhangoéra, primeiro devassador de Goiás.
A mais importante, porém, dessas expedições foram as de Fernão Dias Paes Leme (1672-1681), Borba Gato, seu genro, descobridor das minas de Sabará, e Antônio Rodrigues Arzão, que explorou o rio Doce, até a cidade de Vitória.
Traços Biográficos
Fernão Dias Paes Leme, da nobre estirpe paulistana, foi, em rigor, um dos fundadores da nossa nacionalidade.
Por patente de 20 de Outubro de 1672, foram-lhe conferidos poderes de chefe da grande bandeira que deveria partir para Minas Gerais, com o título de governador da terra das esmeraldas, que se propunha conquistar e colonizar. Levando por sucessor imediato a Mathias Cardoso de Almeida e dois filhos, – José Dias e Garcia Rodrigues Paes, e um genro, Manoel de Borba Gato, escravos e índios, entrou no sertão mineiro, em 1674.
Partindo de Taubaté, foi por Guaratinguetá, Embaú, Passa Quatro e Capivari, até a região da atual Baependi; transpondo os rios Verde e Grande, estabeleceu-se em Ibituruna, “o primeiro lar da pátria mineira”, na expressão de Diogo de Vasconcellos.
Em 1675, subindo a serra da Borda da Mata, foi ter ao rio Paraopeba, onde fundou o arraial de Santa Ana, e, pelo vale do rio das Velhas, estabeleceu-se no arraial de São João do Sumidouro, onde sufocou a rebelião em que mandou enforcar ao próprio filho, José Dias, um dos cabeças da revolta.
Em 1680, atingia o norte da capitania paulista, no Itambé, rios Itamarandiba e Arassuaí, até as nascentes do rio Pardo.
Daí chegou pela serra de Itacambira à Lagoa Encantada, ou de Vupabussú, onde deu começo à exploração do solo.
Iludido pelas falsas pedras verdes, que recolhera, julgando-as esmeraldas, já octogenário, quase abandonado por sua gente, minado pelas febres palustres, faleceu em maio de 1681, no mesmo local, o Sumidouro, onde mandara enforcar o filho, cinco anos antes.
Nota
- Ponto 10º – 27ª Lição
Fonte
- Fleiuss, Max. Apostilas de História do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933. 467 p. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Volume Especial.
Imagem destacada
- Reduções Jesuíticas e Espanholas no Guayra, de Breno Klamas, via Wikimedia Commons