Missão Histórica da Companhia de Jesus no Século XVI
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Aos religiosos de São Francisco de Assis, vindos em 1500 ao Brasil, com a armada de Cabral, um em cada nau, frades Gaspar, Francisco da Cruz, Simão de Guimarães, Luiz do Salvador, Maffeu, Pedro Netto e João da Victória, sob as ordens do guardião frei Henrique Soares, de Coimbra, coube a missão de serem os trabalhadores da primeira hora na evangelização das nossas selvas.
Frei Henrique, depois bispo de Ceuta e confessor do rei dom Manuel, o Afortunado, foi o primeiro a celebrar e pregar no Brasil. Oficiou ainda no cortejo que conduziu o Santo Lenho, carregado pelos colonos e Tupiniquins, da floresta, donde os carpinteiros das naus o extraíram, até à orla da praia de Porto Seguro, em que foi chantado, com as armas de Portugal, por marco de posse da Terra de Vera-Cruz.
Não tiveram parte os jesuítas no descobrimento, pelo fato de não existir ainda a Companhia de Jesus, só fundada em 1534, por Ignácio de Loyola, a quem a igreja católica canonizou.
Não se pode, porém, negar que aos jesuítas coube a mais alta e delicada missão, como elementos formadores da nossa civilização.
Sem o concurso das suas principais figuras, Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, sem seus serviços e os documentos de sua correspondência com a metrópole, seria hoje impossível reconstituir a organização política e social do Brasil colonial, na obra dos dois mais notáveis dentre os primeiros governadores gerais, – Thomé de Sousa e Mem de Sá.
De fato, desde os albores da colonização portuguesa, os discípulos de Loyola se afirmaram na missão brasílica vultos históricos inexcedidos.
O poder temporal, a Casa de Aviz, orientou a obra da fundação de sua nova colônia do Novo Mundo.
Varnhagen considera o regimento de Almeirim, de 17 de dezembro de 1548, dado a Thomé de Sousa, um modelo de tino administrativo, um plano de colonização oficial, para servir de norma a todos os donatários, e, nesse regimento, se declina por fim principal de sua missão ao Brasil – “povoar a terra e reduzir o gentio à fé católica”.
Nenhum outro varão mais avisado a esse fim espiritual pudera conseguir a metrópole do que Thomé de Sousa, de quem dizia o padre Nóbrega – entender tão bem o espírito da companhia que lhe faltava pouco para ser dela.
Com Thomé de Sousa, vieram para a catequese dos índios e fundação do Colégio na Bahia quatro missionários jesuítas: o superior, Manuel da Nóbrega, tendo sob suas ordens os padres João de Aspilcueta Navarro, Leonardo Nunes e Antônio Pires, bem como os irmãos Diogo Jacome e Vicente Rodrigues.
A personalidade do superior da missão jesuítica, concretiza no sentir unânime dos nossos historiadores perfeita síntese dos sentimentos de fé, tenacidade, bravura e abnegação.
Às virtudes, aliava Nóbrega o espírito organizador e político, quanto ao plano de atrair o gentio à civilização e à fé católica, nas reduções ou aldeamentos em que conseguiu operar.
Tinha o gênio de condutor das almas selvagens, elevando-as ao nível moral dos deveres para com Deus e o próximo.
O cronista da Companhia de Jesus, padre Simão de Vasconcellos, no-lo descreve, aos trinta e poucos anos, vestido de uma velha roupeta remendada, de alpercatas de cordas, se não descalço, bofando sangue, pálido como cera, nos ardores da febre héctica, em constantes jornadas, de léguas e léguas, na Bahia, em São Vicente e no Rio de Janeiro, com o breviário pendurado ao pescoço e o bordão na mão, arregimentando colonos e índios, que expulsaram os calvinistas e os invasores franceses.
Roberto Southey, com sua autoridade insuspeita de historiador protestante, reconhece não ter havido outro a quem o Brasil deva tantos e tão permanentes serviços, como o padre Nóbrega; e que, se houvera sido menos enérgico, fora hoje estrangeira a capital do país.
Theodoro Sampaio entende ainda que a esse humilde jesuíta, que se costumava assentar à mesa dos servos de Tomé de Sousa, como atuação criadora, assistia muito mais alto valor que o do, aliás insigne, representante de el-rei.
Dois eruditos brasileiros, Capistrano de Abreu e Vale Cabral, salvaram da destruição parte da correspondência de Nóbrega.
João Pandiá Calógeras afirma que o capítulo brasileiro da história dos jesuítas ainda está por escrever.
Só será possível fazê-lo, quando a ordem divulgar seus arquivos, especialmente os de Jesus, de Roma.
Esta lacuna é tal, acrescenta Calógeras, que Capistrano de Abreu declara: – “os sobre humanos trabalhos desses insignes heróis enchem de tal modo as páginas de nossa história colonial, que é atrevimento escrever-se a História do Brasil antes de estar escrita a história dos jesuítas”.
Sem embargo destas doutíssimas opiniões, chamaremos a atenção para o notável trabalho do padre J. M. de Madureira, S. J. , publicado no 4º e no 7º volumes dos anais do Primeiro Congresso Internacional de História da América, realizado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1922.
José de Anchieta, depois de Nóbrega, e seus companheiros padres Luiz da Grã, Braz Lourenço Pires e irmãos João Gonçalves, Antônio Blasques e Gregório Serrão, vieram em 1553, na armada do segundo governador-geral Duarte da Costa, sendo que Anchieta ainda não se havia ordenado, tendo menos de 20 anos; era simples irmão da ordem de Jesus.
Além da grande obra de evangelização dos índios, da moralização social entre os colonizadores e autóctones, de incentivos ao problema da lavoura, pecuária e indústria açucareira, cabe aos jesuítas haver cooperado poderosamente na fundação das três grandes capitais do país – Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, dos seus três primeiros colégios nas mesmas cidades, da criação da primeira escola pública primária, do teatro nacional, da primeira gramática e vocabulário tupi-guarani.
Anchieta e Aspilcueta Navarro foram ainda os primeiros a se aprofundarem no conhecimento da língua geral, o que de muito facilitou a catequese dos selvagens.
Bateram-se com denodo, Nóbrega e seus companheiros de missão, pelo princípio de liberdade dos índios.
Quadro Sinótico
Os serviços prestados ao Brasil, de ordem espiritual, intelectual, moral e social, pelos padres da Companhia de Jesus, são reconhecidos pelos nossos historiadores, mesmo pelo protestante Southey.
Nóbrega e Anchieta auxiliaram poderosamente os primeiros governadores gerais, máxime Tomé de Sousa e Mem de Sá, e foram as duas maiores figuras dos anais do Brasil, no século XVI.
Nota
- Ponto 5º – Lição 18ª
Fonte
- Fleiuss, Max. Apostilas de História do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933. 467 p. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Volume Especial.
Imagem destacada
- Pátio do Colégio - Marco inicial do nascimento da cidade de São Paulo
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