Divisão do Brasil em Capitanias Hereditárias. Situação das mesmas em confronto com o mapa atual
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Dom João III, tendo enviado Christóvão Jacques por “governador às partes do Brasil”, – lhe fez saber, em Alvará de 5 de Julho de 1526, a autorização dada a Pero Capico, “capitão de uma das capitanias do dito Brasil”, para que regressasse ao reino, visto ter expirado o prazo de três anos de exercício de sua capitania.
Os capitães vigias da nossa costa não se limitavam a simples guardas da mesmas costa, ou capitães de navios em cruzeiro pelo litoral; antes tinham sede determinada e mando em terra, e auferiam proventos dessa investidura, parcial e a prazo.
Christóvão Jacques em 1526, e Martim Affonso de Sousa em 1530, foram despachados como capitães-mores de mar e terra e governadores gerais do Brasil.
Logo se apercebeu, porém, o soberano da ineficácia do poder colonizador, e ouvindo Diogo de Gouveia, achou melhor prosseguir no regímen das capitanias, não provisórias, mas permanentes, por uma divisão sistemática e geral de todo o território brasileiro, entre fidalgos beneméritos, como feudatários da coroa.
– “Depois de vossa partida (3 de Dezembro de 1530), escrevia dom João III a Martim Affonso de Sousa, em carta régia de 28 de Setembro de 1537, se praticou se seria melhor serviço povoar-se toda essa costa do Brasil”.
Nessa mesma correspondência para o Brasil, de que foi portador João de Sousa, declarou o rei que, depois de ter mandado logo demarcar e fazer doações de 160 léguas da costa ao referido Martim Affonso e a seu irmão Pero Lopes de Sousa, doou a mais algumas pessoas, que lhe haviam requerido, 50 léguas a cada qual.
A parte de costa do Brasil primeiro demarcada, conforme a citada carta régia, foi a compreendida entre Pernambuco e o Rio da Prata.
Dividiu-se o litoral em três zonas de quatro capitanias cada uma:– do Norte, do Centro e do Sul; isto é – cerca de 28 graus de latitude, ou 200 mil léguas quadradas, obra de 2 terços do território atual.
Nas cartas de doação marcava-se astronomicamente o número de léguas, baseado o cálculo na latitude, e designados os limites por dois pontos na carta de Gaspar Viegas, de 1534, tomando por marco o acidente geográfico mais aproximado.
Declarava-se no texto legal dessas cartas que as linhas paralelas à costa de limites entre as capitanias – “entrariam pelo sertão e terra a dentro quanto puderem entrar e for de minha conquista”.
Quer dizer, até cruzar a linha convencional de Tordesilhas.
Mesmo que as capitanias tivessem todas 50 léguas de testada, seria ainda muito desigual sua superfície, devido à sensível obliquidade e reentrância da costa. As de maior longitude oriental teriam mais fundo.
A frente do litoral, porém, variava nelas de 30 a 150 léguas.
Assim, as 100 léguas de costa, doadas a Martim Affonso, cujos serviços o soberano procurou recompensar, galardoando-o com um quinhão considerado o mais valioso, equivaliam somente a 4 mil léguas quadradas, ao passo que as 30 léguas de Pero de Góis, donatário do menor quinhão de testada, representavam de fato, 4.500 léguas em quadra; e o terceiro lote de Pero Lopes de Sousa, com 30 léguas de testada, contava uma superfície seis vezes maior que a dos dois primeiros lotes, com 50 léguas de costa.
Eis a denominação e dimensões e a situação geográfica dessas capitanias, confrontadas com o mapa atual, e seus respectivos donatários.
– A Capitania de São Vicente e São Thomé constava de 100 léguas de costa, divididas em dois lotes: o primeiro de 55 léguas da foz do rio Macaé a do Curupacé (Juquiriquerê, fronteira ao extremo Norte da ilha de São Sebastião); o segundo de 45 léguas, entre a barra de Bertioga e a barra de Paranaguá.
A Capitania de Santo Amaro, Terras de Santa Anna e Itamaracá, doada a Pero Lopes de Sousa, compunha-se de três quinhões, com 80 léguas de litoral, assim compreendidas: – 40 léguas, a contar da barra de Paranaguá para o Sul, até ás terras de Santa Anna (Laguna); dez léguas encravadas entre os dois lotes de Martim Affonso, ou seja desde São Vicente até a embocadura de Juquiriquerê, mais 30 léguas, da foz do rio Iguaraçu até a baía de Traição (Paraíba).
A Capitania do Espírito Santo teve por donatário Vasco Fernandes Coutinho e abrangia 50 léguas do litoral, desde a foz do rio Itapemirim à do Mucuri.
A Capitania da Paraíba do Sul foi doada a Pero de Góis da Silveira, contando 30 léguas costeiras, entre os rios Itapemirim e Macaé, limite norte. Abandonou-a o donatário, em vista dos ataques dos Goitacases.
A Capitania de Porto Seguro constava de 50 léguas, concedida a Pero do Campo Tourinho, tendo por limites, o rio Mucuri (Espírito Santo), e o porto do Poxim (Bahia), um pouco acima da foz do rio Pardo (Bahia) ou Patipe. O donatário fundou a povoação de Porto Seguro e a de Santa Cruz, nos pontos a que aportara Cabral.
A Capitania dos Ilhéus coube a Jorge de Figueiredo Corrêa. Corria por 50 léguas de litoral, a partir do porto de Poxim até as proximidades da Baía de Todos os Santos. Corrêa não veio povoar a capitania; mandou, porém, fundar a povoação de Ilhéus, atual cidade.
A Capitania da Baía de Todos os Santos teve por donatário Francisco Pereira Coutinho, e contava 50 léguas de litoral, desde a Baía de Todos os Santos até á foz do rio São Francisco (Alagoas). Coutinho foi morto e devorado pelos Tupinambás.
A Capitania de Pernambuco, que teve como donatário Duarte Coelho Pereira constava de 60 léguas, entre a foz do rio São Francisco e a do Iguaraçu (Pernambuco), onde começava a correr até à baía da Traição (Paraíba) o terceiro quinhão de Pero Lopes de Sousa. Introduziu Duarte Coelho a cana de açúcar.
A Capitania do Rio Grande do Norte foi doada a João de Barros, associado a Agres da Cunha. Compreendia 100 léguas, desde a baía da Traição até á Angra dos Negros (Ceará).
A Capitania do Ceará coube a Antônio Cardoso de Barros, estendendo-se por 40 léguas, entre o limite desta última até ao rio da Cruz, braço mais oriental do delta do Parnaíba (Piauí).
A Capitania do Piauí, compreendendo parte do Maranhão. 75 léguas do Parnaíba até o rio Gurupi (Maranhão), tocou ao tesoureiro mór do reino, Fernando Alvares de Andrade.
A Capitania do Maranhão, doada a João de Barros e Ayres da Cunha, abrangia de extensão 50 léguas, a oeste do Gurupi até ao Amazonas.
Quadro Sinóptico
Em 1532, dom João III dividiu o litoral do Brasil em 15 lotes de terras, formando as capitanias hereditárias, de 30 até 100 léguas de testada, e tantas de fundo quanto alcançasse o domínio português, e concedeu-as por doação a fidalgos ilustres e homens de cabedal, aos quais foram passadas cartas de doação e forais de senhorios das respectivas capitanias, assim divididas:
1ª – São Vicente e São Thomé – Martim Affonso de Sousa.
2ª – Santo Amaro, Terras de Santa Anna e Itamaracá – Pero Lopes de Sousa.
3ª – Espírito Santo – Vasco Fernandes Coutinho.
4ª – São Thomé – ou Paraíba do Sul – Pero de Góis da Silveira.
5ª – Porto Seguro – Pero do Campo Tourinho.
6ª – Ilhéus – Jorge de Figueiredo Corrêa.
7ª – Baía de Todos os Santos – Francisco Pereira Coutinho.
8ª – Pernambuco – Duarte Coelho Pereira.
9ª – Rio Grande do Norte – João de Barros e Ayres da Cunha.
10ª – Ceará – Antônio Cardoso de Barros.
11ª – Piauí – Fernão Alvares de Andrade.
12ª – Maranhão – João de Barros e Ayres da Cunha.
Traços Biográficos
Pero Lopes de Sousa (1502)
Pero Lopes de Sousa foi o segundo filho de Lopo de Sousa e irmão de Martim Affonso.
Diz Varnhagen ser provável que tivesse ele frequentado a Universidade, que então estava em Lisboa, fazendo estudos de navegação.
Começou a servir na armada de guarda costa, quando ainda muito jovem.
Acompanhou o irmão na armada ao Brasil, servindo primeiro na capitania, passando a comandar duas caravelas, com as quais afrontou uma peleja com uma nau francesa, a qual abalroou e fez prisioneira.
Mandou-o Martim Affonso ao Rio da Prata, tendo mostrado nessa empresa grande valor, naufragando próximo ao cabo Santa Maria, conseguindo, porém, por o bergantim a nado e reunindo-se à armada a 27 de Dezembro de 1531, na ilha das Palmas.
Foi nomeado capitão mór de 5 naus para a Índia em março de 1539, perdendo-se na paragem da ilha de São Lourenço (Madagascar), não havendo dele outras notícias.
Fora casado com Isabel de Gamboa. Era de gênio altivo, caprichoso no mando e independente.
Deixou escrito o Diário ou Roteiro de Navegação, publicado primeiramente por Varnhagen e ultimamente reeditado, com admiráveis comentários pelo sr. comandante Eugênio de Castro.
Duarte Coelho Pereira
Duarte Coelho distinguiu-se na Índia, e recebeu, por isso, a capitania de Pernambuco, quando dom João III dividiu o Brasil em capitanias.
Registra Pinheiro Chagas que, ao ver Duarte Coelho o sítio onde hoje é a cidade de Olinda, exclamou:
“O’ linda situação para se fundar uma vila”!
Daí, talvez, provenha o nome de Olinda, que ele fundou. Varnhagen acha esse ponto ridículo; entretanto Rodolfo Garcia diz que ele aparece em frei Vicente do Salvador.
Casou com Brites de Albuquerque e dessa união nasceu a família brasileira dos Corrêas e Albuquerques. Duarte Coelho faleceu em 1554.
João de Barros (1496-1570)
João de Barros, nascido em Vizeu, purista da língua e clássico quinhentista, denominado o Tito Lívio português, foi o historiógrafo famoso das Décadas da Ásia, em número de 4, de 10 livros cada uma, obra concluída por Diogo do Couto.
Era feitor da Casa da Índia e Mina, ao ser nomeado donatário no Brasil. Valido da corte, de notável espírito e patriotismo, escreveu também a Crônica do Rei Clarimundo, uma gramática e obras de literatura e de moral.
Nota
- Ponto 3º – Lição 9ª
Fonte
- Fleiuss, Max. Apostilas de História do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933. 467 p. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Volume Especial.
Imagem destacada
- Nicolas de Fer. Le Brésil dont les côtes sont divisées en capitaineries: dressé sur les dernieres relations de flibustiers et fameux voyageurs. Paris, França, 1719. Disponível em Barry Lawrence Ruderman Antique Maps Inc
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