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Ameríndios e Íncolas Brasileiros

Chefe dos Bororenos partindo para um ataque, por Jean Baptiste Debret,
Chefe dos Bororenos partindo para um ataque, por Jean Baptiste Debret, via NYPL

A denominação genérica de índios ou indígenas, dada aos selvagens americanos (ameríndios – índios da América), provém da ilusão, que é anterior a Colombo, em tomar o Novo Mundo pela Índia Oriental.

Ainda no século XVIII, a América era conhecida pela designação de Índias Ocidentais.

O problema da indianologia e etnografia americana apresentasse-nos dos mais complexos, abrangendo, entre seus tipos principais, os Esquimós, da América Boreal; os de Alasca e Groenlândia; os Peles-Vermelhas, do Canadá e Estados Unidos; os Aztecas, do México; os Incas, do Peru; os Tupís e Tapuias, do Brasil; os Guaranis, do Paraguai; os Araucânios, do Chile; os Patagões e Fuegianos, da América Austral.

Na época do descobrimento, dois grandes grupos conheceram os exploradores. O primeiro compreendia as nações que falavam, mais ou menos, a língua geral, sob a denominação de Tupís, habitando do Rio Grande do Norte ao do Sul.

O segundo compunha-se das nações que viviam nos sertões, falando línguas diferentes. Eram os Tapuias.

As primeiras informações sobre o gentio brasiliense devem-se ao padre Azpilcueta Navarro, a Anchieta, Gandavo, Gabriel Soares, Cardim, Lery e ao aventureiro Hans Staden, no primeiro século, e, subsequentemente, ao padre Simão de Vasconcellos e aos holandeses Piso e Marcgrav, Barlaeus, Elias Herckmans e Roulox Baro.

Depois foi classificado em princípios do século XIX por Alcide d’Orbigny, que dividiu em três raças o gentio americano do Sul: 1) raça Ando-peruviana; 2) raça Pampeana ; 3) raça Brasilio-Guarani.

Mais tarde, Carlos von Martius apresentou a seguinte divisão:

I) Tupís e Guaranis – os guerreiros. II) Gés ou Crans – os cabeças. III) Gucks ou Côcos – os tios. IV) Crans ou Guerens – os velhos. V) Parecis ou Poragés – os de cima. VI) Goitacás – os corredores da mata. VII) Aruaks ou Aroaquiz – a gente de farinha. VIII) Lengoas ou Guaicurús – os cavaleiros. IX) Índios em transição para a cultura e a língua portuguesa.

Essa classificação, porém, foi substituída pela que von den Steinen organizou em 1904 e é a seguinte:

I) Tupís. II) Gés. III) Caraibas. IV) Nu-Aruaks ou Maipures. V) Goitacás. VI) Panos. VII) Miranhas. VIII) Guaicurús.

Na segunda expedição de von den Steinen, que se fez acompanhar de Paul Ehrenreich, ficaram verificados os pontos principais da primeira expedição, apurando-se, como diz Rodolfo Garcia, quatro grupos étnicos:

I) os Tupís; II) os Gés; III) os Caraibas; IV) os Maipures ou, melhor, Nu-Aruaks.

Quanto aos demais elementos, os Goitacás ou Puris, hoje extintos, os Panos do Alto Amazonas e Ucaiale, os Miranhas, do rio Negro, e os Guaicurús, do Paraguai, entraram a título provisório.

Paul Ehrenreich fez depois uma revisão, classificando três províncias etnográficas na América do Sul:

I) a primeira compreende os povos do Brasil, com a Venezuela, as Guianas e o arquipélago das Antilhas; II) a segunda abrange os indígenas do Chaco, da Argentina e do Chile; III) a terceira, os povos andinos.

Rodolfo Garcia acrescenta: “Quanto à primeira zona, temos ainda que considerar a família dos Gés, pela sua importância histórica e vasta disseminação pelo território brasileiro, e desse modo temos os quatro grupos principais das classificações anteriores. E, para completar o quadro, contemplaremos os Carirís ou Kiriris, de interesse histórico; o Pano, que é a população selvagem do Acre; os Goiatacás e Guaicurús, os Borôros, os Carajás, os Trumais, os índios da serra do Norte, os Betoias ou Tucanos, Pebas, Cahuapanas, Catuquinas e Macus”.

O selvagem do Brasil tem sido objeto de estudos por parte de notáveis historiadores, cronistas e cientistas, além dos acima citados, quais sejam von Eschwege, von Ihering, Abbeville, Thevet, d’Evreux, Ferdinand Denis, Hyppolite Taunay, Saint-Hilaire, de la Grasserie, Hartt, Coudreau, Taunay, Paul Rivet, Koch-Grunherg, pe. H. Tapie, frei Vicente do Salvador, Couto de Magalhães, Baptista Caetano, Capistrano de Abreu, Beaurepaire-Rohan, Ladislau Netto, Varnhagen, Macedo Soares, Sílvio Romero, João Severiano, Boquete Pinto, Rodolfo Garcia, Calógeras, Basílio de Magalhães, Affonso Taunay, Theodoro Sampaio, Cândido Rondon, Antônio Amorim, Stradelli, Urbino Vianna, Heloísa Alberto Torres.

Cumpre também não esquecer o aventureiro Knivet.

Os Tupís, na época do descobrimento, expandiram-se pelas Guianas, Brasil, Bolívia Oriental, Argentina e Paraguai. Eram guerreiros e canoeiros habilíssimos. Distinguiam-se em puros e mesclados.

Pertenciam aos primeiros as tribos dos Apiacás e Parintintins, do Alto Tapajós ao Madeira; dos Ovampis e Tembés, da foz do Amazonas; dos Omaguas e Cocamas, entre os rios Solimões, Napo e Ucaiale; dos Chiriguanos e Guaraios, nos rios Beni e Mamoré; dos Guajajaras, do Maranhão, Tapirapés, de Goiás, e Guaranis, do Paraguai e Argentina. Os Tupís mesclados compreendiam os Jurunas e Maués, do médio Xingu e Tapajós, Mundurucús, Auetôs, Tamoios, Tupinambás e Tupiniquins, da Bahia.

Estes últimos foram habitantes do litoral e os primeiros que travaram conhecimento com os descobridores.

Sua língua, o abanheenga, tupi-guarani, estudada pelos primeiros missionários, Anchieta e Montoya, serviu de língua geral ou seja de idioma comum entre o branco e o índio, em contraste com a língua travada dos Tapuias.

Os Tapuias (ou Gés, conforme Ehrenreich) distinguiam-se ainda, em geral, pelo uso do batoque no lábio inferior.

Ao tempo do desembarque de Cabral, habitavam a serra do Mar e os rios litorâneos, desde o Doce até aos vales do Paraná e Uruguai.

Filiavam-se a esta raça, notável pela ferocidade, os Aymorés e Botocudos ou Buruns (rios Doce e Mucuri); os Suiás (Xingu); os Patachós e os Cotochós (rios Pardo e Jequitinhonha); os Bugres (Santa Catarina); os Camacans, de Ilhéus; os Camés e Caingangs (ou Corôados), dos afluentes da margem esquerda do Paraná.

Os Tapuias centrais, do planalto goiano e seus limítrofes, formavam dois grupos: Caiapós e Acuens, com os respectivos subgrupos: Apinagés e Cricatagés; Chavantes e Cherentes, da bacia do Tocantins, rio das Mortes e margem esquerda do Araguaia.

A Cândido Rondon e seus auxiliares devem-se estudos sobre as tribos de nossa fronteira ocidental: Parecis, Nhambiquaras e Kepikis-uats, do noroeste de Mato Grosso; Parera-uats, Paqueteps e Ipetuats, do Giparanã; Urumis, Arikêmes e Barbados, do Xingu.

Os Nu-Aruaks habitavam o arquipélago das Lucaias, quando ali aportou Colombo, e estenderam-se até á bacia do Amazonas.

Aos Caraibas, oriundos, segundo von den Steinen, das cabeceiras do Xingu, filiam-se as tribos dos Nahuquás, Bakairis (Xingu), Rucuienes (serra Tumuc-Humac), Pianocotós (rios Paru, Jari e Jamundá), Mariquitares e Crichanás (rio Branco e planalto brasileiro); e os Palmellas, no Madeira.

Além dessas quatro nações, há outros grupos não definitivamente classificados: os Juris, Tekunas e Uaupés, na Amazônia Ocidental; os Trumais, no Araguaia; os Guatós, no São Lourenço; os Kiriris, hoje extintos, no São Francisco superior, litoral do Maranhão e Ceará (Capistrano de Abreu); os Pimenteiras (Piauí); os Goitacás (Paraíba inferior), desaparecidos em começo do século XVII, e cujos sobreviventes são os Puris; os Guaicurús (Uruguai e Paraguai), cujas tribos filiais são os Charrúas, Genôas, Gaúchos (Rio Grande do Sul) e Tobás (Chaco).

Os Borôros são de origem boliviana e pertencem ao grupo dos Otukés (do ramo chiquitano, segundo d’Orbigny), como se infere de Crequi-Monfort e Paul Rivet, corroborados por Basílio de Magalhães.

Cumpre ainda notar o grupo dos Panos, identificados por de la Grasserie, e cujo habitat é a região do Ucaiale, Madeira, Alto Juruá, Peru Oriental e nordeste da Bolívia; e o grupo dos Betoias, descrito por Brinton, ocupantes da baixada colombiana, vale do Solimões e seus afluentes.

As tribos brasilienses viviam em geral aldeadas em tabas, sob a chefia de um morubixaba ou cacique.

Habitavam, em geral, ocas, casas em forma circular, de paliçadas concêntricas – caiçaras. Seguiam o culto fetichista de Tupan, professado por pagés ou piagas, e o regímen da propriedade coletiva.

Manejavam com destreza o arco (guirapá) e a flecha (hui), caçando ou pescando.

Pintavam ou tatuavam o corpo e ornavam-se de cocares de penas multicores (canitares, de acangatara) e cintos (enduapes).

Tinham por armas de combate a clava (tangapema ou tacape) e a lança (murucú).

As tribos mais adiantadas, tais os Caingangs ou Corôados, e os índios de Marajó, conheciam a cerâmica e a tatuagem, devido ao contato com os Aruaks, do Peru, que já executavam alguns trabalhos de metalurgia.

Os Custenaús usavam rede de fibra de palmeira, enquanto os Caraibas as teciam de fio de algodão.

Os Carajás tinham seus aldeamentos regularmente construídos sobre as margens arenosas do Araguaia e criavam galinhas, patos, araras, cães etc.

Os Mundurucús, segundo Martius, se esmeravam nos artefatos de penas e ornavam as choças de peles de onças e ossos de porcos bravios. Tatuavam o rosto.

Os Tapuias de leste representavam o primitivo tipo selvagem de caçadores nômades, desconhecendo a construção do habitat, o uso da rede (quiçaba) e a lavoura.

Entretanto, os Tapuias, os Suiás, Gês ocidentais, sabiam construir canoas (igaras), fabricar utensílios de argila, e não usavam botoques nem argolas no lábio, nariz e orelhas.

Como urnas funerárias, eram empregadas talhas de barro (igaçabas).

Trançavam cestos (patiguás), samburás e jacás, e armadilhas de pescaria (gambôas).

As danças selvagens denominavam-se poracés, e os instrumentos musicais mais usados eram a buzina (inubia), a trombeta (boré), o tambor (uaí), a flauta de osso humano (mimbi), a avena de taquara de duas e três canas (toró) e o chocalho (Maracá) constante de uma cabaça cheia de pedrinhas.

Quadro Sinótico

O gentio brasileiro, na época do descobrimento, foi dividido em dois grandes grupos: – Tupís e Tapuias. Abrange hoje quatro grandes nações.

I – TUPIS, que se dividem em puros e mesclados.

Puros: – ApiacásParintintinsOvampisTembésOmaguasCocamasChiriguanosGuaraiosGuajajarasGuaranis (carijós).

Mesclados: – JurunasMauésMundurucúsAuetôsTamoiosTupinambásTupiniquins.

II – Tapuias ou Gés, que se dividem em: – AymorésBotocudos ou BurunsSuiásCotochósBugresCaingangs ou CorôadosCaiapós, com suas duas classes – Apinagés e Cricatagés; Acuens, divididos em Chavantes e Cherentes.

III – Nu-Aruaks, que compreendem os GuajirasGuanásCustenaúsMoxósBaurés.

IV – Caraibas, que constam dos – NahuquásBakairisRucuienesPianocotósMariquitaresCrichanásPalmellas.

Grupos não definitivamente classificados: –JurisTekunasUaupésTrumaísGuatósKiririsPimenteirasGoitacásGuaicurúsPanosBetoias.

Traços Biográficos
Carlos Frederico Philippe von Martius (1794 – 1868)

Carlos Frederico Philippe von Martius naceu em Erlangen, cidade da Baviera, em 17 de Abril de 1794 e faleceu em Munich, capital do referido país, em 13 de Dezembro de 1868.

Era doutor em medicina. Na viagem de exploração científica, que fez no Brasil, de 1817 a 1820, colheu todas as informações, de que resultaram, não só inúmeras monografias, como o maior amor à nossa terra, a qual lhe mereceu até um estudo sobre o melhor modo de se escrever a respectiva História.

Entre suas mais notáveis obras, referentes ao Brasil, contam-se as seguintes:

Viagem ao Brasil, de colaboração com João Baptista von Spix;

História natural das Palmeiras;

As plantas e animais da América Tropical;

A natureza, as doenças, a arte médica e os remédios dos habitantes primitivos do Brasil;

Glossários das línguas indígenas do Brasil;

Flora Brasiliense, sua mais famosa obra e que, após seu falecimento, foi continuada por Eichler, Urban e Engler.

Martius foi um estudante verdadeiramente genial.

Em 1814, com 20 anos apenas, já era em Munich o adjunto do sábio e velho Schrank.

Em 1816, por sugestão da princesa Leopoldina da Áustria, que se casara com o príncipe dom Pedro, depois 1º imperador do Brasil, os governos da Áustria e da Baviera resolveram mandar ao Brasil, em missão científica, dois eminentes bávaros: Spix, como zoólogo, e Martius, como botânico.

Partiram de Trieste a 22 de Abril de 1817 e chegaram ao Rio de Janeiro a 15 de Julho do mesmo ano.

Em pouco menos de três anos, Martius percorrem o sul e o norte do Brasil, estudando o homem civilisado e o homem selvagem e apreciando as maravilhas da nossa flora.

Notas

  • Ponto 1.º – Lição 4ª
  • Foi mantida a grafia do texto original para os nomes indígenas.

Fonte

Veja também

Imagem destacada

Mapa (Aldeias indígenas do Brasil. Fonte: IBGE)